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Após a queda do governo de Fulgêncio Batista e a chegada de Fidel Castro a Havana, juntamente com seus aliados, em oito de janeiro de 1959, os revolu- cionários cubanos deram início a uma nova etapa revolucionária: a construção de uma nova sociedade e, consequentemente, a desconstrução dos alicerces que, até então, sustentavam o Estado cubano. A consolidação efetiva de Fidel Castro no poder ocorreu em julho de 1959, após a queda do governo provisório de Manuel de Urrutía, acordada em 20 de julho de 1958, no Pacto de Caracas, que determinava três aspectos que deveriam ser respeitados: a luta e a unidade para derrocar a ditadura de Batista; a criação de um governo provisório; e a liberdade de cumprimento dos compromissos internacionais e progresso econômico da nação. Nesse contexto, o governo de Fidel Castro realizou reformas estruturais, tais como a reforma agrária, a desapropriação de bens de capital estrangeiro e a reforma urbana. As reformas estruturais foram acompanhadas de reformas socioculturais, dentre as quais se sobressaiu a educação da população, até então analfabeta em sua grande maioria (MARQUES, 2009).

Muito debatida no meio intelectual e artístico, a Revolução Cubana contava com respeitados defensores, entre eles Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano, Jean-Paul Sartre e Mario Vargas Llosa. A ressonância da Revolução Cubana aumentou, no meio intelectual e artístico, quando houve a fundação da

Reinaldo Arenas: o menino inoportuno de Cuba

Casa de las Américas, em Havana, com o objetivo de apoiar artistas, escritores e intelectuais de esquerda de todo o mundo. A direção da Casa de las Américas foi entregue a Haydée Santamaría, a única mulher a participar da luta armada revolucionária desde o princípio: o assalto ao quartel Moncada, em 1953. A cada ano, Havana recebia centenas de intelectuais para a premiação Casa de las Americas, momento em que, além da distribuição dos prêmios, faziam-se debates sobre artes plásticas, música, o papel do intelectual na sociedade e o socialismo. Os prêmios eram concedidos aos escritores de ficção e de ciências humanas, e sua obtenção, embora simbólica, representava o reconhecimento imediato pela crítica internacional (MARQUES, 2009).

A ideia de construção de uma nova sociedade surge, nessa época, aliada à concepção do novo homem cubano. O sociólogo Michel Löwy (2003) define o novo homem cubano como:

[...] um homem mais rico interiormente e mais responsável, ligado aos outros homens por um vínculo de solidariedade real, de fraternidade universal concreta, um homem que se reconhece na sua obra e que, um vez quebradas as correntes da alienação, ‘atingia a consciência plena do seu ser social, a sua total realização como criatura humana’. Um homem cuja condição de possibilidade é o que Marx chamava, nas teses sobre Feuerbach, ‘a humanidade socializada’: que quer dizer, a ultrapassagem da cisão operada pela sociedade burguesa entre o ‘privado’ e o ‘público’, o interesse ‘particular’ e o ‘interesse geral’, o ‘homem’ e o ‘cidadão’, o indivíduo e a comunidade (LÖWY, 2003, p. 48).

O sociólogo Florestan Fernandes (1979) lembra que, embora Che Guevara tenha sido o idealizador da teoria do novo homem, foi Fidel Castro quem im- plementou medidas formais para a sua criação, por meio da institucionalização da educação formal:

Embora Che Guevara também se tenha dedicado a essas tarefas pioneiras, o paladino de soluções concretas para o novo tipo de institucionalização da educação formal foi Fidel Casto. Os dois se completam, na medida em que o Che desdobrou o painel de uma pedagogia revolucionária, enquanto Fidel lançou-se à obra de transformar Cuba em uma imensa escola dos trabalhadores (FERNANDES, 1979, p. 152).

Nesse contexto, Reinaldo Arenas, ainda jovem, aos catorze anos, apoiou a revolução castrista, juntando-se aos revolucionários, por acreditar nas mudanças sociais que poderiam advir da revolução, uma vez que “hacia 1958 la vida em Holguín se fue haciendo cada vez más insoportable; casi sin comida, sin electricidad; si antes vivir allí era aburrido, ahora era sencillamente impossible” (ARENAS, 1996, p. 64). O jovem Reinaldo Arenas fez parte da primeira geração de cubanos a viver após o triunfo da revolução, o que permitiu que ele, um rapaz de família humilde e quase sem perspectivas de uma educação formal, recebesse, através da institucionalização da educação formal do novo regime, uma bolsa de estudos em uma Escola Politécnica Agrícola. As instruções que os alunos recebiam na escola politécnica estavam de acordo com os critérios da revolução, incluindo aulas de contabilidade, aulas de marxismo-leninismo, além de práticas militares e de trabalhos no campo.

Nessa época, Reinaldo Arenas já sentia algum desencanto para com o novo governo, especialmente nos momentos em que ele, um jovem de dezesseis anos, deparava-se com alguns preconceitos típicos de uma sociedade machista:

Entonces, yo padecía todos los prejuicios típicos de una sociedad machista, exaltados por la Revolución; en aquella escuela desbordada de una virilidad militante no parecía haber lugar para el homosexualismo que, ya desde entonces, era severamente castigado con la expulsión y hasta con el encarcelamiento. Sin embargo, entre aquellos jóvenes se practicó de todos modos el homosexualismo, aunque de una manera muy velada (ARENAS, 1996, p. 71).

A homossexualidade, praticada de forma velada, às escondidas, em um país que proibia tais atividades, é uma constante no texto de Reinaldo Arenas. O narrador/protagonista relata, ainda na época da Escola Politécnica, os relacio- namentos entre professores e alunos: “algunos profesores, por decir la mayoría, tenían sus relaciones sexuales con los alumnos; había uno, llamado Juan, que había tenido relaciones con un centenar de estudiantes” (ARENAS, 1996, p. 74). Apesar de ser severamente punida com a expulsão e o encarceramento, a prática de relações homossexuais acontecia dentro da escola, envolvendo até mesmo os professores, que naquele ambiente exerciam o papel de fiscalizadores e agentes da repressão.

Entretanto, o descontentamento não era superado pela satisfação das ne- cessidades básicas:

Reinaldo Arenas: o menino inoportuno de Cuba

Sin embargo, hay que reconocer que el entusiasmo estaba todavía por encima del desencanto. […] Casi todas las noches íbamos al teatro a ver alguna película rusa; también comíamos mucha carne rusa. Indiscutible- mente nos adoctrinaban, pero también nos alimentaban y estábamos es- tudiando gratis; el gobierno nos vestía, nos educaba a su modo y disponía de nuestro destino (ARENAS, 1996, p. 74).

Esse trecho evidencia que, apesar da pouca idade, o jovem Reinaldo Arenas tinha consciência da doutrinação política a que estava sendo submetido; en- tretanto, para um jovem que cresceu em uma família humilde e que, quando deixou Holguín, aos catorze anos, vivia quase sem comida, a satisfação das necessidades básicas fazia uma diferença significativa na sua vida, a ponto de permitir que o governo dispusesse de seu destino. Nesse período, como Reinaldo Arenas relata em Antes que anochezca, ele se sentia entusiasmado diante da presença de Fidel Castro:

Todos estábamos entusiasmadísimos con su presencia; era un honor que el Comandante en Jefe nos fuera a visitar a nosotros, simples con- tadores agrícolas. Nos dijo que éramos la vanguardia de la revolución, que teníamos una enorme responsabilidad, porque nosotros íbamos a conducir las primeras granjas del pueblo. (ARENAS, 1996, p. 77).

Nesse momento de sua vida, Reinaldo Arenas encarnava o ideal de novo homem cubano, dedicando-se a estudar o marxismo, participando ativamente dos círculos de estudos marxistas e tendo a real convicção de que a revolução era nobre e bela. O jovem, apesar de alguns momentos de descontentamento, ainda não acreditava que a revolução que lhe dava educação gratuita pudesse ser algo sinistro. Com o passar do tempo, entretanto, o descontentamento com o novo regime aumenta, à medida que Reinaldo Arenas percebe o quanto precisa ocultar a sua homossexualidade e percebe a quantidade de colegas que precisam negar a si mesmos para sobreviver, tanto na escola politécnica quanto sob o novo governo.

A repressão a homossexuais, escritores e artistas