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Repartição de competências e Constituição Estadual

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 90-95)

CAPÍTULO 5 A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual

da subsidiariedade, 5.4. As relações federativas e a Constituição de 1988; 5.5. Constituição Estadual, Constituição da União e Constituição Total; 5.6. A reprodução da Lex Mater na Constituição Estadual.

5.1. Repartição de competências e Constituição Estadual

A força da Constituição Estadual depende do modelo de repartição de competências adotado pela Lei Maior. Deste modo, a autonomia dos Estados- membros é um reflexo das disposições contidas na Constituição Federal.

A Constituição Estadual deriva da Lei Maior que lhe fixa as bases sobre as quais os Estados poderão edificar seu Ordenamento Jurídico com maior ou menor liberdade, a depender dos limites impostos à atuação do Constituinte Decorrente, bem como de sua disposição em fazer o melhor dentro do espaço que lhe fora conferido.

As atuais Constituições Estaduais são promulgadas, escritas, dogmáticas, formais, rígidas e analíticas,189 quanto ao conteúdo elas são formais e devem dispor sobre matérias de interesse dos Estados-membros e seus Municípios.

Enquanto a Assembleia Nacional Constituinte instalada no início de 1987 dispôs de aproximadamente dois anos para preparar a Constituição Federal, às Assembleias Legislativas concedeu-se um prazo máximo de um ano para a feitura das Constituições Estaduais, conforme o art. 11 do ADCT.

O exíguo prazo determinado pela Constituição Cidadã, para realização dos trabalhos, cooperou para a produção de Constituições Estaduais recheadas de

189 “Os Estados-membros de uma federação nunca teriam as suas atribuições garantidas se elas não

fossem prefixadas por uma constituição rígida. Reputamos esse elemento de grande relevo para se caracterizar um Estado federal, pois, sem esse meio asseguratório das suas atividades, os Estados federados se transformariam, naturalmente, em circunscrições tuteladas, sujeitas ao livre alvedrio do governo federal.” MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit., p. 52.

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normas copiadas da Constituição Federal. Neste caso a falta de criatividade aliou-se à omissão do Poder Decorrente em flagrante contraste, por exemplo, com a atuação do Poder Decorrente no âmbito da Constituição de 1891, ocasião em que as Cartas Estaduais apresentaram-se dinâmicas, apesar de alguns exageros, como resultado da autonomia atribuída aos Estados-membros pela Lei Maior.

Assim as Constituições Estaduais não devem existir apenas para serem reprodutoras de normas advindas da Lei Maior. Elas representam mesmo um instrumento para disciplina das relações jurídicas estaduais, uma ferramenta valiosa com vistas à construção de bases normativas favoráveis ao desenvolvimento regional em face de oportunidades econômicas domésticas e daquelas oriundas da globalização econômica.

Com efeito, o princípio da prevalência do interesse deverá nortear a repartição das competências legislativas e materiais no âmbito da Lei Maior. É certo que o exercício das competências administrativas deverá ter lastro na Lei orçamentária anual.

As demandas por serviços públicos se manifestam majoritariamente no plano local e regional, onde se afigura imprescindível a atuação dos Municípios e dos Estados-membros. As atribuições administrativas, por si mesmas, não fortalecem a autonomia dos entes que as detém, e sem o devido lastro financeiro para supri-las, o que haverá mesmo é o enfraquecimento da autonomia de tais entes.

Charles Durand,190 a partir da análise do Federalismo praticado em alguns Países, chamou atenção para o indevido esvaziamento das Constituições Estaduais, pelo fato da Constituição Federal negar aos Estados-membros poder de decisão sobre assuntos de seu interesse e pormenorizar atividades que deveriam ficar a cargo do Direito Estadual.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho191 também tratou do assunto, nos seguintes

termos:

190 DURAND, Charles. “El Estado federal en el derecho positivo”, El Federalismo. Madrid, Tecnos S/A.

1965, p. 192.

191 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica

Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, p.46.

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“A referência a “princípios”, no eu tange à auto-organização, é, por outro lado enganosa. A Constituição brasileira pré-ordena pormenorizadamente a organização dos Estados, como o faz relativamente ao Distrito Federal e aos Municípios. Ela o faz, ora indiretamente, prescrevendo que determinadas normas por ela fixadas para a União se apliquem a outros entes (p. ex. art.75 – sobre a prestação de contas), ou estipulando princípios propriamente ditos a serem observados (art.34, VII), ora direta e frontalmente regendo ela própria a estruturação de tais entes. É o que decorre, por exemplo, dos art. 27 (relativo à composição da Assembléia Legislativa) e 28 (referente ao mandato e à eleição de Governador e Vice- Governador) para os Estados (afora os princípios propriamente ditos enumerados no art. 37, VII), do art. 29 para os Municípios, do art. 32 para o Distrito Federal, sem se falar do art. 37 que se rege a administração pública de toda a espécie em todos os entes federativos. A auto-organização, portanto, é mais aparente do que real.”

Ferreira Filho192esclarece ainda que no âmbito da Constituição de 1988 a

proposta em favor da superação da permanente centralização de poderes na esfera da União, na prática não se efetivou.

“Em resumo, a evolução do federalismo no período anterior à Constituição atual pode ser resumida numa constante concentração do poder em favor da União. Embora na Constituinte de 1987/1988 se apregoasse como meta uma reação a esta concentração, tal não se concretizou, nem na realidade política, nem na estrutura jurídica. O Brasil tem um federalismo fortemente centralizado centrípeto.”

Raul Machado Horta193 destaca que na Federação é fundamental que se conceda espaço de atuação para cada um dos entes federados. Desta forma, os Estados precisam fazer valer sua autonomia no âmbito regional. Anna Ferraz194 ressalta que além de um espaço de atuação, tais entes deverão ter governo, legislação, organização e administração próprios.

O exercício da autonomia estadual resvala em determinações previamente estabelecidas das quais a Constituição Estadual não pode fugir, e isto ocorre em benefício da própria unidade do sistema federativo. Desta forma, a soberania popular, alicerce do pacto federativo, prevalece sobre a autonomia dos entes

192 Ibdem, p. 45.

193

MACHADO HORTA, Raul. Op. Cit., p.13.

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federados, instrumento que lhes permite estabelecer seu próprio governo, administração e normas.195 Portanto, o problema não reside na limitação do Poder Decorrente, mas sim no rigor de tal cerceamento.

Existe no Brasil uma forte crise gerada por excessivos poderes concedidos pela Carta de 1988 à União, em detrimento de um espaço que também deveria ser ocupado pelos Estados-membros. O resultado disto é a desqualificação da representação popular no plano estadual.

“O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via de uma descentralização por regiões ou por províncias, conseguem um nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Continuamos, pois, sob uma Constituição eminentemente centralizadora, e se alguma diferença existe relativamente à anterior é no sentido de que esse mal (para aqueles que entendem ser um mal) se agravou sensivelmente.” 196

Aliás, vale lembrar que na Democracia a repartição harmoniosa de competências entre os entes federativos é considerada como uma das características essenciais do Federalismo.197 O Legislativo realiza a vontade popular

através da Democracia indireta. Desta forma, quando assuntos que também interessam aos Estados-membros são remetidos privativamente ao plano federal, certamente a vontade popular no âmbito estadual não poderá manifestar-se pela Assembleia Legislativa.

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Sobre a matéria vale consultar: CLÉVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 62-63; SILVA, José Afonso. O estado-membro na constituição federal; RDP, 16/15.

196 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 27. Ed.Op. Cit., p. 293, 294. 197

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Alexandre de Moraes198 ressalta que a centralização do poder, favorável a certo ente federado, é determinada pela Lei Maior de acordo com a soberana vontade do Poder Constituinte Originário.

A questão é que algumas matérias não se enquadram apenas no interesse especifico de um dos entes federados, e é justamente neste espaço que se impõe a atuação concorrente da União, Estados e Distrito Federal. Aliás, na esteira de tal competência concorrente é que os Municípios poderão atuar no exercício de sua competência suplementar. 199

Assim é razoável que a determinação das competências seja pautada em critérios relacionados aos interesses de cada uma das coletividades.200 Nesta linha,

na esfera regional a atuação dos Estados-membros deverá prevalecer. 201

Deste modo, o acúmulo de temas de interesse de todos os entes no âmbito da União, dando-lhe competência privativa para sobre eles legislar, é mesmo operar em desfavor do equilíbrio federativo. Neste caso, a competência concorrente é aquela que melhor atenderia às pretensões dos entes federados em face da intersecção de interesses legislativos.

Em nome da adequada representação das populações estaduais, é preciso reafirmar o compromisso federativo com a distribuição equilibrada de competências legislativas entre os entes federados com reflexos sobre as Constituições Estaduais. Neste sentido, é constrangedor verificar que a Constituição Cidadã não alterou significativamente a centralização patrocinada pela Carta ditatorial de 1967.

198

MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op.cit., p. 20.

199

Cf. art. 30, II da CF/88.

200

“A distribuição das competências é o problema nuclear do federalismo, sinalizando a opção constituinte por mais ou menos centralização política, por mais ou menos aderência aos modelos e princípios assentes de Estado federal.” NETO LOBO, Paulo Luiz. Op. Cit., p.02.

201

Este é também o entendimento de Alexandre de Moraes: “Não poucas vezes, a aplicação do princípio da predominância do interesse é esquecida no Brasil, em detrimento dos Estados-membros e, em benefício da centralização na União.” MORAES, Alexandre de. Federação Brasileira — Necessidade de Fortalecimento das Competências dos Estados-Membros. Op. Cit., p. 21.

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