CAPÍTULO 6 O DIREITO ESTADUAL E O DESENVOLVIMENTO
6.2. O Direito Estadual e as potencialidades regionais
É certo que o desenvolvimento regional resulta da articulação entre diversos atores, a saber: a sociedade civil, organizações não governamentais, instituições políticas, empresas e o próprio Estado. 251
Há instrumentos pelos quais os Estados-membros poderão superar suas dificuldades econômicas. Assim, a intervenção do Estado na economia regional bem como a atuação da iniciativa privada são medidas imprescindíveis ao desenvolvimento regional.
A atuação do Estado - através da produção normativa, do planejamento e da execução de ações estruturais - favorece ao desenvolvimento regional pela construção de um ambiente benéfico à iniciativa privada com vistas à exploração de potencialidades econômicas existentes em cada região do País.252
Portanto, é preciso que se garanta à iniciativa privada um ambiente econômico regional permeado por segurança jurídica. A economia rege-se por princípios próprios a partir de bases jurídicas sólidas capazes de gerar tranquilidade ao mercado. 253
“Nem tudo está, no entanto, capturado ou movido pela parte mais poderosa e dinâmica do sistema. A vida social e econômica persiste nas áreas periféricas, realimentando circuitos secundários de valorização dos capitais ou de iniciativas de organização alternativas que animam a vida quotidiana de amplas camadas da população. Dessa forma, mesmo nas franjas menos significativas do sistema econômico hegemônico, recursos mal ou pouco aproveitados podem ser melhor mobilizados, desde que hajam estímulos para tanto - uma postura que chama atenção novamente para o esforço inovador demandado pelo desenvolvimento regional. A criatividade e capacidade de organização coletiva das populações pode perfeitamente
251 BUARQUE, Sérgio C. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal
sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Brasília, DF: IICA, 1999, p. 132.
252
“O enfoque globalizante dos processos que corresponde à proeminência do Estado como agente propulsor e orientador das atividades econômicas e árbitro dos conflitos de classes na definição do interesse nacional, viria finalmente a prevalecer na concepção do desenvolvimento.” FURTADO, Celso. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar. 2ª edição. São Paulo: Editora nacional, 1981, p.20.
253 Vital Moreira observa que atualmente as economias capitalistas são mistas quanto ao modelo de
coordenação, na medida em que combinam em doses variáveis a coordenação estatal, a do mercado e a auto-regulação através da atuação dos próprios agentes econômicos. MOREIRA, Vital. Auto- regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almeida, 1997, p. 121.
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explorar brechas para a inclusão social e econômica e, assim, reencontrar nichos de inserção sustentada no mercados.”254
Compete à Lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento na busca de desenvolvimento equilibrado que deverá incluir e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento, num ambiente de integração federativa conforme o art. 174, §1º da Carta Magna. Entretanto, esta previsão esbarra na falta de norma regulamentadora federal.
O planejamento regional, feito exclusivamente a partir da União, dificilmente atenderia satisfatoriamente as demandas de todos os Estados-membros. Por isso mesmo, mostra-se fundamental a integração entre os projetos estaduais e a proposição da União. 255
É preciso efetivar os dispositivos constitucionais favoráveis ao desenvolvimento. Entretanto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho256 chama a atenção
para a necessidade de operacionalização da norma jurídica econômica em consonância com os princípios constitucionais garantidores da dignidade da pessoa humana.
Em verdade, a norma jurídica estadual precisa manifestar-se favoravelmente no plano regional. O Federalismo exige que a realidade de cada Estado repercuta no plano jurídico, e esta necessidade também se aplica à questão econômica. 257
A atual discussão sobre a reforma federativa oportuniza a discussão em torno da necessidade de adaptação do Direito Estadual à realidade socioeconômica regional. 258
254 Ministério da Integração Nacional. Ministério da Integração nacional. Secretaria de Políticas de
Desenvolvimento Regional. Fundos constitucionais de financiamento – 20 anos – desempenho operacional. Brasília, 2009, p.10. Fonte; http://www.integracao.gov.br/publicacoes2.
255 “Importa que no planejamento e execução de políticas públicas reconheça-se a importância do
elemento regional. Os entes federativos devem trabalhar articulados, de maneira a se definirem os objetivos que possibilitem a elaboração de políticas públicas de baixo para cima.” RODRIGUES, Isabel Cristina. O desenvolvimento econômico regional no contexto do desenvolvimento sustentável, 2003, p. 08.
256
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Op.cit., p. 347.
257
Na concepção de Fonseca o conceito jurídico de Constituição econômica vem dar respostas a estas indagações e pretende ver como o direito conduz o fenômeno econômico, para que se consiga uma adequação entre a norma e o fato. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1998, p.51.
258
SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 67.
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Atritos são gerados entre os Estados na disputa pela captação de recursos federais e investimentos privados. 259
A Carta de 1988 atribuiu à União, em caso de solicitação dos Estados, a possibilidade de atuação para resolução de algumas pendências.260 A harmonia
institucional impõe-se também pela atuação do ente central para equacionar questões de interesse federativo, mesmo que seja pela intervenção federal, quando for o caso. Com efeito, alguns órgãos são fundamentais para estabilização institucional, dentre os quais merecem destaque o Senado e o STF.
No plano tributário o Senado poderá harmonizar conflitos interestaduais. A propósito, a resolução da tensão estadual em torno do ICMS, poderia então contar com a atuação da Câmara Alta, caso houvesse vontade política para tal. 261
Nesse sentido, o papel do Senado assumiria cabal relevância, por sua atuação enquanto órgão moderador capaz de harmonizar os interesses entre os Estados, sobretudo em questões delicadas que se apresentam como foco de hostilidades. 262
Destarte, a hipótese de um Estado federal sem Senado, defendida por alguns juristas,263 não atenderia aos anseios da Federação brasileira em prol de seu aperfeiçoamento.
259 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11ª. ed. Op.cit., 2008, p. 811. 260 Esta hipótese está prevista no Art.12, §3º do ADCT, em que por solicitação dos Estados e
Municípios interessados, a União poderá encarregar-se dos trabalhos demarcatórios das linhas divisórias litigiosas.
261 O papel do Senado mostra-se fundamental para resolução de entraves tributários como também
se depreende da disposição elencada no Art. 155, §2º, IV da Lex Mater, nos termos que se seguem: Art. 155 (...)
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;
(...)
262
Na concepção de Bercovici: “O Senado foi criado no Brasil como órgão de moderação, o que ficou bem claro durante o Império, não cumprindo com o seu papel originário de ‘Câmara dos Estados’ para garantir o equilíbrio da Federação.” BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2004, p. 86.
263
Otávio Rocha, em sua dissertação, associou José Afonso da Silva e Gilberto Bercovici à defesa da ideia de extinção do Senado Federal. Nesta linha, para Silva a inexistência de Senado não afetaria a harmonia federativa, tendo inclusive proposto a criação de um ‘congresso da federação’ composto por representantes dos Estados-membros e dos Municípios em substituição à Câmara Alta. De semelhante modo, para Bercovici a Câmara dos Deputados representa na prática os interesses estaduais, o que supriria a ausência da Casa dos Estados. ROCHA, Otávio Túlio Pedersoli. A
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Alega-se existir disparidade de representatividade popular na composição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Assim sendo, diz-se que a Câmara Alta, modelada pela Carta de 1988, afrontaria o princípio democrático por atribuir aos Estados o mesmo número de senadores, independentemente de sua população. Ocorre que o Senado representa os Estados, e por isso mesmo não faria sentido que sua composição se medisse por critérios populacionais.