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A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 111-115)

CAPÍTULO 5 A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual

A Constituição Estadual é um documento que deve observar a Lei Maior por imposição da soberania federativa, “respeitando os princípios constitucionais sensíveis, princípios federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos”.235

Para Celso de Mello,236 no plano constitucional os princípios federais

extensíveis e os princípios constitucionais estabelecidos são bem mais numerosos do que os chamados princípios constitucionais sensíveis, previstos no artigo 34, VII da Constituição Federal, e todos estes princípios apresentam-se como de reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais.

Os princípios extensíveis são comuns a todos os entes federativos por se

constituírem em normas centrais. Aliás, Raul Machado Horta237a eles se refere como “princípios desta Constituição” provavelmente em alusão ao artigo 11 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, dentre os quais estão os dispositivos elencados no título I da Carta Magna.

Os princípios estabelecidos manifestam-se em favor da ordenação da Federação e da auto-organização dos Estados-membros, cuidando de competências administrativas, organização da administração pública e disposições expressas sobre a organização do próprio governo.

“Em primeiro lugar, devemos reconhecer que para observar princípios, o constituinte não precisa repeti-los na Constituição Estadual, embora nada impeça de fazê-lo. Observar um princípio significa assim abster-se de emitir regras com ele incompatíveis ou, positivamente, emitir regras

235 SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Federal. RDP 16/15. 236

"Se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação – até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem – impõese realizar. A questão da necessária observância, ou não, pelos Estados-membros, das normas e princípios inerentes ao processo legislativo, provoca a discussão sobre o alcance do poder jurídico da União Federal de impor, ou não, às demais pessoas estatais que integram a estrutura da Federação, o respeito incondicional a padrões heterônomos por ela própria instituídos como fatores de compulsória aplicação. (...) Da resolução dessa questão central, emergirá a definição do modelo de Federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais." (ADI 216-MC, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-1990, Plenário, DJ de 7-5-1993.)

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constitucionais compatíveis. Não se cumpre um princípio repetindo o seu teor, mas emitindo regras que com ele compõem um conjunto hierarquicamente harmônico. Como princípios não exigem um comportamento específico nem são aplicáveis à maneira de um ‘tudo ou nada’, observá-los significa seguir-lhes a orientação ao estabelecerem- se regras constitucionais estaduais.” 238

É natural que as Cartas Estaduais tratem de alguns assuntos dispostos na Lei Maior, adaptando-os à situação específica vivenciada pelos Estados-membros. Assim, no exercício de sua competência é de pouca serventia aos Estados transcreverem trechos genéricos dispostos na Constituição da República, haja vista que nestes casos o que se espera é a especificação da norma geral, salvo na hipótese da União ter se omitido na construção do preceito geral no que tange à competência concorrente.

A repetição além de pouco influenciar na validade da norma jurídica, produz dificuldades no que se refere ao controle de constitucionalidade. Em verdade, normas contidas na Lei Maior reproduzidas pela Constituição Estadual poderão ser protegidas pelo STF, bem como pelos Tribunais de Justiça estaduais. Essa dinâmica poderá gerar demora na resolução de suposta inconstitucionalidade e fomentar um ambiente de incerteza jurídica diante da existência opiniões divergentes, com maior demora na produção de uma decisão definitiva pelo Supremo.

Com efeito, de acordo com o art. 125, §2º da Constituição Federal, podem os Estados-membros conhecer e decidir através dos Tribunais de Justiça sobre a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

A tradição brasileira é mesmo de repetição meticulosa de um grande número de dispositivos da Constituição Federal nas Constituições Estaduais, a ponto do STF já ter sido acionado para se manifestar, por exemplo, sobre controvérsia relativa à ausência da menção a Deus no preâmbulo da Constituição do Acre, em virtude de

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FERRAZ JUNIOR, Tércio. Sampaio. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da constituição federal. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 22, 1989, p. 90.

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suposta obrigação de repetir em seu texto a referência ao Criador, contida no preâmbulo da Lei Maior. 239

Através da Reclamação nº 383 o Supremo adotou a “tese da autonomia da norma repetida”. Dispositivos das Constituições Estaduais - reproduzidos a partir de normas de observância obrigatória dispostas na Constituição Federal - poderão ser objeto de controle de constitucionalidade perante os Tribunais de Justiça dos Estados-membros, sem que isso signifique usurpação da competência atribuída pela Carta de 1988 ao STF. 240

Nos termos do artigo 34, VII da Carta Magna, a palavra “observância”, foi interpretada pelo STF como sinônimo de obrigatoriedade de reprodução normativa direcionada ao Constituinte Decorrente para transportar uma série de dispositivos estruturantes para a Constituição Estadual.

Entretanto, o Supremo já foi favorável à desnecessidade da reprodução desse tipo de norma no contexto das Constituições Estaduais. Pela Reclamação nº 370241 tinha-se o entendimento de que era ociosa a reprodução de normas constitucionais obrigatórias no âmbito da Constituição Estadual.

A “teoria da ociosidade da norma constitucional repetida”, anteriormente adotada, não reconhecia a autonomia da norma repetida, por isso mesmo retirava a competência da Justiça Estadual para realizar o controle abstrato dessa norma. Dispunha ainda que a observância dos princípios contidos na Constituição Federal não significava necessariamente o dever de copiá-los no texto da Constituição Estadual.

Do ponto de vista dos interesses estaduais, de pouco valeria ter toda a Constituição Federal reproduzida na Constituição Estadual. A Lei Maior não dispõe

239 O Partido Social Liberal arguiu perante o STF lesão à CF/88 pelo fato da Constituição Estadual do

Acre não ter repetido em seu preâmbulo a expressão “sob a proteção de Deus” no que o Supremo julgou a referida ação improcedente, fazendo entender que a Constituição Estadual não é obrigada a reproduzir na íntegra todo o texto da Lei Maior. STF, Pleno, ADI nº 2.076/AC, REl.Min. Carlos Velloso, decisão de 15.08.2002.

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Rcl. nº 383, Rel. Min.Moreira Alves, julgada em 11.06.1992, DJ de 21.05.1993.

241 Anteriormente, julgando a Reclamação nº 370, afirmara o Supremo Tribunal Federal que faleceria

competência aos Tribunais de Justiça estaduais para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetros formalmente estaduais, mas substancialmente integrantes da ordem constitucional federal. (...) (Rcl. nº 370, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgada em 09.04.1992, DJ de 29.06.2001).

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detidamente sobre questões específicas das diversas regiões do País, tarefa esta atribuída ao Constituinte Decorrente no âmbito da Carta Estadual.

O importante é que a Carta Estadual não se notabilize por um conjunto de normas reproduzidas a partir da Lei Maior. A Constituição Estadual não pode se restringir a este programa normativo porque isto significaria uma afronta à autonomia estadual e ao princípio federativo. 242

Com isso queremos dizer que ao abrigo de qualquer uma das teorias (ociosidade ou autonomia) cabe ao Poder Constituinte Decorrente o exercício das competências que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal no sentido de adaptar a norma constitucional estadual à realidade dos Estados e Municípios. A nosso sentir, o que mais interessa é a obediência e não a reprodução normativa exaustiva dos referidos princípios da Carta Magna no texto da Constituição Estadual. Por um lado a Constituição de 1988 ofertou aos Estados-membros um diminuto espaço de atuação legislativa. Doutra banda, tem-se que o Poder Decorrente tem sido omisso em sua tarefa de prover a Constituição Estadual de dispositivos autênticos, não reproduzidos ou imitados a partir da Constituição Federal.

Destarte, nem mesmo o pequeno espaço favorável à atuação estadual foi adequadamente utilizado pelo Poder Decorrente no âmbito das Cartas Estaduais. É legítimo que as Assembleias Legislativas almejem partilhar as competências privativas da União (PEC nº 47/2012). Entretanto, é fundamental que o Poder Decorrente cumpra seu papel de adequar a Constituição Estadual à realidade cultural, social e econômica de cada um dos Estados da Federação.

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“A exuberância de casos em que o princípio da separação dos poderes cerceia toda a criatividade do constituinte estadual, levou a que se falasse num princípio da simetria, para designar a obrigação do constituinte estadual de seguir fielmente as opções de organização e de relacionamento entre os poderes acolhidos pelo constituinte federal. Esse princípio da simetria, contudo, não deve ser compreendido como absoluto. Nem todas as normas que regem o Poder Legislativo da União são de absorção necessária pelos estados. As normas de observância obrigatória são as que refletem o inter-relacionamento entre os poderes”. MENDES, Gilmar Ferreira. Op.cit., p. 814.

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No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 111-115)