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Autonomia, desenvolvimento e integração

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO-SP (páginas 72-77)

CAPÍTULO 3 A AUTONOMIA DOS ESTADOS-MEMBROS NO BRASIL

3.3. Autonomia, desenvolvimento e integração

Pela atuação do Constituinte de 1988 depreende-se que os Estados-membros ainda não se achavam devidamente preparados para o exercício pleno de sua própria autonomia.

“O que se dizia, no passado, é que as autonomias locais, Prefeitos e Vereadores, e também as autoridades regionais, Governadores ou Assembleias Legislativas, estariam utilizando mal sua autonomia e fixando valores remuneratórios absurdos pelos respectivos servidores. Em nenhum momento da discussão sobre o assunto se cogitou do enfraquecimento da autonomia dessas entidades, em matéria fortemente

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relacionada à arrecadação e à capacidade econômica de cada uma delas, como decorrência da instituição do teto remuneratório.” 154

Lamentavelmente, problemas estruturais têm recebido soluções paliativas, em flagrante desprestígio à autonomia estadual, sem que se conceda aos Estados maiores possibilidades de atuação. Além da reforma tributária, o incremento das competências concorrentes a partir de algumas competências privativas atribuídas atualmente à União, certamente operariam em favor da superação das desigualdades regionais.

A insistência na manutenção e preservação do atual modelo federativo, inadequado à realidade brasileira do Século XXI, tem produzido graves desdobramentos políticos, sociais e econômicos, prejudiciais à almejada instituição de uma forma de Estado verdadeiramente cooperativa.

Existem dificuldades na efetivação de vários dispositivos da Constituição de 1988 (art.3º, III; art.21, IX; art.25, §3º; art.43, § 2º, III; art.151, I; art.159, I, a, b, c; art.163, VII; art.165, § 7º; art.170, VII, art.174, §1º) que favoreceriam o ideal cooperativo em prol do desenvolvimento regional em temas tais como: Mecanismos de transferências constitucionais, incentivos fiscais federais, instrumento de planejamento regional, competência para planejamento regional, dentre outros.

A necessidade de execução compartilhada de serviços públicos exige a criação de regulamentos pelos quais se estabeleçam condições para a cooperação federativa na prestação de tais serviços públicos.155

154 RAMOS, Elival da Silva. As novas fronteiras do federalismo – Organização Mônica Herman Caggiano (e) Nina Ranieri. O federalismo no Brasil – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 172.

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“(...) Dessa forma, a União, os Estados-Membros e os Municípios devem cooperar e desenvolver atividades conjuntas para atender melhor a população em suas necessidades. Infelizmente, a ausência de regras precisas sobre como o relacionamento entre as três esferas de governo deve ocorrer, parece fazer surgir um vazio na atuação dos entes federativos, pois falta uma regulamentação clara de quem cuidará de algumas questões sociais, já que a norma constitucional, prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição, ainda carece de regulamentação: "Leis complementares fixarão normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional”. Este vazio pode ser suprido, pela descentralização das ações e desde que haja participação de todos os entes interessados na implantação de determinada política, de maneira coordenada e cooperativa.” TAVARES, Alessandra Schettino. O federalismo cooperativo no Brasil [manuscrito]: o perfil do Estado brasileiro segundo a Constituição Federal de 1988 / Biblioteca digital da Câmara dos Deputados, Brasília-DF, 2009, p.38.

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O Federalismo cooperativo no plano constitucional poderá se efetivar independentemente de regulamentação, como ocorre com a repartição das receitas tributárias. 156

A cooperação na execução comum de serviços é fundamental, mas exige articulação e boa vontade dos entes envolvidos, o que pressupõe um ambiente de harmonia federativa. Portanto, quanto mais tensas as relações federativas se apresentarem, mais difícil será obter consenso para colaboração recíproca na prestação de serviços públicos.

Outro tema importante no tabuleiro federativo é a possibilidade de participação dos Estados-membros nas relações internacionais em favor da defesa de seus interesses.

Em verdade, o fortalecimento da autonomia estadual e o aperfeiçoamento da ordem jurídica (federal e estadual) mostram-se fundamentais diante das possibilidades oriundas da globalização e da integração econômica (internacional e doméstica).

No plano internacional a autonomia estadual não se sustenta. Deste modo, a soberania apresenta-se como atributo que caracteriza apenas a união e que compreende nela própria a autonomia, fração do poder soberano concedido pela Lei Maior aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.157

As relações federativas no Brasil não se mostram afetadas pela interface entre soberania (união) e autonomia (entes federados), mas sim pelo trato entre autonomias, vale dizer, entre a autonomia da União, forte, e a autonomia dos entes subnacionais, enfraquecida.

A relação entre autonomia e soberania é mesmo de subordinação, lógica esta que não deveria prevalecer entre autonomias. Deste modo, da relação entre os

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Neste sentido é que Alessandra Schettino Tavares afirma acertadamente que: “O federalismo cooperativo de viés democrático se propõe exatamente a minimizar estes desvios, por meio da elaboração e da implantação descentralizada das políticas, buscando a participação coordenada e cooperativa de todos os entes federados interessados. Assim, o planejamento geral, que requer uma visão global do todo, compete à União e a implantação das políticas fica a cargo do membro federado, com o apoio técnico, administrativo e financeiro dos outros entes.” Ibdem, p. 37.

157 “A soberania, já o dissemos, também é um poder de auto-determinação. A sua distinção de

autonomia consiste, justamente, em não ter o seu campo de ação diretamente determinado por outrem.” MELLO, Oswaldo Bandeira. Op. Cit., p. 96.

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entes federados é normal que se espere cooperação e coordenação, todavia quando daí decorre subordinação, é porque algo não vai bem.

Em regiões de fronteira afloram oportunidades que exigem celeridade na celebração de acordos econômicos.158A Constituição de 1988 não permite a atuação

direta dos Estados-membros no plano internacional. O Direito Internacional permite que apenas Países e organismos internacionais celebrem tratados internacionais.

Em verdade, o que se pretende aqui não é a concessão de competência para os Estados-membros produzirem tratados internacionais, mas o incremento das condições pelas quais se possibilite sua atuação plenipotenciária no âmbito das relações internacionais em prol da defesa de seus interesses quando se apresente plausível a hipótese de realização de acordos com outros Países, cuja repercussão seja notadamente regional.

Note-se que aqui estamos a falar de acordos feitos entre Países, cujo interesse regional possibilitaria sua feitura pelos Estados-membros a partir de autorização emanada pelo Estado nacional.

“No tocante à política externa e à integração regional, agrega-se a esse cenário um outro elemento desconsiderado até o momento: os Estados subnacionais (não são considerados pelo direito internacional público como atores válidos desse sistema. Portanto, sua participação deve ser realizada por meio das instituições federais competentes.” 159

A respeito do modo como alguns Países lidavam no Século XX com a possibilidade de atuação dos Estados-membros na esfera internacional, assim manifestou-se Willoughby: 160

“É permitido aos Estados-membros terem intercâmbio com os Estados estrangeiros e mesmo elaborarem tratados com eles no que diz respeito a certos interesses locais. Porém, em caso algum, é permitido aos Estados- membros terem relações diretas com os Estados estrangeiros nos assuntos de importância política geral. Os Estados federais, todavia, respondem

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O acordo é uma espécie de tratado internacional. “(...) Comumente emprega-se a expressão para designar tratados de natureza econômica, financeira, comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, projetos de desarmamento, questões sobre fronteiras, arbitramento, etc.”. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 121.

159 MARIANO, Marcelo Passini e MARIANO, Kariana I. P. As teorias de integração regional e os

estados subnacionais. Impulso nº 31, 2002, p. 49.

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WILLOUGHBY, Westel W. The fundamental concepts of public Law, New York, 1931, p. 215. Apud MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Op.cit. PP. 84, 85.

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perante os Estados estrangeiros, por todos os atos praticados pelos Estados-membros, que infrinjam o direito internacional ou as obrigações provenientes dos tratados quer os tenham realizados em virtude de uma autorização ou nos limites das suas competências.”

Destarte, é preciso desembaraçar ao máximo o exercício da atuação plenipotenciária161 dos Estados-membros, através da carta de plenos poderes, com vistas à celebração de acordos internacionais em temas de interesse estadual sob a supervisão da União, o que certamente impulsionaria o desenvolvimento regional.162

Nesta toada, a integração econômica internacional163 exige do Brasil uma

reforma legislativa a fim de tornar a economia nacional mais competitiva, pela eliminação de gargalos fiscais e problemas de infraestrutura que encarecem nossos produtos em comparação com os de outros Países.164

161 “Os representantes dos Estados ou Organizações Internacionais apresentam-se às negociações

munidos de uma carta de plenos poderes. A carta de plenos poderes é o documento pelo qual o

Estado ou Organização Internacional concede poderes de representação ao chefe da missão diplomática para uma determinada negociação. Tal documento está na origem do próprio termo

diplomacia, que vem do grego di ploûm, ou diploma, que significa dobrado em dois, representando o documento que os representantes dos Estados portavam indicando seus poderes. Era um documento em pergaminho, encadernado, elaborado com esmero, de modo a apresentar certa solenidade.” VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.

162 “No caso brasileiro, a competência do Chefe do Poder Executivo para celebração de tratados é

privativa, o que permite que haja delegação, por sinal, muito comum nos atos internacionais, uma vez que o Presidente da República tem outras funções além de celebrar tratados. A Constituição brasileira de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (art. 84, inc. VII). Essa competência normalmente é delegada aos Ministros das Relações Exteriores (Ministros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos Estrangeiros) ou aos Chefes de Missão Diplomática. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou credenciado pelo país estrangeiro, pode ser agente plenipotenciário. (...)” MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op. Cit., p. 129.

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“(...) Os governos subnacionais são muito vulneráveis nos processos de integração regional porque não possuem poder decisório direto para lidar com seus efeitos. Quando um Estado subnacional é prejudicado por uma política adotada no Mercosul, por exemplo, ele tem de se reportar à estrutura do governo federal para conseguir alguma compensação ou adaptar-se para minimizar suas perdas, o que nem sempre é viável. Uma forma de enfrentar essa tendência é a criação de mecanismos decisórios ou de estruturas capazes de representar os interesses subnacionais e de influir tanto no interior do Estado nacional quanto no âmbito da integração regional. Um exemplo disso seria a última reforma constitucional argentina, que permitiu às províncias negociarem acordos internacionais desde que não entrem em contradição com os compromissos assumidos pelo Estado nacional, ou então o caso do Estado de Otawa, Canadá, que tem ascendido enquanto ator internacional principalmente devido à sua importância econômica, comercial e tecnológica para o país.” Marcelo Passini MARIANO e Kariana I. P. MARIANO. Op. Cit., p. 65/66.

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MARTINS FILHO, Luiz Dias. O federalismo fiscal brasileiro sob a ótica da integração econômica internacional. Cad. Fin. Públ., Brasília, n.8, p. 41-100, dez.2007, p.63.

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