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PARTE II – DIMENSÃO PASSIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

3. Da pluralidade passiva

3.2. Da pluralidade ab initio

3.2.2. Enquadramento dogmático: Regime jurídico (cont.)

A questão da pluralidade passiva (ab initio) levanta questões jurídicas que devem ser corretamente enquadradas, nomeadamente no que concerne ao regime legal pelo qual respondem os codevedores tributários, entre si e perante o Fisco. De acordo com Joaquim Freitas da Rocha128, três soluções poder-se-iam aventar:

i) Poder-se-á considerar um regime de obrigação conjunta ou parciária originária à imagem do regime regra das relações obrigacionais do direito civilístico129. De acordo com este regime obrigacional, cada um dos

devedores apenas estaria vinculado a prestar a sua parte da prestação, correspondente à sua quota de participação no facto tributário, e apenas essa parte lhe seria exigível pelo sujeito ativo. Daí que neste regime estejamos perante uma obrigação parciária, pois a mesma é realizada por

126 Referimos em princípio, pois como adiante veremos, a corealização plural do facto tributário não é condito sine qua non à

situação de pluralidade passiva ab initio, existindo algumas exceções, como por exemplo sucede na opção conjunta em sede de IRS.

127 Cfr. MARTINEZ, Soares, Op. Cit., pág. 245 e 246.

128 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Apontamentos De Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), 2012, Braga, AEDUM, pág.

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partes, prestando cada um dos devedores a parte a que se vinculou130.

De acordo com o ensinamento de Manuel Andrade131, nesta modalidade

as obrigações dos diferentes devedores são em tudo distintas e autónomas, tendo vida próprias, sem interdependência das demais, de tal modo que os atos ou factos jurídico praticados por um dos sujeitos passivos perante o credor tributário, não propagam aos demais os seus efeitos, contrariamente ao que sucede, em certa proporção, com o instituto da solidariedade, conforme adiante veremos.

ii) Por outro lado, poder-se-ia advogar a ideia de comunhão, segundo a qual a satisfação do crédito tributário apenas poderia operar por uma prestação coletiva e global dos codevedores, e o credor somente poderia exigir o cumprimento da prestação em bloco à totalidade dos codevedores. Solução que remete para a ideia das obrigações em mão

comum, no sentido que tudo sucederia como de uma vulgar situação

obrigacional tributária, simplesmente a componente devedora da relação seria composta por várias pessoas. Sendo que, esta solução difere na sua essência das situações de complexidade subjetiva já isoladas, pois que nestas, cada devedor é destinatário de normas obrigacionais, ao passo que naquelas a sua imputação opera em bloco unitário relativamente à coletividade de entes, como se um só se tratasse: o ente formado pelo conjunto de devedores é globalmente destinatário do dever de prestar132.

iii) Ou alternativamente, a instituição de um regime de solidariedade, mediante o qual o credor tributário poderá exigir a totalidade da prestação tributária a qualquer um dos devedores in solidum perante os demais, sem que este se possa eximir, ficando todos os outros liberados.

130 Cfr. MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, Op. Cit., pág. 147.

131 Cfr. ANDRADE, MANUEL, Teoria Geral das Obrigações I, Livraria Almedina, Coimbra, 1958, pág. 112.

132 Cfr. MENEZES CORDEIRO, António, Direito das Obrigações, Vol. 1, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa,

49 Como se deixou entrever, em oposição às obrigações plurais civilísticas133, o

legislador tributário português optou por desenhar um regime jurídico idêntico ao espanhol134, consagrando-se entre nós o regime regra da solidariedade passiva para as

relações tributária plurais ab initio. Sendo que, cada um dos outros regimes (conjunção e comunhão) verificar-se-ão, apenas, em caso de expressa previsão legal, conforme se retira da letra do artigo 21.º, n.º 1 da LGT: “Salvo disposição da lei em contrário, quando

os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da divida tributária”,

sublinhado nosso.

No que à pluralidade passiva originária diz respeito, verifica-se um paralelismo não apenas conceptual, mas também de regime jurídico com a Ley General Tributaria espanhola, na medida em que o seu artigo 35.7 estipula: “La concurrencia de vários

obligados en um mismo presupuesto de una obligación determinará que quedan solidariamente obligados a la Admnistración tributaria al cumplimiento de todas las prestaciones, salvo que por ley se dispnga expressamente outra cosa.”

Similar disposição encontramos no CTN brasileiro, ao consagrar no seu artigo 124.º a solidariedade em relação às pessoas que que tenham um interesse comum na situação que constitua o facto gerador da obrigação principal.

§ Tese da responsabilidade solidária: indagação

Dito isto, cumpre fazer referência a um certo sector doutrinário, nomeadamente Jorge Lopes, Diogo Leite de Campos e Benjamim Silva Rodrigues135 que parece induzir

um nexo de responsabilidade solidária ao dispositivo da citada norma. A este respeito,

133 Cujo artigo 513.º do CC estabelece natureza excecional ao regime de solidariedade (constituindo-se como regime regra as

obrigações conjuntivas), ao remeter a sua verificação por determinação da lei ou vontade das partes. Naturalmente, no terreno tributário, a verificação do regime de solidariedade (ou outro regime) apenas resultará por determinação normativa e nunca por vontade das partes, dada a restrição do princípio da autonomia privada, nomeadamente do princípio da liberdade contratual, que labora neste sector do ordenamento jurídico. No mesmo sentido Menezes Cordeiro: “No Direito Civil, a solidariedade só existe

imposta pela lei ou acordada pelas partes – art. 513º. Deve-se, assim, inferir que a regra supletiva em sede de complexidade subjetiva é a da parcieriedade”. Cfr. MENEZES CORDEIRO, António, Op. Cit., pág. 381. Idêntica formulação de ideia parece pressupor os artigos

534.º e 535.º do CC.

134 Cfr. artigo 35.7 da LGTE.

135 Mas também Casalta Nabais e Domingos Pereira de Sousa, Cfr. NABAIS, Casalta, Op. Cit., pág. 261 e seguintes e SOUSA, Domingos

50 escrevem os autores que a solidariedade resulta necessariamente da lei, tendo carácter excecional136, sem que, contudo, identifiquem o regime ordinário. Ora, em nosso

modesto entender consideramos que, contrariamente ao regime obrigacional que labora no Direito civilístico, a solidariedade consubstancia-se no regime supletivo, no regime regra das relações tributárias plurais ab initio, trata-se, pois, do regime jurídico que no silêncio da lei é ordinariamente aplicável a este tipo de configuração relacional. A supletividade do artigo 21.º, n.º 1 da LGT é estabelecida por referência a outros regimes aplicáveis às obrigações plurais, nomeadamente os da conjunção e

comunhão137 já referidos, inexistindo na citada norma correlação com o instituto da

responsabilidade tributária em sentido próprio. Julgamos ser esta a interpretação a retirar do artigo 21º, n.º 1 da LGT138, e só assim não será se, e na medida que, se

confunda ou conceda natureza distinta ao regime estatuído por aquele preceito legal, como, com devida vénia e respeito, parece ser o caso dos autores. Efetivamente, estes parecem construir o seu raciocínio a partir da ideia da estatuição de uma responsabilidade solidária139, a qual, a admitir-se, possui o enquadramento legal próprio

estabelecido pelo artigo 22.º da LGT. Ora, admitindo-se tal ideia (como parecem fazer os autores), forçosamente concordaríamos pela natureza excecional da responsabilidade solidária140 hipoteticamente prevista pelo artigo 21.º e por imposição

do número 4 do artigo 22.º da LGT. Acontece que, como já referido, o regime disposto pelo artigo 21.º não se subsume a uma Haftung, ainda que solidária, outrossim uma

Shuld. Pois, o legislador direciona a previsão normativa ao momento originário da

relação tributária, ao momento do nascimento do facto tributário e aos respetivos elementos subjetivos que o compõe nesse exato momento. Neste correr de ideias, Soares Martinez141 dá nota que, solidariedade tributária e responsabilidade solidária

não se confundem; no primeiro caso quem realiza a prestação é também devedor

136 Cfr. LEITE DE CAMPOS, Diogo, SILVA RODRIGUES, Benjamim e LOPES DE SOUSA, Jorge, Op. Cit., pág. 213 e 216. 137Cfr. PIRES, Manuel, Op. Cit. pág. 236.

138 No mesmo sentido, António Carvalho de Magalhães e Isabel Ortigão de Oliveira e Sá Coimbra anotam: “A lei estabelece no n.º 1 deste artigo a solidariedade passiva como regra para os casos em que os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a vários devedores”, Cfr. TEIXEIRA, Glória, AZEVEDO, Patrícia Anjos, Lexit . Códigos Anotados & Comentados . LGT, 1ª Edição, Ginocar

Produções, Porto, 2015, pág. 66.

139 No mesmo sentido parece apontar Casalta Nabais, não distinguindo devedores solidários de responsáveis solidários, Cfr. NABAIS,

Casalta, Op. Cit., pág. 261 e 262.

140 Contudo, trata-se de uma excecionalidade face à responsabilidade subsidiária.

141 Cfr. MARTINEZ, Soares, Op. Cit. pág. 24 e ROCHA, Joaquim Freitas da, Apontamentos De Direito Tributário (A Relação Jurídica Tributária), 2012, Braga, AEDUM, pág. 29.

51 originário, em relação a uma quota-parte dessa prestação que, pela natureza deste regime não é dividida; no segundo caso quem realiza a prestação não é, de modo algum, seu devedor originário, nem pela totalidade nem por parte dela. Neste sentido, a previsão normativa diz respeito a um débito de natureza própria e multipessoal, consequente da corealização simultânea do facto tributário por uma pluralidade de sujeitos ao invés de um nexo ulterior de respondência por débito alheio. Posto isto, na observância da factualidade prevista pela norma - verificação dos pressupostos de facto em relação a mais que uma pessoa - estatui-se o regime da solidariedade passiva, pois todas essas pessoas são codevedoras originárias ao invés de responsáveis entre si ou perante outrem e somente assim não sucederá quando a lei, casuisticamente, definir outro regime142. Os próprios autores assertivamente declaram que o caso sub judice “é

o de os sujeitos terem realizado conjuntamente o facto tributário ao qual a lei liga o nascimento da obrigação tributária”143. Porém, não retiram, ao que parece, apropriada

conclusão do desiderato, que reside no afastamento do nexo técnico-jurídico de responsabilidade solidária. É neste sentido que o regime obrigacional previsto pelo artigo 21.º parece-nos insuscetível de reconduzir-se à responsabilidade solidária em sentido técnico-jurídico enquanto subespécie do instituto da responsabilidade tributária genericamente enquadrado pelo artigo 22.º da LGT, inexistindo, por essa razão, excecionalidade do regime previsto no artigo 21.º da LGT, dado que este é um regime distinto e dotado de pressupostos, natureza e destinatários que não se confundem com a responsabilidade tributária.

Em suma, a responsabilidade tributária em sentido próprio depende do preenchimento de determinados pressupostos legais, ao passo que extravasa o princípio da capacidade contributiva como pressuposto e critério na criação dos impostos assentes na tipificação legal dos factos tributários a que se refere o número 1 do artigo 21.º da LGT.

142Regime que, por estarmos da presença de um débito plural de natureza própria e pessoal, haverá de ser o da conjunção ou da comunhão obrigacional e não o da responsabilidade tributária.

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