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PARTE I – BREVE TEORIA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

1. Um olhar sobre a relação jurídica tributária

1.3. Da complexidade da relação jurídica tributária

Vários autores têm-se interrogado sobre o conteúdo e extensão da obrigação tributária no sentido de saber se, o objeto imediato dessa obrigação apenas se compõe pelo dever de prestar o tributo e pelo correspondente direito de o exigir, ou se compreende, também, outros poderes e deveres, concernentes à entrega de declarações, sujeição a inspeções, etc. É em função desta problemática que dizemos que relação jurídica tributária se apresenta como uma relação complexa, poligonal ou multipolar20. Paradoxalmente, a consideração da relação jurídica tributária como

relação complexa, ao contrário do que uma leitura mais incauta possa sugerir, não constitui propriedade exclusiva da relação de imposto, na verdade e até certo ponto, constitui-se como elemento caracterizador comum à relação obrigacional privatística21.

Por outro lado, é de salientar que dita ideia de complexidade, já vem sendo introduzida aquando da explanação do duplo papel exercido pela estrutura orgânica que compõe a autoridade tributária, nomeadamente no âmbito da sua capacidade tributária ativa e competência tributária.

Assim, do ponto de vista objetivo e subjetivo a obrigação tributária nem sempre se apresenta sob o simples binómio subjetivo sujeito ativo/sujeito passivo, nem, do ponto de vista objetivo, sob dever de pagamento do tributo/direito de exigir o seu recebimento.

1.3.1. Da complexidade subjetiva

Como vimos de referir, um dos pilares caracterizadores da relação jurídica tributária, é o vínculo de natureza obrigacional que se estabelece entre os sujeitos ativo

20Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Apontamentos De Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), 2012, Braga, AEDUM, pág. 9. 21 Nomeadamente no tangente às relações creditícias.

14 e passivo desta, constituindo este vínculo o cerne e a estrutura interna da relação, que por sua vez irá modelar a sua configuração. Todavia, dito vínculo obrigacional, nem sempre se subsume no binómio subjetivo sujeito ativo-sujeito passivo. Apesar de esta realidade constituir-se, na mais das vezes, como ponto de partida clássico para o estudo da relação jurídica tributária, a verdade é que22 assiste-se a um cada vez maior complexo

de deveres-direitos emergente das diferentes polaridades da relação jurídica tributária. O primeiro tipo de complexidade resulta do facto de, como já se disse, a relação intersubjetiva ínsita na relação jurídica tributária, não se resumir à dogmática do sujeito ativo-sujeito passivo/contribuinte. Na verdade, muitas situações existem em que a lei convoca a intervenção de terceiros à coadjuvação da autoridade tributária na cobrança de tributos, no cumprimento de deveres de prestação de informações sobre factos tributários cuja formação lograram participar ou que pelas suas funções devam ter conhecimento, assumindo-se estes, também, perante a lei enquanto sujeitos da relação jurídica tributária, porém, não de prestar o tributo (obrigação principal) mas como sujeitos a um conjunto de diferentes e diversas obrigações tributárias. Tome-se nota que estes sujeitos enquanto terceiros obrigados à prestação de informações tributárias sobre outros terceiros, embora sujeitos do universo da relação jurídica tributária, não se consubstanciam, em princípio, como sujeitos passivos da mesma, apontando neste sentido a al. b) do número 4 do artigo 18.º da LGT, segundo o qual “não é sujeito passivo

quem deva prestar informações sobre assuntos tributários de terceiros, exibir documentos, emitir laudo em processo administrativo ou judiciais ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho”.

Inversamente, e com maior relevo neste domínio, sucede com aqueles terceiros que são chamados a substituir a autoridade tributária na cobrança dos tributos,

nomeadamente nos casos em que tal ocorre via retenção na fonte23 de rendimentos,

falando-se aqui dos substitutos tributários24 enquanto sujeitos passivos. E, para o que

no presente estudo mais releva, nos casos em que o sujeito terceiro é convocado a integrar a relação jurídica tributária em ordem a garantir e cumprir a prestação

22 Fruto da alteração do modelo clássico de gestão fiscal. 23 V. artigo 34.º da LGT.

15 tributária de outrem (vulgo contribuinte direto) nas situações e no respeito pelos pressupostos legalmente previstos – falamos aqui do instituto jurídico da responsabilidade tributária.

A título ilustrativo avançamos os casos em que a relação jurídica tributária resvala para uma dimensão patológica e um terceiro, face ao sujeito ativo e ao contribuinte direto, por força da lei é responsabilizado pelo pagamento da dívida tributária do último ao primeiro, como sucede nos casos de responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de pessoas coletivas no âmbito do artigo 24.º da LGT e, mormente a responsabilidade dos gestores de bens ou direitos de entidades não residentes nos termos legalmente previstos no artigo 27.º da LGT. Na sequência da responsabilização tributária do terceiro, a par da relação jurídica tributária, poderá surgir uma relação jurídica obrigacional de génese privatística, no concernente ao eventual direito de regresso do responsável sobre o sujeito passivo originário nos termos do artigo 624.º do CC, embora, seja de salientar, que a natureza deste crédito sempre seja de considerar-se civilística e fora do campo de ação da relação jurídica dos tributos25.

1.3.2. Da complexidade objetiva

Também, como referido, do ponto de vista objetivo, ou se quisermos, no seu plano formal, a relação jurídica tributária apresenta-se como uma relação obrigacional complexa. Partimos das fundações civilísticas da conceção da relação jurídica tributária para efetuar a aproximação às diferentes dimensões conceptuais desta última. A ideia de uma relação objetivamente complexa é fator característico da relação jurídica privatística, ideia esta que pode ser enxertada, com as devidas adaptações, como caracterizadora da relação jurídica tributária. Nas palavras de Manuel Andrade “a

relação jurídica em geral diz-se una ou simples, quando compreende o direito subjetivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente, que recai sobre a outra; e complexa ou múltipla, quando abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico”26.

25 Neste sentido V. MARTINEZ, Soares, Op. Cit., pág. 253. 26 V. VARELA, João de Matos Antunes, Op. Cit., pág. 65.

16 Exportando esta perspetivação para as relações do Direito tributário, verifica-se que, do ponto de vista objetivo27 a relação jurídica tributária não se esgota num modelo

de vínculo obrigacional (único) de natureza simples, na medida que a sua composição pode abarcar um conjunto diversificado de direitos e deveres reciprocamente interdependentes. Ao lado do dever jurídico (principal) de prestar o tributo e do correspetivo poder funcional28 de o receber e exigir, coabitam outros direitos e deveres

reciprocamente interdependentes, que se concretizam numa vasta panóplia de deveres acessórios nas diferentes polaridades da relação tributária que, por norma, visam possibilitar a quantificação da obrigação principal ou a declaração do facto tributário, como sejam os deveres de possuir e manter contabilidade organizada, emitir fatura, o dever de cooperação de efetuar retenção na fonte, apresentar declarações, reembolsar e/ou restituir tributos liquidados em excesso ou indevidamente, pagamento de juros compensatórios, de mora e indemnizatórios, etc..

Todavia, esta leitura da complexidade do objeto da relação jurídica tributária não é isenta de controvérsia. A questão que ora se impõe é a de se saber, de entre os mais diversificados correspetivos poderes e deveres jurídicos provenientes dos diferentes códigos fiscais e demais legislação, os que devam considerar-se integrados na obrigação tributária e, por conseguinte, na relação jurídica tributária. Neste particular quesito, e assumidamente sem pretensão de considerações aprofundadas a este respeito, acompanhamos aquela que é a orientação de Soares Martínez, no sentido de que deverá saber distinguir-se na relação jurídica de imposto: a relação tributária acessória cujo sujeito passivo é o mesmo daquela e a relação tributária acessória cujo sujeito passivo é pessoa diversa29. Na verdade, a inclusão dos direitos e deveres tributários acessórios

no conceito de obrigação tributária, e como tal objeto (ainda que acessório) da própria relação jurídica tributária, coaduna-se com a unidade teleológica do Direito tributário pois que deve incluir-se neste todas as relações que visem a defesa dos interesses tributários. Neste sentido, parece, também, apontar o próprio texto legal, designadamente o artigo o artigo 30.º n.º 1 da LGT que, nas suas alíneas b), c), d) e e),

27 O que vale por dizer do ponto de vista do objeto da relação jurídica tributária.

28 Repare-se que aqui não podemos falar de um verdadeiro direito subjetivo da autoridade tributária, atendendo que não consiste

na disponibilidade desta exigir ou deixar de exigir o direito à prestação em que se concretiza o crédito tributário, porquanto que estamos perante um crédito público e, portanto, indisponível nos termos dos artigos 29.º, n.º 1 e 36.º, n.º 2 da LGT.

17 faz integrar na relação jurídica tributária o direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição, o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto e o direito a juros compensatórios e juros indemnizatórios. Concretizando, o número 2 do artigo 31.º da LGT refere quais são as obrigações acessórias do sujeito passivo.

Mas a tónica da questão coloca-se com particular interesse nos casos em que esses deveres acessórios não impendem sobre o sujeito obrigado a prestar o tributo (sujeito passivo da obrigação principal), mas sobre outros terceiros face a esse dever. Relativamente aos substitutos e responsáveis tributários o artigo 18.º, nº 3 da LGT parece solucionar a questão30, pois classifica-os como sujeitos passivos. A letra do

normativo parece deixar de fora os deveres que impendem sobre terceiros não sujeitos passivos da obrigação principal. Com efeito, a este respeito parece-nos, no mínimo, dúbio o raciocínio tendente a incluir no universo da relação jurídica tributária31, as

relações emergentes dos deveres jurídicos dos notários, conservadores de registo e profissionais32 com competência para autenticação de documentos particulares e até

entidades financeiras que pagam juros aos seus clientes depositantes, uma vez que nestes casos inexiste coincidência de sujeitos no que toca à obrigação principal e às demais obrigações acessórias.

30 O referido normativo estipula como sujeito passivo a pessoa que nos termos da lei está adstrita ao cumprimento da prestação

tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável, sublinhado nosso.

31 O que vale por dizer, considerarem-se como deveres tributários.

32 Estes profissionais estão obrigados a declarar os factos tributários que tenham conhecimento no âmbito do desempenho das

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