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As relações federativas e a Constituição de 1988

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 101-107)

CAPÍTULO 5 A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988

O modelo federativo adotado no Brasil pelas Constituições republicanas se deixou influenciar pela instabilidade política advinda dos sobressaltos institucionais que constantemente determinavam a alternância entre a Democracia e o regime autoritário. Com efeito, o Federalismo centralizador - adotado durante os regimes de exceção nas décadas de 1930 e 1960 - atribuiu à União o planejamento das políticas públicas nacionais e locais com pouca participação dos Estados no processo decisório.

220 FARIAS, Paulo José Leite. Competência Federativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris Editor, 1999, p. 319.

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Assim, é certo que a Constituição de 1988 está na origem dos atuais dilemas federativos. Estados e Municípios tem sua autonomia (financeira, administrativa e política) mitigada pelo modelo de repartição de competências legislativas adotado pela Lex Mater.

Existem problemas com relação à organização do Estado federal brasileiro, como bem pontua André Ramos Tavares: 222

“De outra parte, não existe no Brasil uma Justiça municipal que pudesse corresponder ao âmbito federativo das cidades. A Justiça local, portanto, é apenas aquela de âmbito estadual. Passível de crítica, nesse ponto, a Constituição, porque poderia ter implementado a descentralização também da organização judiciária do País, aproximando mais a Justiça do cidadão (munícipe).”

A redemocratização não alterou substancialmente esta lógica federativa, trazendo pouca novidade quanto à descentralização mais efetiva das competências e atribuições constitucionais. O ente central apresenta interesses políticos na manutenção desse modelo, porque se utiliza dele para subjugar financeiramente os demais entes.

A possibilidade de se embargar os projetos de interesse do governo federal pelo veto - através de sua bancada no Congresso Nacional - tem se mostrado um instrumento de barganha que favorece aos Estados em sua relação com a União. O poder econômico do ente central é utilizado para angariar apoio político das bancadas estaduais na aprovação de votações de interesse do governo federal no Congresso Nacional.

Entre os Estados-membros existem tensões de natureza econômica, o que tem impossibilitado a criação de um ambiente cooperativo em âmbito regional. As disparidades federativas se agravaram nas relações interestaduais por conta das disputas em torno do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Aliás, o ICMS passou a servir de indutor de desenvolvimento industrial mediante isenções ou redução de alíquotas, com vistas a atrair indústrias para as regiões mais pobres. As

222 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. Op. Cit., p. 1209.

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distorções fiscais promoveram tensões regionais que expuseram as deficiências do Federalismo pátrio. 223

Aliás, apresenta-se relevante a atuação do Senado em favor do equilíbrio das relações entre os Estados no plano tributário224 através, por exemplo, da unificação

de alíquotas (art. 155, § 6º, I da Lei Maior), sobretudo quando fracassarem as deliberações estaduais com vistas a resolver questões controversas.

Compete ainda à Câmara Alta225 estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis

às operações e prestações, interestaduais e de exportação, por intermédio de Resolução de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos senadores, aprovada pela maioria absoluta dos membros da referida Casa.

Os Estados-membros, com vistas à promoção de seu crescimento econômico, têm concedido uma série de incentivos fiscais para atrair investimentos da iniciativa privada. Ocorre que esse procedimento deve ser submetido ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que concede o lastro de constitucionalidade a tais operações. Entretanto, boa parte dessas manobras financeiras feitas pelos Estados-membros afronta tal exigência.

223 “O principal imposto estadual (de maior arrecadação nacional) foi criado em 1966 como um

imposto sobre o valor agregado relativo à circulação de mercadorias (ICM). Este veio substituir o antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), que incidia cumulativamente sobre cada operação de venda ou consignação de mercadorias. Em 1988, foram incorporados à base de cálculo do ICM (que passou a se denominar Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS) os fatos geradores dos impostos únicos sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos (IULCLG), energia elétrica (IUEE) e minerais (IUM), assim como os impostos sobre serviços de comunicações (ISSC) e transporte rodoviário (IST). Estes impostos eram de competência federal, mas eram compartilhados com os estados e municípios.” ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e Crise da Dívida Pública Estadual. Texto para discussão nº448. IPEA, Brasília, 1996, p.12.

224 A PEC nº 12/2008, de autoria de Adelmir Santana, realça a importância do Senado Federal em

matéria tributária, senão vejamos: “No final de 2003, o Senado Federal recebeu a importante incumbência de zelar pela funcionalidade do Sistema Tributário Nacional e avaliar o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. No entanto, não há como ser considerado funcional um sistema tributário que retira da sociedade mais de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Da mesma forma, com tantos tributos e com alíquotas tão elevadas, também não é possível avaliar o desempenho das administrações tributárias. Parece-nos essencial, pois, que o Senado Federal acompanhe a evolução da carga tributária e conceba mecanismos adequados, técnica e juridicamente, a reduzi-la. O objetivo da Proposta é deixar expressa essa incumbência, além de explicitar que esses estudos e diagnósticos devem servir como diretriz para a elaboração dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no espírito cooperativo que marca nosso Federalismo. Não é aceitável que entremos em nova discussão sobre Reforma Tributária sem que seja discutido profundamente o problema da carga tributária brasileira que, no patamar em que se encontra, dificulta o crescimento de longo prazo da economia brasileira. São essas as razões que embasam nossa Proposta e para a qual pedimos o apoio dos nossos Pares. (...)”

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A situação econômica dos Estados é precária. 226 As obrigações relacionadas à prestação de serviços públicos de educação, saúde, segurança pública, dentre outros, cresceram demasiadamente com o advento da Constituição Cidadã.

A adequada dotação orçamentária deverá fazer-se acompanhar de planejamento financeiro e gestão pública eficiente quando da prestação dos serviços públicos, numa interação adequada entre tributação, orçamento e gestão sob os auspícios do Direito Tributário, Financeiro e Administrativo.

Cabe à Constituição da República propiciar ferramentas para a superação das vulnerabilidades sociais e econômicas que impactam a vida da maioria dos brasileiros. A execução de soluções para os problemas econômicos dos Estados- membros exige vontade política para promoção de reformas estruturantes cujos frutos se colhem no longo prazo.

A pretensão de se ter no Brasil um Federalismo solidário, foi impactada pela dura realidade, caracterizada por incerteza e desconfiança, com enfrentamentos e interesses antagônicos.

A Constituição Cidadã pretendeu reduzir as desigualdades regionais pela repartição das receitas tributárias e pela instituição de fundos pelos quais uma porcentagem de alguns impostos da União fosse desigualmente distribuída entre os Estados, com base em critérios sociais e econômicos. É preciso que se reconheça a importância dessa iniciativa. Entretanto, a vontade do Constituinte não bastou para assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres no Brasil. 227

O crescimento econômico precisa repercutir socialmente em áreas como: educação, saúde e saneamento, e tais serviços devem ser operacionalizados através de políticas públicas e pela atuação da iniciativa privada.

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Entre 2007 e 2010 a arrecadação da União cresceu em termos reais 25% enquanto que as transferências cresceram apenas 15,3%. A unanimidade entre os parlamentares é que esta gerência é injusta e inoportuna. Há um grande desequilíbrio entre as atribuições e competências. (Revista UNALE, Ano XII, n. 57, junho de 2011, p.19).

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“No entanto, em que pese ao dinamismo dos pólos regionais, seu crescimento é insuficiente para levar o País como um todo ao crescimento sustentado; tem se revelado capaz apenas de produzir uma certa descentralização em direção às economias regionais, enquanto a crise do “motor” da industrialização nacional, a Região Sudeste, continua dando os limites e as possibilidades de desempenho da economia nacional.” RODRIGUEZ, Vicente. Os interesses regionais e a federação brasileira. Ensaios, FEE, Porto Alegre, (15) 2:338-353, 1994, p. 340.

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Aliás, o modelo de cooperação proposto pela Constituição de 1988 pelo qual se busca fomentar o desenvolvimento nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, contou com a oposição de parlamentares do centro-sul. Isso ficou evidente durante a Reforma revisional da Carta de 1988, diante das tentativas de alteração do modelo de transferências de recursos federais, em prejuízo das regiões mais pobres.228

Naquela ocasião, cogitou-se ainda em eliminar o referencial de distribuição dos recursos públicos.229

A criação de normas financeiras para contenção dos gastos públicos teve seus reflexos no equilíbrio as contas públicas. A estabilidade econômica, obtida pelo Brasil na segunda metade dos anos 1990, contribuiu para esse cenário.

O sucesso do Plano Real no controle da inflação possibilitou o acesso de parte da população brasileira aos bens de consumo, beneficiada pelas políticas de assistência social e pelo ganho real do salário mínimo. Estabeleceu-se assim um ciclo econômico favorável que trouxe consigo um incremento na arrecadação dos tributos estaduais, com benefícios aos Estados, sobretudo os mais pobres.230

Naquele momento, a crise financeira estadual levou à privatização de bancos públicos, corriqueiramente usados para fins eleitoreiros pelos governos estaduais. Tal medida impactou positivamente a economia regional. Em verdade, tem-se que

228 “As características do processo de descentralização – em especial o expressivo crescimento das

regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste – apontam o fortalecimento das instâncias subnacionais e o aumento do equilíbrio político e econômico regional. No entanto, embora os indicadores macroeconômicos regionais mostrem claramente uma tendência convergente em direção à média nacional, evidenciando a evolução do processo de integração nacional nas últimas décadas, não há indicações de redução dos desequilíbrios políticos federativos; ao contrário, vivemos um momento de profundo desequilíbrio da federação brasileira.” CAMARGO, A. Federalismo e inflação. São Paulo,(Brandel papers, n. 3), 1992, p.05.

229 LAVINAS, Lena e MAGINA, Manoel A.. Federalismo e desenvolvimento regional: debates da

revisão constitucional. Rio de Janeiro: IPEA, 1995, p.20.

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“O governo do Acre, por exemplo, elevou sua receita de impostos em 186%, em termos reais, entre 2003 e 2010, em comparação com os oito anos anteriores. No mesmo período, as chamadas transferências correntes - formadas quase na totalidade por verbas da União - subiram bem menos, cerca de 55%, ou seja, no bolo total da receita, os repasses federais perderam peso. Apesar da melhora, ainda há nove unidades da Federação que arrecadam menos com impostos próprios - principalmente ICMS e IPVA - do que recebem em transferências. Até 2002, eram 11 Estados nessa situação. São Paulo lidera o ranking da “independência” em relação ao governo federal - para cada real recebido como transferência, o governo local arrecadou mais de oito, em média, entre 2003 e 2010. Mas o Estado está em último lugar na lista dos que mais aumentaram a arrecadação, 11 unidades da Federação mais do que dobraram suas receitas próprias, em termos reais (descontada a variação da inflação). Dos cinco com melhor desempenho, quatro são nortistas (além do Acre, Amapá, Roraima e Rondônia) e um do Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul)." Reportagem do Jornal o Estado de São Paulo em reportagem de Daniel Bramatti, publicada no dia 20.08.2011.

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por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal passou-se a exigir o controle rigoroso dos gastos públicos, o que gerou mudanças no obsoleto modelo brasileiro de gestão pública.

Na década de 1990, em nome da estabilidade econômica do País, houve uma intensa ofensiva contra os abusos cometidos na gestão estadual. Assim, governos que se utilizavam das finanças estaduais para fins eleitoreiros passaram a sofrer os rigores da legislação.

Com efeito, o Brasil ainda enfrenta sérios problemas de corrupção e gestão pública temerária. Aliás, o País tem intensificado o combate àquela corrupção oriunda das relações do governo federal com sua base de apoio no Congresso Nacional. Corrupção esta que surge a pretexto de se garantir a governabilidade. Neste cenário a reforma política apresenta-se como mais um instrumento que se propõe a aperfeiçoar o constitucionalismo pátrio.

No período republicano, problemas de caixa sempre levaram prefeitos e governadores a se socorrerem do governo federal para remediar o descompasso nas contas públicas, alimentando um processo nocivo à autonomia estadual.

Um grande número de Estados brasileiros, principalmente os das regiões Nordeste e Norte, tem sua economia atrelada aos recursos repassados pela União, caracterizando uma situação de insuficiência financeira que tem levado ao endividamento público, diante da necessidade de se buscar recursos para custeio e investimento.

O Congresso Nacional tem se omitido no que se refere à regulamentação de alguns dispositivos, da Carta de 1988, fundamentais à superação das disparidades regionais, dentre os quais podemos citar o art. 43 que versa sobre as condições para integração de regiões em desenvolvimento e o art. 163, VII, que define a forma de atuação das instituições oficiais de crédito.

A ação legislativa é um meio indutor de desenvolvimento. Assim, reiteramos que a Constituição Estadual poderá oferecer sua contribuição como ferramenta para promoção do desenvolvimento regional, a depender evidentemente da forma de sua utilização por cada Estado. Num tempo em que a globalização econômica impacta as bases do Estado nacional é que a valorização de instituições regionais e locais

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poderá operar em favor da preservação do próprio sentimento nacional e de coesão federativa.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 101-107)