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BREVES NOÇÕES: DO ESTADO MODERNO AO CONTEMPORÂNEO

assume a função de fonte primordial de criação do direito sendo, por isso, que nos importa obter noções sobre a relação direito/Estado.

O Estado é a mais importante das instituições sociais, por ser a que exerce maior capacidade de comando, a que aplica de forma mais vigorosa a coercitividade e a única em condições de submeter todas as demais instituições, e todos os grupos sociais organizados, as suas normas, ainda que, comparando-o às outras instituições de controle social (a família, a religião, os partidos políticos, os costumes, por exemplo), seja o que mantenha menor grau de vínculo psicossocial com a pessoa humana 66.

Existem sociedades pré-estatais, porém não há consenso sobre a existência de tipos de Estado premodernos. Para a corrente de pensadores que compreendem o caráter progressista do Estado, o Estado moderno é um fenômeno que não exclui outros tipos de Estado que se antecederam à modernidade, de modo que reconhecem a existência de Estado na Idade Antiga, por exemplo. Para a corrente marxista, o Estado somente surge quando o desenvolvimento econômico conduz à divisão da sociedade em classes sociais distintas e hostis, de modo que o Estado surge como expressão da dominação da burguesia.

O Estado moderno surge como um processo gradual de concentração em um soberano dos meios de dominação política, tais a produção das leis, o julgamento, a imposição de impostos, a manutenção de exércitos e as relações com outras sociedades, os quais nas formas pré-estatais eram exercidos pelos agentes diversos – hierarquias eclesiásticas, senhores feudais, corporações de ofício, dentre outras67.

O processo de concentração do poder em um soberano deu origem, inicialmente, ao Estado estamental (que se forma no declínio da Idade Média) e ao Estado absolutista (que predomina entre os séculos XVI e XVIII). Teoricamente, Maquiavel utilizou a expressão status

rei publicae como sociedade política, generalizando seu uso para designar qualquer forma de

organização política; e os pensadores medievais cunharam a palavra status para designar o

66FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 2ª ed., vol. I. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1968. p. 13.

patrimônio, os privilégios e as condições que desfrutavam o rei e outros grupos dominantes nas monarquias patrimoniais e estamentais68.

Vallès observa que foi o território atualmente conhecido como Países Baixos (Holanda) que, na conquista da independência, ao inaugurar los Estados de las Provincias Unidas como uma organização política formada por um governo de uma assembleia representativa firma o “modelo” que será gradualmente espalhado em toda a Europa a partir do século XVII e que, absolutamente aprimorado, será popularizado pelos Estados Unidos da América no século XVIII.

Um dos principais aspectos do Estado é o poder estatal. Primeiramente, portanto, buscamos uma definição para poder. O poder enquanto fenômeno social é uma manifestação independentemente do Estado, ou seja, pode existir poder político fora da instituição Estado. André Hauriou69 define o poder como uma energia de vontade que se manifesta em quem assume o governo de um grupo humano com a permissão de impor-se pelo uso da força e da competência, sendo que a função da força declina na medida em que os governados ao consentirem à vontade do governante convertem-na em lei. Hauriou distingue poder de dominação e poder de competência; o primeiro se mantém por meio das sanções aos que violam a vontade do governante (ou a lei), o segundo acontece com o governante buscando as soluções para os problemas ou conflitos do agrupamento humano.

O poder do Estado moderno, segundo Hauriou, é um poder político, civil e temporal. Político, porque destinado a resolver conflitos sociais, separando o patrimônio e o interesse do Estado do patrimônio e interesse privados. Civil, porque as forças armadas ficam submetidas ao Estado. Temporal, porque não advém do poder divino e separa os interesses do Estado dos interesses da religião.

Do aprofundamento da institucionalização do poder soberano e da premência de construir a unidade territorial da sociedade em torno de um Estado parte-se do absolutismo monárquico para a constituição do Estado nacional, processo do qual surge o direito constitucional clássico, que, conforme elucida Hauriou, se traduz no começo da busca do equilíbrio sociopolítico (participação popular e alternância no poder) e do equilíbrio entre as instituições. O Constitucionalismo clássico foi um fenômeno decorrente da revolução francesa de 1789 e da independência americana de 1776, cuja marca é a proteção dos direitos individuais

68 VALLÈS, op. cit., p. 129

69 HAURIOU, André. Derecho Constitucional e Instituciones Políticas. 4ª ed. Barcelona: Ediciones Ariel, 1971. p. 124 et seq.

e a divisão das funções estatais70.

O Estado nacional é resultado de um processo de institucionalização do poder, o qual passa a ser justificado pelas instituições do Estado e do direito. A institucionalização do poder, como descreve Burdeau, caracteriza todo o exercício do poder atribuído aos órgãos e exercido pelos agentes estatais:

L’Etat est formé lorsque le Pouvoir a son siège non plus dans un homme, mais dans une institution. Ce résultat est acquis à la suite d’une operation juridique que j’appelle l’institutionnalisation du Pouvoir. […] L’Etat est une forme du Pouvoir…[…] L’Etat ne cessera pas d’être animé par l’énergie d’une idée de droit qui cherche à se réaliser, et si la lourde masse dês services publics tend à faire croire à l’anonymat du Pouvoir, il ne faut pás se laisser prendre à cette apparence superficielle: l’existence de l’Etat ne supplée pás l’intelligence des chefs, la minutie des réglementations ne remplance pás l’autorité spirituelle d’une volonté commandante, l’indifférence ou l’aparthie dês gouvernés ne peut pas être compensée par la rigide armature des institutions71.

O Estado como sociedade política juridicamente organizada em território, soberania e governo, de acordo com os elementos, postulados e estruturas do Estado moderno europeu, popularizou-se com a criação dos Estados Unidos da América, no final do século XVIII, e o desenvolvimento do direito público europeu, na primeira metade do século XIX72. Assim, a partir do final do século XIX, o Estado pode ser definido como “una agrupación humana, filada

en un territorio determinado y en la que existe un ordem social, político y jurídico orientado hacia el bien común, establecido y mantenido por una autoridad dotada de poderes de coerción.”73. É designado Estado Constitucional em função da separação entre os Estados que

tem uma constituição e os Estados que não tem uma constituição, e, ao ser fundamentado em uma ordem jurídico-constitucional, se organiza para ser democrático74.

O Estado Constitucional manifesta-se primordialmente como Estado de direito. O termo Estado de direito tem sua origem na doutrina alemã, sendo utilizado pela vez primeira por Robert von Mohl ao converter a doutrina da separação dos poderes, de Montesquieu, em

Rechsstaat, e que na tradição anglo-saxônica equivale ao que denominavam rule of law75.

70 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 97. 71 BURDEAU, George. Traité de science politique. 12ª ed., vol. I e II. PARIS: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1967. p. 145 et seq.

72 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. São Paulo: Manole, 2013. p.14.

73 HAURIOU, op.cit.,p. 114. 74 RANIERI, ob.cit.

75 CLÈVE, Clemérson Merlin e BARROSO, Luís Roberto (org.). Direito constitucional: teoria geral do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.p. 62 et seq.

Chevallier76 encontra as raízes histórico-jurídicas do Estado de direito nas seguintes experiências:

 Rule of Law inglês: princípio do devido processo legal, submissão dos atos do governante ao princípio da legalidade; sujeição dos atos do Executivo à fiscalização do Legislativo e princípio do acesso à Justiça e do contraditório;  Reign of Law estadudinense: supremacia da constituição; proteção

constitucional às liberdades públicas e aos direitos individuais; obrigação jurídico-constitucional de governar segundo as leis dotadas de unidade, publicidade, durabilidade e antecedência; controle de constitucionalidade das leis; direito ao julgamento conduzido por juízes representantes do povo;  L’État légal francês: ordem jurídica-hierárquica com superioridade para a

proteção dos direitos naturais da pessoa humana, princípio da primazia da lei (que terminou obtendo maior efetividade em detrimento do princípio de supremacia da constituição), a qual só pode ser produzida pelo Legislativo (princípio da reserva de lei), princípio da legalidade para os atos do Executivo, princípio da igualdade perante a lei, fim de privilégios no Estado;

 Rechtsstaat alemão: limitação do Estado em razão da autodeterminação da pessoa humana (Estado liberal de direito), função de proteção da ordem e da segurança públicas; a liberdade individual e a propriedade privada somente podem ser limitadas pelo Estado com fundamento em lei aprovada pelo Legislativo, princípio da reserva legal, princípio da legalidade dos atos administrativos, princípio da proibição do excesso, controle judicial da atividade administrativa e controle dos atos administrativos pela própria administração.

Heuschling77 distingue Estado de direito e Rule of Law como o primeiro sendo representante da tradição formal, e o segundo, da tradição consuetudinária; ambos, entretanto, destinados à proteção dos direitos da pessoa humana e das liberdades públicas. Assim, durante todo o século XIX, a dissensão se faz em torno da fonte do direito ser ou não admitida para além do Estado. A tradição formal, que na doutrina é acolhida pelo positivismo jurídico78,

76 CHEVALLIER, Jacques. O Estado de Direito. Tradução de Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo e Augusto Neves dal Pozzo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.

77 HEUSCHLING, Luc. Le développement de la théorie en Europe. In: Problèmes politiques et sociaux. L’Etat de droit., nº 898, mars 2004. Paris: La documentation Française, 2004.

78 Como explica Bobbio (O Positivismo jurídico..., 1995), o positivismo jurídico não tem a ver com o positivismo filosófico, é uma expressão que deriva da locução direito positivo (aquilo posto pela convenção das pessoas humanas) em contraposição a direito natural (aquilo que é por natureza).

prevaleceu, mas os britânicos, mesmo após o Human Rights Act, de 1998, não enfrentam o debate sobre a existência de uma evolução do Estado para a concepção de Estado de direito79.

Chevallier80 acentua que Rechtssaat é uma terminologia germânica sem correspondente em outras línguas e ampara-se, em sua origem, na filosofia kantiana e, no primeiro momento, na concepção jusnaturalista do Rule of Law (de pré-existência do direito natural). No segundo momento, o Rechtssaat adere ao positivismo jurídico firmando a teoria da autolimitação pela qual a fonte de todo o direito que limita o Estado está no próprio Estado. É da tradição do

Rechtssaat que advém os princípios da supremacia da lei e da reserva legal, sendo nula a

vontade do Estado que se manifesta por atos da administração pública fundamentados contra

legem sendo que a matéria que não estiver regulada em lei ficará sob o poder discricionário dos

agentes do Estado.

A solidez da cultura de proteção às liberdades públicas e aos direitos individuais e a tradição cultural alemã de aproximar teoria e prática, como identifica Chevallier, terminou por consolidar a função limitadora da ordem jurídica em relação ao poder estatal; o modelo alemão do Rechtssaat terminou por influenciar, marcadamente, o desenvolvimento do direito público administrativo.

O Estado legal corresponde ao que Ferrajoli81 denomina Estado de direito em sentido amplo ou fraco ou formal. Corresponde ao primeiro momento do Estado de direito francês, que submete todos os atos dos agentes estatais à burocrática observância da interpretação gramatical da lei, sendo que os atos do legislativo não eram submetidos ao controle da legalidade (princípio da supremacia do parlamento). Chevallier observa que a luta pelo Estado de direito francês foi, antes de qualquer outra, a luta pelo controle de constitucionalidade das leis. O sentido fraco do Estado de direito também aconteceu com o Rechtssaat, que adotou por um período um caráter de negação axiológica e finalística, mantendo-se exclusivamente em função de seu aspecto formal.

Sobre a relação Estado/direito pode-se, portanto, concluir: (i) para os positivistas jurídicos não há direito anterior e superior ao Estado, o qual é, com exclusividade, a fonte da criação do direito; a teoria da autolimitação confirma a soberania estatal vez que, como “criatura”, o Estado se limita por sua própria criação; (ii) tanto para os jusnaturalistas quanto

79 HEUSCHLING, op. cit., p.18. 80 CHEVALLIER, op.cit., p. 16 et seq.

81 FERRAJOLI, Luigi. O estado de direito entre o passado e o futuro. In: O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 417-464.

para os teóricos que veem o direito como fenômeno social, o direito é uma realidade distinta do Estado, sendo-lhe anterior e superior, e, por isso, o direito limita o poder exercido pelos agentes estatais. Finalmente, prevalece, a partir da segunda metade do século XX aos dias atuais, a concepção do Estado como entidade abstrata e coletiva diferenciada da realidade da sociedade civil e do direito.

Segundo Chevallier82, o Estado de direito se sustenta na seguinte tríade de concepções: a) Sobre as liberdades públicas: a pessoa humana tem primazia na ordem política e social, devendo o Estado garantir a realização dos direitos individuais; a pessoa é titular de direitos face ao Estado e dispõem dos meios para assegurar seus direitos, instrumentalizando, para tal, a hierarquia formal das normas. Há, no Estado de direito, como bem previram os alemães do primeiro momento do Rechtssaat, o aspecto formal e o substancial como “faces de uma mesma moeda”;

b) Sobre a democracia: é fundamento do Estado de direito a democracia representativa, pela qual a lei é expressão da vontade geral e é elaborada pelos representantes do povo, com o direito de votar e ser votado; diferenciando-se do Rule of Law, no Estado de direito surgem o controle de constitucionalidade e demais controles judiciais sobre os atos dos governantes e dos eleitos;

c) Sobre o papel do Estado: a ideologia da autorregulação da sociedade está subjacente no Estado de direito, a dispor que prevaleça a regra de não intervenção estatal na vida econômica e social; cabe ao Estado intervir apenas nas situações que ameacem a soberania e a ordem pública; o equilíbrio social é mais assegurado pela dinâmica das leis naturais que regem a vida econômica e social, e, por isso, o Estado de direito traz o princípio da livre iniciativa, sendo representado na noção de Estado mínimo. O Estado de direito, até o século XIX, protege os direitos fundamentais civis e políticos e as liberdades públicas, porém, trata-se de uma proteção formal, operada para ser expressão dos interesses da classe dominante, a burguesia, e submetida a agentes de estado que, na prática da administração, ainda traziam na memória a maneira do exercício do poder no absolutismo. Em meados do século XIX, a revolução industrial engendra tamanhas mudanças que, diante o distanciamento do que se tem em teoria daquilo que se viu na realidade, Caldera compreende ter havido as primeiras fraturas nas idéias centrais do contrato social, com a liberdade individual sendo substituída pela liberdade econômica e com as empresas e o mercado substituindo-se à centralidade na pessoa humana, ensejando alterações que repercutiram em adaptações no

âmbito jurídico e político. Em fins do século XIX, o liberalismo econômico sem restrições e as proibições do associativismo para a defesa coletiva dos interesses individuais fazem sucumbir as liberdades individuais, fenômeno que Caldeira identifica como verdadeira ruptura com o contrato social que fundamenta a modernidade83.

A fase de intensificação do capitalismo industrial gerou uma crise social profunda fazendo com que, no século XX, sob o contexto da Revolução Russa de 1917 e da crise econômica de 1929, a reação da sociedade ensejasse, como resposta da classe política e intelectual, a aparição de um sistema político de participação popular do Estado nos assuntos econômicos, sociais e trabalhistas, resultando no surgimento do direito do trabalho e de direitos sociais e do Estado social de direito, que, em função daquele contexto social, desenvolve-se sob uma concepção fortemente providencial. O caráter social do Estado de direito é o segundo contrato social da modernidade, em um momento da recuperação da vontade geral, da ideia de representação e da democracia84.

Assim, Estado providência não é sinônimo de Estado social de direito; a providência é uma concepção, considerada por alguns pensadores como necessária para enfrentar um contexto específico e determinado pela ordem econômica e que exigiu do Estado respostas a serem diretamente executadas pela administração pública no sentido de diminuir as desigualdades, ou seja, assumindo o Estado a responsabilidade imediata de equacionamento das questões sociais, ampliando o espaço público estatal.

Vejamos esse trecho de uma entrevista fornecida pelo crítico social e historiador Christopher Lasch ao Le Monde85, em pleno epílogo do welfare state:

Nas circunstancias atuais, seu papel é importante e seu desmantelamento provocaria uma enorme miséria humana. Mas esse sistema não traz, a meu ver, uma solução satisfatória, pois em última análise não é mais que uma instituição entre outras, baseado na separação entre a especialização e a experiência. É fundamentalmente antidemocrático. Na melhor das hipóteses, representa um governo para o povo. A esperança se encontra em um sistema descentralizado de produção e de decisão, em que a participação seja restaurada como elemento central da ideia de democracia.

O mesmo entendimento tem Pablo Verdú86, que percebe o caráter providencial do

83 CALDERA. Alejandro Serrano. Razão, direito e poder: reflexões sobre a democracia e a política. Tradução de Antonio Sidekum. Ijuí: Editora Ijuí; São Leopoldo: Nova Harmonia, 2005. p. 44 et seq.

84 Ibidem, p. 45.

85 LE MONDE. A Sociedade: entrevistas do Le Monde. Tradução Sérgio Flaksman. São Paulo: Editora Ática, 1989.

Estado como uma resposta adequada a um problema essencialmente político de tomar consciência das exigências de cada época. De modo que, como nos diz Gordillo87, o Estado de direito é originalmente liberal, surgindo exclusivamente para proteger os direitos individuais fundamentais, garantir a livre iniciativa e estabelecer os direitos políticos básicos, sendo o caráter social agregado posteriormente às finalidades e tarefas do Estado liberal de direito, antes não obrigado a resolver questões de desigualdades sociais. Entretanto, na primeira metade do século XX, o Estado social “mantinha-se subordinado à noção de legalidade, persistindo a mesma redução positivista de direito à lei”, com a prevalência da lei sobre a Constituição, o que subordinava a concretização dos direitos sociais a processos políticos:

[...] a concretização efetiva e existencial dos programas atinentes ao Estado de Direito Social, com a realização das funções estatais visando à consecução dos novos objetivos estabelecidos pela constituição econômica contida nas constituições sociais, nessa época do entreguerras, mais dependia do processo democrático e das pressões e exigências populares do que da operatividade e efetividade do texto constitucional.88

Seguindo a comparação formulada por Miguel Calmon89, se “o Estado de Direito Liberal é um Estado legal de caráter legislativo, em que há a supremacia do Parlamento” então “o Estado de Direito Social é um Estado legal em que há preponderância do executivo tanto na direção da política econômica como das políticas sociais e da ação estatal”. É inaugurado o constitucionalismo social, cujo um dos traços, no dizer do novel constitucionalista brasileiro:

[...] será o cometimento de competência legislativa extraordinária e excepcional em caráter atípico ao Poder Executivo, com a principal finalidade de viabilizar a intervenção adequada e eficiente sobre a ordem econômica [...] compondo o quadro muito próprio do estado Social que deu azo à hipertrofia do Poder Executivo.

Além disso, em função da intensificação da intervenção estatal na ordem econômica e social a lei passou a adotar várias formas e medidas para conferir à administração uma maior discricionariedade para o desempenho das atribuições visando a melhor promoção do interesse público, conforme o caso concreto90.

Acontece que as experiências totalitárias e de providencialismo estatais do século XX,

1975.

87 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977.

88 DANTAS, Miguel Calmon. Constitucionalismo dirigente e pós-modernidade. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 241.

89 Ibidem, p. 244.

nos termos de Chevallier91, atingiram o coração liberal do Estado de direito, levando a sociedade a uma reação política que promoveu, como equacionamento, o aprofundamento da percepção do aspecto substancial da ordem jurídico-constitucional, a inaugurar o Estado Constitucional como Estado Democrático de Direito e o dirigismo constitucional.

Logo, para as sociedades contemporâneas, a fórmula de Estado contemporâneo é o Estado Democrático de Direito em permanente processo de consolidação da jurisdição constitucional. O direito está instrumentalizado para a gestão pública, vez que as políticas