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6. FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO E

6.1 OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E

6.1.2 DA PROPORCIONALIDADE

190 ÁVILA, op. cit., p. 437.

191Id, Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4, out/nov/dez. Salvador, BA: IDPB, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-4-outubro-2005-humberto%20avila.pdf>. Acesso em 15 mar 2016. p. 11.

192 Id, op. cit., p. 439.

193 Entrevista com Celso Luiz Braga de Castro, doutor em Direito Público, Mestre em Direito Econômico, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e advogado com atuação na área de direito administrativo.

Há cerca de quinze anos, o Ministro Gilmar Mendes já afirmava que a exigência de proporcionalidade vinha sendo aceita como um dever jurídico-positivo, no mais das vezes designada e aplicada como razoabilidade, observando-se que:

[...] ora significa a exigência de racionalidade na decisão judicial, ora a limitação à violação de um direito fundamental, ora a limitação da pena à circunstância agravante ou necessidade de observância das prescrições legais, ora proibição de excesso da lei relativamente ao seu fim e ora é sinônimo de equivalência entre custo do serviço e a relativa taxa194.

Para Di Pietro, a proporcionalidade é conteúdo da razoabilidade; vez que a razoabilidade exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar195, conforme está implícito no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784, de 1999, sendo medida no caso concreto e em consideração ao que é ordinariamente notório.

Razoabilidade e proporcionalidade, em Barroso, são utilizadas como se fossem sinônimas, compreendendo-as como conceitos próximos o suficiente para serem intercambiáveis196. Nas palavras do Ministro do STF, “sem embargo da origem e desenvolvimento diversos, um e outro abrigam os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos”197.

Reconhecendo, pois, que são vocábulos distintos, simplifica: basta determinar a acepção em que o termo está sendo utilizado. E rememora sobre a origem de ambas as expressões:

A ideia de razoabilidade remonta ao sistema jurídico anglo-saxão, tendo especial destaque no direito norte-americano [...] o princípio foi desenvolvido como próprio do sistema de common low [...] sem maior preocupação com uma formulação doutrinária sistemática. Já a noção de proporcionalidade vem associada ao sistema jurídico alemão [...]. [...] nos Estados Unidos, foi antes de tudo um instrumento de direito constitucional, funcionando como um critério de aferição de constitucionalidade de determinadas leis. Já na Alemanha, o conceito evoluiu a partir do direito administrativo, como mecanismo de controle dos atos do Executivo198.

A proporcionalidade é, também, apresentada como princípio de interpretação constitucional que busca proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais e garantir a racionalidade de atuação do Estado. Para Silva Neto, a proporcionalidade “impõe soluções

194 MENDES, op. cit., p. 3 195 DI PIETRO, op. cit., p. 76. 196 BARROSO, op. cit., p. 168 et seq. 197 Id., op.cit. p. 168.

legislativa e judicial menos restritivas possíveis a direitos fundamentais, além de condicionar edição de leis a serem suportadas proporcionalmente pela coletividade”199.

Marçal Justen Filho se referir à proporcionalidade como princípio de interpretação destinado a compatibilizar a incidência conjunta, harmônica e concomitante de diversos outros princípios jurídicos, de natureza instrumental para “nortear, orientar e controlar a aplicação e a interpretação do direito”, cujo objetivo é “assegurar a supremacia dos valores e princípios fundamentais – entre os quais avultam os da dignidade da pessoa humana e da República”. Assim é que, na administração pública, o autor destaca a relação da proporcionalidade para o controle da discricionariedade:

[...] a atividade do intérprete-aplicador será imediatamente informada pelo princípio da proporcionalidade porque o ordenamento jurídico não admite que o exercício do poder decisório seja incompatível com o atingimento, do modo mais racional possível, da finalidade protegida. A autonomia assegurada pela competência discricionária é um meio para garantir a produção mais satisfatória de um resultado prestigiado pelo ordenamento200.

Para Ávila, a proporcionalidade sustenta sua dinâmica no binômio meio adotado/fim perseguido enquanto a razoabilidade analisa a relação critério de distinção/medida adotada. Há proporcionalidade quando, adotando-se o meio, promove-se o fim; e que pressupõe a causalidade entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim)201.

Hely Lopes Meirelles reitera a proporcionalidade como preceito que veda excessos, exige a compatibilidade entre os fins e os meios para evitar restrições exageradas ou abusivas com imposições que acarretem obrigações, ônus ou sanções superiores àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público e que possam ferir os direitos fundamentais202.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, realça as origens do dever de proporcionalidade, no direito alemão, como princípio de proibição ao excesso, em tal sentido também sendo levada a feito no ordenamento jurídico português. A proporcionalidade foi reconhecida na doutrina alemã como uma norma constitucional não escrita destinada a proibir que uma ação ou omissão acarrete excesso de poder. No direito português, a doutrina sobre a proibição ao excesso referiu-se mais diretamente sobre os atos que restringem direitos, liberdades públicas e garantias constitucionalmente protegidos. A consequência da violação ao

199 SILVA NETO, op. cit., p. 176.

200 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 72.

201 ÁVILA, op. cit., p. 19.

202 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 98.

dever de proporcionalidade é a declaração de inconstitucionalidade203. Mendes tem no julgamento do STF que declarou a inconstitucionalidade de todos os parágrafos e incisos do art. 5º, da Lei nº 8.713, de 1993, o marco do reconhecimento da proporcionalidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sede material na disposição constitucional sobre o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV) 204.

No direito brasileiro, a positividade da proporcionalidade foi defendida tanto pelo Ministro quanto pelo constitucionalista Paulo Bonavides:

O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não haja sido ainda formulado como “norma jurídica global”, flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o par. 2º do art. 5º, o qual abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição.205

Para Ávila, são frustradas as tentativas de explicação de um fundamento jurídico positivo de validade para a proporcionalidade, ainda que se busque no texto constitucional. Isto porque estar-se diante um postulado aplicativo normativo. Assim é, porque não pode ser deduzido ou induzido de um ou mais textos normativos, sendo apreendido por implicação lógica, da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela Constituição brasileira e da própria atributividade do Direito, que estabelece proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis206. É por isso que qualifica a proporcionalidade como postulado normativo aplicativo, como uma norma que orienta a aplicação e interpretação de outras normas.

A observância da vedação ao excesso de poder se dá relacionando-se a necessidade e a adequação dos meios propostos ou utilizados com os fins pretendidos ou o resultado alcançado. Ávila enfatiza que a aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim. Ainda, segundo ele, o postulado da proporcionalidade exige que o poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais207.

Com base no histórico ofertado pela doutrina alemã, Gilmar Mendes e Humberto Ávila delimitam a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito como sendo as

203 MENDES, op. cit. 204 Ibidem, p. 13.

205 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 436. 206 ÁVILA, op. cit, p. 04.

regras que conformam o dever de proporcionalidade:

O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.

[...]

Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito). É possível que a própria ordem constitucional forneça um indicador sobre os critérios de avaliação ou de ponderação que devem ser adotados208.

Um meio é adequado, se promove o fim. Um meio é necessário, se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca209.

Finalmente, importa compreender a relação entre necessidade e adequação, resumida na seguinte fórmula de apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado210. Fornecida pelo Ministro Gilmar Mendes, que adere à doutrina de Pieroth e Schlink de que a prova da necessidade tem maior relevância do que o teste da adequação, isto porque, sendo positivo o teste da necessidade, não há de ser negativo o teste da adequação. Por outro lado, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado definitivo ou final 211.

O dever de proporcionalidade guia a técnica de ponderação dos princípios. Isto porque a ponderação, segundo ele, trata, exatamente, das possibilidades fáticas; e delas depende a concretização dos princípios. Se na aplicação do direito ocorre de princípios incidirem em relação de colisão, a regra é que o meio escolhido deve ser aquele que melhor realize ambos os princípios, ou seja, que o meio escolhido seja adequado e necessário à realização do fim perseguido212.

As possibilidades fáticas de realização dos princípios implicam o dever de adequação e de necessidade. Para Ávila, se o meio escolhido pela administração pública não for nem

208 MENDES, op. cit., p. 4. 209 ÁVILA, op. cit., loc. cit. 210 MENDES, op. cit., loc. cit. 211 MENDES, op. cit., p. 4.

212 ÁVILA, Humberto B. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. In: Revista Diálogo Jurídico, ano I, vol. I, n.º 4. Salvador: CAJ, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-HUMBERTO-AVILA.pdf>. Acesso em 29/05/2016. p. 11 et seq.

adequado, nem necessário, será injurídico. Sendo que é das possibilidades normativas (princípio da juridicidade) que resulta a necessidade de proporcionalidade em sentido estrito. Se o meio escolhido para a realização de um princípio significar a não realização de outro princípio, ele é vedado, por excessivo, sendo o dever de proporcionalidade implicação do caráter principal das normas, como bem o demonstrou Alexy213. De modo que, sem obediência ao dever de proporcionalidade não há a devida realização integral dos bens juridicamente resguardados, isto porque o Direito tutela bens que se dirigem a finalidades muitas vezes antagônicas, cuja concretização exige, porque há correlação, uma ponderação dialética ou proporção214.

Podemos então nos alegrar ao perceber que o dever de proporcionalidade na Administração Pública vivifica, em acordo com o grau de complexidade das relações e estruturas das sociedades contemporâneas, a ideia aristotélica do homem dotado de sabedoria prática, prelecionada no clássico Ética a Nicômaco215.