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PARTE II – DIMENSÃO PASSIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

3. Da pluralidade passiva

3.3. Da pluralidade a posteriori

3.3.4. Responsabilidade solidária (sentido próprio)

3.3.4.1. Responsabilidade solidária

Como deixamos exposto, a responsabilidade subsidiária possui dupla natureza, a subsidiariedade e a executividade, da qual se depreende a sua subdivisão em dois momentos distintos, a instauração do processo de execução contra o devedor originário (Momento N) e a sua posterior reversão contra o responsável tributário (Momento N+1)252 comprovada a inexistência/fundada insuficiência patrimonial do primeiro

sujeito ou a sua excussão prévia.

Diferentemente sucede na responsabilidade solidária. De facto, este regime caracteriza-se por não possuir um duplo momento executivo (o momento N+1 é suprimido), nem um caracter subsidiário tão intenso ao ponto de se exigir a excussão prévia do devedor originário, inexistindo por isso audiência prévia do responsável solidário, na medida que, em princípio253, este não é executado via despacho de

251O que se explana na presente subsecção vale de igual modo para o regime de responsabilidade previsto pelo número 1 do artigo

27.º da LGT. Pelo que, pode-se considerar, desde já, uma abordagem ao regime do artigo 27.º da LGT.

252Cfr. esquema gráfico constante do ponto 4.3.3.3 desta parte do trabalho.

253Referimos em princípio, pois autores como Jorge Lopes de Sousa admitem a possibilidade de operar reversão executiva contra

responsáveis solidários, quando a execução haja sido instaurada primariamente contra o devedor originário, e posteriormente se venha a verificar a sua insuficiência patrimonial. Nestes casos, o princípio da economia processual, além de permitir, clama que a o responsável solidário seja chamado mediante despacho de reversão, dispensando-se assim à instauração de novo processo de execução fiscal dirigido ab initio ao responsável solidário. Naturalmente que a admissão de tal possibilidade não implica uma fase

89 reversão, mas sim a título originário como demonstraremos. Nos termos avançados, a responsabilidade solidária reporta-se como um regime bem mais gravoso relativamente ao da subsidiariedade, especialmente por inoperar aqui o benefício da excussão prévia dos bens do devedor originário.

Por outro lado, por ocasião do estudo da pluralidade passiva ab initio tivemos oportunidade de distinguir a responsabilidade solidaria de solidariedade passiva, pelo que para lá desde já remetemos subsídios à sua destrinça254, sem prejuízo de voltarmos

ao tema sempre que se justifique, como necessariamente sucederá.

Com efeito, vários autores referem-se à solidariedade passiva como responsabilidade solidária e à responsabilidade solidária255 como uma expressão da

solidariedade passiva. Acreditamos que assim não seja, pois, como já transmitimos, estão em causa pressupostos, substâncias e regimes jurídicos distintos (e, como veremos diferentes configurações obrigacionais). Dito isto, não podemos recortar a destrinça entre responsabilidade solidária e subsidiária lançando mão de uma base teórico-conceptual baseada na solidariedade passiva por nós já analisada, mas apenas através da conjugação das três realidades subjetivas plurais.

O critério lógico para autonomização conceptual da responsabilidade solidária face à subsidiária deverá ser achado dentro do próprio instituto da responsabilidade tributária, mas também por referência à solidariedade passiva. Nesta ordem de ideias, traçaremos um itinerário racional abstrato com o escopo de obter luz sobre o problema que ora se nos depara: o recorte da responsabilidade solidária.

Antes de mais, não nos parece rigoroso denominar os responsáveis solidários de

devedores solidários, visto que não possuem um vínculo direto, pessoal e incindível com

audiência prévia do responsável solidário, na medida em que por via da reversão não se opera uma alteração da natureza solidária da responsabilidade tributária. Cfr. LOPES DE SOUSA, Jorge, Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e

Comentado, 6ª Edição, Volume III, Áreas Editora, 2011, Lisboa, pág. 73. 254Cfr. ponto 3.2.2. desta parte do trabalho.

90 o facto tributário, muito menos um índice de capacidade contributiva256. Pelo contrário

a denominação de responsáveis originários já se aproximará em termos mais adequados à sua natureza, na medida em que estas pessoas poderão ser executadas em primeira linha, sem dependência da prévia execução do devedor originário.

Os devedores solidários são devedores a título originário pois em relação a eles ocorreu o facto tributário, é em relação a eles que o ordenamento jurídico-tributário faz incidir pessoalmente o imposto257, na medida em que manifestam a capacidade

contributiva que o Estado visa atingir, ainda que partilhada com outras pessoas (pluralidade passiva ab initio).

Prosseguindo este nexo lógico, os responsáveis solidários não são devedores solidários, porquanto não lograram participar ou aderir ao facto tributário, não manifestaram, portanto, qualquer índice de capacidade contributiva tributável, pelo que a sua subjetividade passiva deriva, exclusive, do preenchimento de um determinado quadro legal, o qual expressamente lhes impõe a qualidade de responsáveis solidários, como garantes efetivos da prestação tributária. Dito quadro, resulta não só dos artigos 22.º a 28.º da LGT, mas também de outro diplomas legais e códigos fiscais como já foi dado exemplo o artigo 102.º-C, n.º 1 do CIRS ou, ainda, o artigo 49.º, n.º 6 do CIMT.

Por outro lado, como igualmente deixamos exposto258, a responsabilidade em

sentido próprio deverá ser entendida por dívidas alheias por oposição a dívidas próprias que são originariamente pessoais do devedor originário259.

Ademais, não podemos olvidar o disposto no número 4 do artigo 22.º da LGT, mediante o qual se estatui que a responsabilidade por dívidas de outrem é, salvo determinação legal contrária, apenas subsidiária. À luz do advérbio “apenas” ínsito

256Cfr, já citado, V. MARTINEZ, Soares, Op. Cit., pág. 245. 257Cfr. XAVIER, Alberto, Op. Cit., pág. 406.

258V. pontos 3.2.1. e 3.3.1.

259Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Apontamentos De Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), 2012, Braga, AEDUM, pág.

34 e 35; DOURADO, Ana Paula, Substituição e Responsabilidade Tributária, Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, Centro de Estudos Fiscais, Direção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças, Lisboa, 1998, pág. 51; CARDOSO DA COSTA, José Manuel M., Op. Cit. pág. 280 e 281; XAVIER, Alberto, Op. Cit., pág. 354; NABAIS, Casalta, Op. Cit. pág. 260.

91 naquele normativo, questionamo-nos se toda a responsabilidade por dívidas de outrem deve considerar-se subsidiária260? Subsidiária não com o significado que adquire no

artigo 23.º, mas no sentido em que quando se preveja uma responsabilidade solidária por dívidas alheias, tal significa que o responsável solidário não responde nos mesmos termos dos devedores originários e solidários, isto é, ab initio em solidariedade passiva em sentido próprio, mas apenas no sentido e na medida em que aqueles não efetuaram o pagamento dentro do prazo voluntário para o efeito, numa certa ideia de solidariedade imprópria261. O que por sua vez, aceitando-se tal ideia, nos levaria a

questionar sobre a existência de uma única responsabilidade, a subsidiária, mas distribuída por dois níveis. Um primeiro nível onde se encontram os responsáveis solidários que respondem pela totalidade da dívida alheia sem necessidade de demanda e excussão prévia do devedor originário e uma subsidiariedade de segundo nível que, ao contrário da anterior, exige um regime jurídico mais exigente, considerando que apenas operará mediante ato administrativo de reversão em que fundamenta a inexistência ou insuficiência de bens do devedor originário. Deixamos a questão em aberto…

Assim, ser responsável solidário quererá dizer, prima facie, que essa pessoa responderá acessória e solidariamente com devedor originário262 singular ou solidário

(se for o caso de pluralidade ab initio) e não, no sentido que responderá nos mesmos termos que o devedor originário, pois tal só acontece no âmbito da solidariedade passiva, quando todos os sujeitos passivos se constituem devedores originários e nesse sentido solidários entre si. Em nossa opinião, o responsável é solidário com o devedor originário se e na medida que este não tiver satisfeito voluntariamente o crédito tributário no prazo legalmente concedido263, respondendo aquele pessoalmente com o

260 Neste sentido aponta Joaquim Freitas da Rocha, classificando como de subsidiária a responsabilidade dos gestores de bens ou

direitos de entidades não residentes prevista no artigo 27.º da LGT. Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Op. Cit. 275.

261A expressão “em conjunto com o devedor principal” do artigo 9.º, n.º 2 do CPPT, poderá prima facie dificultar a interpretação

naquele sentido, porém, rigorosamente vistas as coisas, dito preceito acaba por reforçar a destrinça entre responsável solidário e devedor originário ou solidário, na medida que qualifica tacitamente o primeiro como um devedor acessório.

262Repare-se rigorosamente na redação da expressão: “essa pessoa responderá solidariamente com o devedor originário (…)”, ao

invés da formulação frásica: (…) responderá solidariamente como o devedor originário. Pois o responsável, ainda que solidário, não responderá como o devedor originário, desde logo porque responde acessoriamente por um débito alheio.

263Em falta de estipulação especial na lei do respetivo tributo, o prazo supletivo para pagamento voluntário será de 30 dias contados

92 seu património pela dívida deste, e podendo, para o efeito, ser originariamente executado.

A este respeito não se descortina na lei qualquer meio específico de efetivação da responsabilidade solidária264, o que de resto não é completamente incoerente com

o regime geral deste tipo de responsabilidade, de todo o modo são necessárias as devidas cautelas perante o alcance de tal expressão, pelo que consideramos útil uma breve análise à evolução histórica do regime da responsabilidade solidária.