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6. FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO E

6.1 OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E

6.1.3 DA EFICIÊNCIA

O arbítrio do governante legitimado pelo povo é, curiosamente, d’onde se extrai a primeira noção de eficiência funcional, que remonta ao momento histórico do Absolutismo que dá origem ao Estado moderno. Segundo Gabardo216, seria a teoria política de Maquiavel a precursora da ideia de eficiência no Estado, ao defender que a legitimação do poder era obtida com a aprovação humana invés da aprovação divina.

O autor sustenta, inclusive, que foi com o símbolo da eficiência do príncipe que Maquiavel conquistou aceitação à sua teoria: a eficiência nasceu de um anseio racionalista de abandono às subjetividades características das concepções medievais, permeadas pela moral religiosa217. Para o autor, a partir do momento em que é conquistada a prevalência de que o poder do governante advém do povo, e não de origens metafísicas, é certo que o governante passa então a assumir diretamente suas responsabilidades porque não se protege no fato de ter sido o instrumento da vontade divina. Enfim, o governante tem que ser eficiente no uso dos instrumentos de poder.

Com a evolução da complexidade do Estado de direito com a formação da

213 Ibidem, loc. cit. 214 Ibidem, p. 25 et seq. 215 ARISTÓTELES, op. cit.

216 GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003.

tecnoburocracia, e, posteriormente, a construção da perspectiva substantiva de democracia e dos paradigmas do pós-positivismo jurídico e do neoconstitucionalismo, desenrola-se uma nova teoria do direito administrativo, para a qual a eficiência, juntamente com a razoabilidade e a proporcionalidade, orienta o controle material dos atos da administração, limitando a discricionariedade do agente público, que passa a ser percebida como uma liberdade conformada ao direito e não mais como um poder de arbítrio, percepção que prevaleceu sem resistência até meados do século XX.

Para o direito administrativo contemporâneo, há o Estado da escolha administrativa legítima, que deve ser escrupulosamente, o Estado da proporcionalidade, em lugar de aparato propício a excessos ou tendente às omissões. Para o Estado da proporcionalidade, o direito administrativo se propõe a favorecer o controle de legitimidade, ao lado da eficiência e da eficácia, de cobrar a motivação consistente dos atos discricionários e vinculados, abandonando o formalismo abstrato ou a liberdade irrestrita do decisionismo irracional 218.

No Brasil, a ideia de eficiência funcional foi sobejamente introduzida com a edição do Decreto-lei nº 200, de 1967, no governo do Marechal Castello Branco, sendo o marco legal da reforma administrativa que buscava aprofundar a qualidade burocrática (weberiana) da administração pública, e que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O dever de eficiência como produtividade, demonstração de resultados e controle da relação custo/benefício é evidenciado em alguns enunciados constitucionais.

Das disposições do artigo 8°, se extrai o dever de a administração do Poder Executivo coordenar permanentemente sua atividade para o objetivo de cumprir planos e programas de governo; na dicção do artigo 26, inciso III, a administração indireta deve assegurar a eficiência administrativa. Dos enunciados normativos (i) do artigo 28, inciso III, dispõe sobre o dever de evidenciar os resultados positivos ou negativos de seus trabalhos, indicando suas causas e justificando as medidas postas em prática ou cuja adoção se impuser no interesse do serviço público; (ii) do artigo 79, prevê que a contabilidade apure os custos dos serviços de forma a evidenciar os resultados da gestão; e (iii) do artigo 94 e seguintes dispõem sobre produtividade dos servidores públicos, reconhecimento do mérito e redução dos custos operacionais da administração. Assim, pelo decreto-lei n° 200, a eficiência mais se apresenta como uma regra jurídica, ao determinar a conduta de órgãos ou servidores.

218 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

Hely Lopes Meirelles219 remete a ideia de eficiência, posto no Decreto-lei n° 200, de 1967, à inspiração da doutrina jurídica italiana, vez que o artigo 97 da Constituição da República Italiana, ao tratar da Administração Pública, contém a seguinte disposição: “I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon andamento e l'imparzialità dell'amministrazione”220. Observamos que no Decreto 200, o

dever de boa administração orienta para a “pura administração de bens materiais”221, que denota

a transição do patrimonialismo para a burocracia weberiana.

Aos poucos, a ideia de boa administração passa a se consubstanciar na perseguição do bem-comum, como se pode vislumbrar na Constituição Espanhola, em seu artigo 103, ao dispor: 1. La Administración Pública sirve con objetividad los intereses generales y actúa de acuerdo con los principios de eficacia, jerarquía, descentralización, desconcentración y coordinación, con sometimiento pleno a la ley y al Derecho. O bem-comum se traduz nas aspirações e necessidades de um determinado povo, considerando os anseios das gerações presentes e futuras222.

Mas a doutrina foi lapidando a ideia de boa administração pública, de modo que, para a nova teoria do direito administrativo, o acesso à boa administração pública é reconhecido como um direito fundamental:

É que o estado da discricionariedade legítima [...] consagra o direito fundamental à boa administração pública, que pode ser assim compreendido: trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem223.

A eficiência como subprincípio do princípio da boa administração é reitera por Celso Antônio, o qual, também se reportando às lições do jurista italiano Guido Falzone, afirma que

219 MEIRELLES, op. cit., p. 108.

220 Em tradução livre: os cargos públicos são organizados de acordo com a lei, de modo a garantir a boa conduta e imparcialidade da administração.

221 BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. 2ª ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. p. 77. Em nota de rodapé, o autor cita o entendimento de Guido Falzone de que o dever de boa administração não se refere à pura administração dos bens materiais, mas se estende, mais ainda, à coletividade, a favor de quem a função pública deve ser desenvolvida para promover o seu progresso político, econômico, cultural, social, espiritual.

222 BATISTA JUNIOR, op. cit. loc. cit.

223 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 22.

é eficiente o ato ou atividade administrativa que acontece “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto” 224.

O administrativista Juarez Freitas, um pioneiro na literatura jurídica brasileira sobre o direito fundamental à administração pública, inclui a eficiência e a eficácia como direitos subjetivos públicos que integram o plexo de direitos subjetivos públicos os quais conformam o conteúdo jurídico do direito fundamental à boa administração pública:

[...] o direito à administração pública preventiva, precavida e eficaz (não apenas eficiente), pois comprometida com resultados harmônicos com os objetivos fundamentais da Constituição, além de redutora dos conflitos intertemporais, que só fazem aumentar os chamados custos de transação 225.

Na Constituição brasileira, a eficácia e a eficiência, antes mesmo da Emenda Constitucional nº 19, integram o enunciado normativo na dicção do artigo 74, inciso II, pelo qual o sistema de controle interno da administração federal deverá “comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial” nos seus órgãos e nas entidades privadas que recebem recursos públicos federais.

Na doutrina, eficácia, eficiência em sentido estrito e efetividade são deveres distintos:

Eficácia: basicamente, a preocupação maior que o conceito revela se relaciona simplesmente com o atingimento dos objetivos desejados por determinada ação estatal, pouco se importando com os meios e mecanismos utilizados para atingir tais objetivos. Eficiência: aqui, mais importante que o simples alcance dos objetivos estabelecidos é deixar explícito como esses foram conseguidos. Existe claramente a preocupação com os mecanismos utilizados para a obtenção do êxito da ação estatal, ou seja, é preciso buscar os meios mais econômicos e viáveis, utilizando a racionalidade econômica que busca maximizar os resultados e minimizar os custos, ou seja, fazer o melhor com os menores custos, gastando com inteligência os recursos pagos pelo contribuinte. Efetividade: é o mais complexo dos três conceitos, em que a preocupação central é averiguar a real necessidade e oportunidade de determinadas ações estatais, deixando claro que setores são beneficiados e em detrimento de que outros atores sociais. Essa averiguação da necessidade e oportunidade deve ser a mais democrática, transparente e responsável possível, buscando sintonizar e sensibilizar a população para a implementação das políticas públicas. Este conceito não se relaciona estritamente com a ideia de eficiência, que tem uma conotação econômica muito forte, haja vista que nada mais impróprio para a administração pública do que fazer com eficiência o que simplesmente não precisa ser feito226.

224 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 122.

225 FREITAS, op. cit., p. 23.

226 TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV/FA Editoração Eletrõnica, 2004. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=jvDrA9D6vSAC&pg=PA15&hl=pt-BR&source=gbs

Os objetivos que vinculam o alcance da eficácia são, em última instância, os fins constitucionais estabelecidos no enunciado posto pelo artigo 3º, da Constituição Federal: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A eficácia está, então, relacionada à melhor persecução do bem comum. Segundo a compreensão de Batista Júnior, a eficácia está presente na atividade administrativa de equilibrar os interesses públicos intervenientes, escolhendo e coordenando entre os interesses primários e secundários, que garanta um resultado imediato. A eficácia é, pois, um dos aspectos da eficiência tomada como mandamento constitucional de maximizar a persecução do bem comum; e, não, o inverso. Em suas minudentes lições, diz o autor:

Para se cumprir o fim imediato resultante da ponderação de interesses, deve ser feita uma verificação dos meios escassos disponíveis, e, naturalmente, essa avaliação dos meios intervém na própria consideração ponderada desses interesses intervenientes. [...] os fins são, de alguma forma, estabelecidos em função dos recursos escassos disponíveis. [...], há uma reserva de meios que limitam a atuação administrativa, portanto, as finalidades imediatas [...] são mesmo influenciadas, na prática, concretamente, pelos meios disponibilizados.

[...]

Não se coordenam os interesses envolvidos sem o adequado sopesar dos meios disponíveis. [...]

Enfim, a eficiência [...] exige a observância tanto da eficácia da atuação da AP, com o adequado sopesar dos interesses envolvidos, como a eficiência stricto sensu, na verificação e articulação dos meios disponíveis. A eficácia se liga aos resultados a que a AP deve atender, ou seja, apresenta-se estritamente atada às finalidades postas para serem perseguidas pela AP227.

Ávila relata que o dever de eficiência não é novo no Direito anglo-saxão, em cuja tradição o conteúdo jurídico da eficiência se formou distinguindo um duplo dever: (a) de se atingir o máximo do fim com o mínimo de recursos (efficiency) e (b) o dever de, com um meio,

atingir o fim ao máximo (effectiveness)228. O que equivaleria, na formulação de Batista Júnior, à realização da eficiência em sentido estrito (ou economicidade) juntamente com a eficácia.

A eficiência em sentido estrito é sinônima de economicidade, e pode ser compreendida nos seguintes termos, com as devidas adequações substituindo-se preço por despesa ou custo:

[...] é o resultado da comparação entre encargos assumidos pelo Estado e os direitos a ele atribuídos, em virtude da contratação administrativa. Quanto mais desproporcional em favor do Estado o resultado dessa relação, tanto melhor atendido estará o princípio da economicidade. A economicidade exige que o Estado desembolse o mínimo e obtenha o máximo e o melhor. Em princípio a economicidade se retrata no menor preço pago pelo Estado.

[...] Sempre deverá ser considerada a escassez de recursos públicos, o que exige o seu uso mais racional possível. Há necessidade de ponderar as finalidades buscadas e determinar a solução mais compatível com a eficiência econômica229.

A eficiência administrativa é um postulado normativo aplicativo, pois não impõe a realização de fins, mas, em vez disso, estrutura a realização dos fins, cuja realização é imposta pelos princípios, é a conclusão de Ávila230.

Para o administrativista a eficiência conjuga o que denomina dever de escolher meio menos custoso ceteris paribus e dever de promover o fim de modo satisfatório. Quanto ao dever de escolher o meio menos custoso, o autor conclui que ao se analisar os efeitos de uma medida administrativa, a avaliação de todos os fins administrativos afasta o dever de considerar o menor custo como excludente do exame dos outros fins, e exemplifica com a hipótese de um meio menos custoso ser aquele que gera maior restrição a um direito ou liberdade pública da pessoa enquanto outro meio, embora mais custoso, possa garantir menos restrições.

Na hipótese de os meios à disposição provocarem intensidades iguais em restrições, será o caso de prevalecer na escolha o critério da economidade. Enfim, a administração tem o dever de escolher o meio menos dispendioso somente no caso de ficarem inalteradas (ceteris paribus) a restrição dos direitos administrados e o grau de realização dos fins administrativos.

O segundo dever é, em verdade, o dever de boa administração, na medida em que é associado à máxima realização das funções administrativas, para cuja análise são observados os aspectos quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza) do meio

228 ÁVILA, Humberto B. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 4, out/nov/dez. Salvador, BA: IDPB, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rede-4-outubro-2005-humberto%20avila.pdf>. Acesso em 15 mar 2016. 229 JUSTEN FILHO, Marçal. op.cit., p. 62.

adotado pela Administração Pública para atingir o fim em questão:

Em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igualmente ou mais o fim do que outro meio. Em termos qualitativos, um meio pode promover pior, igualmente, ou melhor, o fim do que outro meio. E em termos probabilísticos, um meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que outro meio.

[...]

Essas ponderações [...] remetem-nos a analisar se a administração tem o dever de escolher “o mais intenso”, “melhor” e “mais seguro” meio para atingir o fim ou se tem o dever de escolher um meio que “simplesmente” promova o fim. Cremos que a administração tem o dever de escolher um meio que simplesmente promova o fim231.

Assim, é que o postulado da eficiência orienta que o meio escolhido para atingir um fim promova “minimamente” os aspectos qualitativo, quantitativo e probabilístico dos fins atribuídos à administração pública. Não basta que o meio escolhido seja adequado – que é um dos aspectos do postulado da proporcionalidade – mas que, também, seja satisfatório, que é um dos aspectos do postulado da eficiência:

[...] escolher um meio adequado para promover um fim, mas que promove o fim de modo insignificante, com muitos efeitos negativos paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de eficiência administrativa. [...] satisfatória é a promoção minimamente intensa e certa do fim232.

A eficiência, como postulado aplicativo normativo, diz respeito “aos meios disponíveis de forma a propiciar o alcance dos melhores resultados”, sendo que o aspecto da economicidade deve ser considerado como otimização de despesas, ainda que sob a perspectiva de avaliar a busca por menor custo. É na interação entre os meios e os fins – e não na simples identificação dos objetivos a serem buscados (eficácia), ou na pura análise dos meios (economicidade com mera economia de custos) –, que a eficiência vai funcionar, à luz da Teoria dos Princípios, como um postulado normativo. A eficiência, como postulado, leva à indagação: Em que nível a Administração Pública é obrigada a atingir fins? Em nível máximo, em termos absolutos, ou em nível satisfatório? A eficiência, então, estabelece uma relação com a proporcionalidade 233.

6.2 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: LEGALIDADE