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A RESPONSABILIDADE POLÍTICA E PESSOAL NA ADMINISTRAÇÃO

A sujeição da Administração à lei, para que seja efetivada, precisará, necessariamente, de uma garantia eficaz329. Assim é que o pacto de desempenho da gestão, como instrumento do dever de pactuação do desempenho da Administração Pública, funciona como garantia do direito fundamental à boa administração pública, vez que viabiliza a exigibilidade sobre os compromissos firmados em sede de controle judicial.

Ademais, é o sobre o pacto de gestão que se pode reportar parte considerável da prestação de contas da gestão de um agente público investido em cargo de direção ou chefia de órgão ou unidade adminisrtativa.

A Declaração de Direitos de 1789, em seu artigo 15, estabeleceu, em conformidade com o que fora declarado no Bills of Rights dos primeiros Estados norte-americanos, o princípio da responsabilidade política e pessoal de todos aqueles que exercessem um poder político. Assim reza o artigo: A sociedade tem o direito de exigir a prestação de contas por parte de todo agente público integrante de sua administração. Assim é que em seu ponto de vista:

Responder politicamente significa, para um agente público, uma prestação de contas de seus atos de exercício do poder perante o povo, do qual os agentes são mandatários. A justificação, pois, de tais atos há de ser, em primeiro lugar, uma de legalidade, segundo aquilo já exposto, de modo que, no caso de figurarem como ilegais, esses atos sejam, necessariamente, retirados ou eliminados, dado que a situação implica cegar a sua única fonte de legitimidade330.

Historicamente, essa responsabilidade integra toda sociedade democrática e está historicamente assentada na Declaração de Direitos de 1789, a qual deixou especialmente visível que os titulares de qualquer função pública não podem ser proprietários destas (como era usual na última fase do absolutismo: no sistema de estamentalização das funções, período da história política em que a função pública, nas palavras do autor, era transformada em propriedades privadas dos seus titulares, os quais podiam transmiti-las por herança e, inclusive, aliená-las livremente). Os agentes públicos são trustees ou mandatários da comunidade, e, por isso, essencialmente revocáveis e de modo algum donos de sua função, entendimento que faz surgir o sistema de controle de seus atos331.

329 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. As transformações da justiça administrativa: da sindicabilidade restrita à plenitude jurisdicional. Uma mudança de paradigma? Belo Horizonte: Editora Forum, 2010.p. 11 et seq. 330 Ibidem., loc. cit.

O dever de prestação de contas ganha nova qualidade com o neoconstitucionalismo e com a compreensão da legalidade como juridicidade, a comportar, portanto, instrumentos e garantias que propiciem o controle judicial material dos atos e decisões da Administração Pública. O que corresponde à melhor noção de política, definida em Vallès:

[...] una práctica o actividad colectiva, que los miembros de una comunidad llevan a cabo. La finalidad de esta actividad es regular conflictos entre grupos. Y su resultado es la adopción de decisiones que obligan – por la fuerza, si es preciso – a los miembros de la comunidad.

[...]

El punto de partida de nuestro concepto de política es la existencia de conflictos sociales y de los intentos para sofocarlos o para regularlos332.

O cientista político demonstra a função da política por meio do seguinte esquema:

Necessidade de Convivência e Sociabilidade ↔ Diferenças e desigualdades sociais

↓ ↓

Riscos de conflitos ↓

Incertezas sobre o futuro ↓

Busca de Segurança ↓

Política

Pode-se concluir, por exemplo, que os agentes públicos em cargos de direção, chefia e assessoramento, e, também, os agentes políticos não eletivos tem como tarefa contribuir na Administração Pública para a gestão política de conflitos no órgão. A confiança que é implícita em suas nomeações é de ser entendida como confiança política em conduzir a gestão em acordo com o programa de governo eleito pela população.

A respeito da relação da política com o poder, preleciona Vallès:

Hemos descrito la política como gestíon del conflicto social por medio de decisiones vinculantes. Hay, pues, un componente de obligación o de imposición en la acción política, que nos lleva de manera natural a cierta idea de poder.

[..]

Cuando se interpreta el poder como un recurso se tiende a percibirlo como una cosa que se tiene o se posee: el poder político está en manos de tal grupo o tal persona. Por tanto, la cuestión importante en política es cómo apoderarse del poder [..] 333

332 VALLÈS, Josep M. Ciencia Política.Una introducción. 4ª ed., Barcelona: Editora Ariel, 2004. p.18. 333 VALLÈS, op. cit., p. 31.

Na Ciência Política a noção de poder mais adotada toma-a como sendo a capacidade de fazer (submeter ou persuadir) os outros a fazer coisas (ou aceitar situações) que, de outra maneira, não fariam ou aceitariam, sendo, sempre, uma relação entre pessoas334:

Se podría definir el “poder” como la mayor o menor capacidad unilateral (real o percebida) o potencial de producir cambios significativos, habitualmente sobre las vidas de otras personas, a través de las acciones realizadas por uno mismo o por otros. Pero por otra parte, al decir de Paulo Freire, el poder debe alojarse en la cabeza del dominado y llevarle a considerar como natural lo que desde el nacimiento se le está imponiendo.

A política, por sua vez, também é um sistema de princípios, normas e juízos de valor:

En particular he propuesto una lógica para a política que tiene la noción de poder como centro, así como em derecho se tiene la noción de obligatorio.

Cualquier política comporta uma referência a um sistema de princípios – normas y juicios de valor com respecto a estados sociales alternativos – ordenados jerárquicamente. Se puede sostener que la racionalidad de un sistema de políticas consiste en la coherencia de tales principios, como un continuum que va desde una forma débil (principio de no contradictión) hasta una forma fuerte (principio de transitividad)335. (MARTINO, 2011, p. 56)

Tem-se, também, a classificação do poder político como (i) recurso e (ii) como situação.

En síntesis, puede decirse que la primera visión – el poder como recurso o como sustancia – subtraya el elemento de imposición que va anejo a toda idea de poder. El poder como recurso o como sustancia – subraya el elemento de imposición que va anejo a toda idea de poder. El poder se identifica especialmente con la capacidad de imponer límites y privaciones a la capacidad de decisión de los demás, obligándoles a conductas no queridas por ellos. Em cambio, la segunda visión – el poder como resultado de una situación – descubre la relación de poder en el intercambio o la cominicación que mantienen diversos actores, sin perder de vista que la aceptación de unos acompaña siempre a la imposición de otros. En realidad, este contraste entre los dos conceptos de poder no es tan claro [...]. Recursos e situación están relacionados. [...] es el control de determinados recursos o capacidades el que sitúa a algunos actores en situaciones estratégicamente más ventajosas que a otros y les confiere más poder [...]336

As relações entre poder e política são suficientes para compreender que o pacto de

334 MARTINO, Antonio A. Poder: Técnica (Jurídica) Y Substancia Del Derecho. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (org.). Direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 57. 335 Ibidem, p. 56.

demonstração de desempenho nos órgãos públicos ingressa como instrumento potencialmente promotor da comunicação entre diversos atores promovendo o fenômeno da aceitação e da sujeição recíprocas.

Esta dinâmica oferta maior efetividade ao princípio democrático porque envolve os servidores desde a construção até a avaliação do desempenho obtido, e a sociedade passa a ter elementos informacionais de maior qualidade para influenciar as decisões de alternância nos espaços de ascensão, como de buscar o controle judicial. A prestação de contas, enfim, poderá ser um ato para além de demonstrações de controle contábil e de formalidades procedimentais.

Uma ilustração: se um servidor ocupante de cargo de provimento comissionado, no ato da exoneração, tiver o dever de, com transparência, demonstrar o desempenho alcançado pelo órgão durante o exercício de sua chefia ou direção. O sucessor, uma vez exonerado, terá que fazer o mesmo e, com isso, a população poderá avaliar com objetividade o desempenho do antecessor com relação ao sucessor.

A sociedade democrática é aquela em que “os indivíduos são confrontados com decisões pessoais, nas quais, diferentemente das sociedades tribais ou fechadas, seus membros concorrem uns com os para obter ascensão social” e já sob este elementar princípio da ascensão de uns sobre outros, é possível reconhecer a contribuição que poderão oferecer os pactos de gestão na Administração Pública como um dever constitucional invés de uma escolha livre de governo337. O pacto de gestão é um instrumento que servirá ao raciocínio complexo, facilitando à sociedade a reclamação do direito à boa administração, inclusive, abrindo a porta para reivindicar a permanência ou a exoneração de agente público ocupante de cargo de direção ou chefia.

Vê-se que política e direito tem tarefas em comum: evitar as incertezas nas gerações futuras e promover a segurança social. O dever de pactuar o desempenho da Administração Pública promove, enfim, o equilíbrio necessário entre direito e política no contexto da discricionariedade exercida nas escolhas da Administração Pública.