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PARTE II – DIMENSÃO PASSIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

3. Da pluralidade passiva

3.3. Da pluralidade a posteriori

3.3.2. Responsabilidade tributária: natureza jurídica

3.3.2.2. A responsabilidade tributária como fiança legal

O artigo 627.º, n.º 1 do CC define que “o fiador garante a satisfação do direito

de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”. Nestes termos, Menezes

Leitão entende que a situação do fiador é, assim, a de garante da obrigação com o seu património pessoal198.

À luz da teleológica tributária e aceitando-se como conceito importado do Direito civilístico, podemos dizer que, em termos de analogia positivista, a responsabilidade tributária traduz-se, a certo modo, numa garantia pessoal199 sob a

forma de fiança legal200. Uma fiança no sentido em que se acrescenta,

acessoriamente201, um património terceiro (do responsável) ao do contribuinte direto,

para contingentar a circunstância daquele ser inexistente ou insuficiente para satisfação da prestação tributária e acrescidos202, e legal pois esta fiança opera ex lege, isto é,

apenas se realiza quando a lei o ditar, e nunca por vontade das partes203. A

responsabilidade tributária constitui, também, uma manifestação da relação de fiança, pois também ao fiador é dada a possibilidade de opor ao credor os meios de defesa próprios do devedor principal nos termos do artigo 637.º do CC, demonstrando aqui uma clara comunicabilidade com o regime do artigo 22.º, nº 5 da LGT, ao prever idêntica

198Cfr. MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles, Direito das Obrigações Volume II, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 317. 199 Cfr. BRAZ, António Teixeira, Op. Cit, pág. 290.

200 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág.

269.

201 O que se coaduna perfeitamente com a noção civilística de fiança do artigo 627.º, n.º 2 do CC: A obrigação do fiador (responsável

tributário) é acessória da que recai sobre o principal devedor (contribuinte direto ou devedor originário).

202 O que encontra correspondência no benefício de excussão previsto pelo artigo 638.º do CC.

203 O que constitui um afloramento do princípio subjacente à intransmissibilidade da obrigação tributária decorrente da conjugação

71 faculdade para os responsáveis tributários. Por fim, também no que toca à eventual natureza subsidiária os regimes se tocam, já que por norma a fiança comporta o

benefício da excussão prévia (artigo 638.º do CC) correspondendo assim à

responsabilidade subsidiária (artigo 23.º, n.º 2 da LGT), e por outro lado à responsabilidade solidária, na medida em que o fiador pode renunciar ao benefício da

excussão (artigo 640.º do CC).

Se olharmos por este nexo de acréscimo patrimonial acessório somos levados a categorizar a responsabilidade tributária como uma figura de fiança legal pois, aquela representa um reforço da cobrança da dívida exequenda, o que exerce, enfim, uma função em tudo análoga à da garantia.

Além do fim de garantia atribuído por alguns autores, entre os quais Soares Martinez, acrescentam à responsabilidade tributária uma teleologia repressiva e de punição de irregularidades204. Pela nossa parte, atribuir à responsabilidade tributária um

ratio punitivo não nos parece ser o mais coerente com o espírito legislativo e a

sistematização do ordenamento jurídico205. Em nosso modesto entender, cremos que

da repressão e punição de comportamentos ocupa-se a legislação penal e contraordenacional, e no que ao domínio do Direito tributário diz respeito, o RGIT. Admitimos, porém, a emanação, da norma, de um certo espírito de pedagogia tributária no sentido de motivar os responsáveis ao cumprimento dos deveres funcionais de boa prática tributária e a evitar comportamentos desviantes sem que, contudo, esse espírito se alheie da alçada teleológica da proteção do crédito tributário. Acompanhamos, pois, a corrente que defende o cariz garantistico do instituto da responsabilidade tributária, aliás, só assim indo-se ao encontro do fim publicista da relação jurídica tributária, traduzido na perceção de receita destinada a financiar bens públicos e para satisfazer necessidades de natureza coletiva, sendo parte do motivo maior do Estado: a prossecução do Interesse público.

204 Cfr. MARTINEZ, Soares, Op. Cit., pág. 251.

205 Embora já se possa considerar essa função sancionatória quanto à reversão do processo de execução fiscal contra os funcionários

72 Ademais, a enveredar-se pela ideia de natureza sancionatória, dito nexo dificilmente se combinaria em termos de compatibilidade teleológica com o direito de regresso206 que o responsável goza sob devedor originário. Suponhamos, por hipótese

académica, a concessão de substância punitiva à responsabilidade tributária, suponhamos, agora, uma sociedade, sujeita passiva originária de IRC que incumpriu na obrigação da entrega do imposto devido pelo seu rendimento e, por esse facto – além verificação da insuficiência patrimonial – o ordenamento jurídico-tributário reverte o processo executivo primariamente instaurado em nome daquela, contra os seus gerentes como meio de punição do ilícito do incumprimento da prestação tributária e pela constatação da insuficiência patrimonial da sociedade para solvabilidade do débito tributário. Posteriormente, depois de concretizado o débito tributário pelos responsáveis subsidiários (gerentes), os mesmos exercem direito de regresso207 nos

termos comuns de direito contra a sociedade devedora originária, para ressarcimento das quantias pagas subsidiariamente em nome daquela. Ora, como se compaginaria aquele efeito sancionatório, que visara punir os responsáveis tributários pelos seus eventuais comportamentos culposos na frustração do crédito tributário, se, simultânea e concomitantemente o ordenamento jurídico permite o ressarcimento destes mediante ação comum de direito de regresso? Assumidamente sem pretensão de qualquer indagação científica jurídico-penal, parece-nos existir uma incompatibilidade entre a natureza sancionatória que se procura imputar à responsabilidade tributária e a unidade teológica subjacente à constituição da relação jurídica tributária. Posto isto, cremos que o instituto da responsabilidade tributária apenas se ocupa de garantir a célere concretização dos créditos tributários quando assim não resulte da conduta dos sujeitos passivos originários.

206 Direito de regresso cuja admissibilidade tão pouco é colocada em causa pelo mesmo autor, Cfr. SOARES, Martinez, Op. Cit., pág.

253.

207 Naturalmente que no plano da realidade empresarial o exercício do direito de regresso revela-se de pouco interesse prático, na

medida que a efetivação da responsabilidade subsidiária depende da prévia insuficiência patrimonial do devedor originário (ou da sua excussão).

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3.3.3. Responsabilidade tributária: Pressupostos, caracterização e regime