• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – DIMENSÃO PASSIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

2. Diferentes vínculos jurídicos passivos

2.3. Sujeito passivo em sentido restrito

Ultimamente temos o sujeito passivo em sentido restrito ou próprio79. Este é a

pessoa que por força da lei está adstrita ao cumprimento de obrigações tributárias, seja à prestação do tributo propriamente dito, seja às demais obrigações acessórias e declarativas80, isto é, a definição de sujeito passivo surge como contraponto natural da

noção que a lei fornece de sujeito ativo81, coincidindo, grosso modo, com o devedor

tributário. Porém, recorde-se o anterior exemplo relativo aos impostos sobre o consumo segundo o qual, por efeito da repercussão, o consumidor final é o suportador económico do imposto, sem que no entanto se encontre sujeito qualquer outro tipo obrigação em sede tributária, quer seja de repercussão legal ou quer seja de natureza acessória como entrega de declarações à autoridade tributária, pelo que pela nossa parte, erradamente se anda ao atribuir a qualidade de sujeito passivo ao repercutido e ao consumidor final

77 Radicada na doutrina obrigacionista alemã. 78 Cfr. TEIXEIRA, António Braz, Op. Cit., pág. 176.

79 Segundo a distinção subjetiva apontada por Alberto Xavier e José Casalta Nabais.

80 Podemos dizer que daqui que decorre a divisão dicotómica estabelecida por Saldanha Sanches entre sujeito passivo de relações

formais e de relações materiais, reconduzindo-se os primeiros às situações de sujeição a deveres de cooperação e os segundos a um puro dever de prestar de natureza pecuniária (em que se traduz a obrigação tributária em sentido estrito). V. SANCHES, Saldanha, Op. Cit., pág. 254 e seguintes.

81 Segundo Sérgio Vasquez, sujeito ativo tributário é a pessoa a quem assiste o direito de exigir a prestação tributária, sujeito passivo

a pessoa vinculada perante aquele à sua realização. V. VASQUES, Sérgio, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2015, Coimbra, pág. 380.

31 em particular, não sendo este mais que um contribuinte a título indireto, isto é, o titular da manifestação da capacidade contributiva traduzida no ato de consumo que se visa tributar82. Aliás, o contribuinte indireto maxime consumidor final não é titular de

qualquer situação jurídico-tributária, porquanto entendemos que, na qualidade de repercutido, o consumidor final está à margem da relação tributária, embora não se encontre por isso à margem do direito, como já demos devida nota83. Rigorosamente, a

relação jurídica tributária é estabelecida, no caso paradigmático do IVA, entre os sujeitos passivos exaustivamente elencados no artigo 2.º do CIVA e o sujeito ativo tributário e não entre este e o repercutido ou consumidor final. É que, nos impostos sobre o consumo, há um sujeito passivo do imposto, que é quem o vai entregar ao Estado; e um sujeito passivo de uma obrigação legal, não perante o Estado, mas sim perante o sujeito passivo tributário, a cargo do titular da capacidade contributiva traduzida no ato de

consumo titulado por quem objetivamente o efetuou84. Consequentemente, o sujeito

passivo do imposto é legalmente obrigado a entregar o montante do imposto, mas como não é o titular da capacidade contributiva, esse montante deve ser-lhe entregue pelo titular dessa capacidade, por efeito da repercussão, concretizando-se por essa forma o princípio da igualdade tributária, assente no pressuposto e critério da capacidade contributiva. O repercutido, aqui em termos da última pessoa na cadeia produtivo- comercial, não tem qualquer obrigação perante o sujeito ativo tributário.

Naturalmente que a posição jurídica do adquirente de bens e serviços e do consumidor particular não é de ignorar, com efeito, existe entre estes e o vendedor/prestador de serviços - sujeito passivo tributário85 - uma relação jurídica,

todavia essa relação situa-se fora do domínio tributário, transladando-se para o campo da relação creditícia privada. A este respeito, tem-se entendido que o mecanismo jurídico da repercussão não se relaciona com o sujeito ativo tributário, mesmo na

82 Diferentemente V. DOURADO, Ana Paula, Op. Cit., pág. 79.

83 Como anteriormente havíamos referido. No entanto, nesta lógica de ideias acrescentamos ainda VASQUES, Sérgio, Op. Cit., pág.

400.

84 Cfr. CAMPOS, Diogo Leite, RODRIGUES, Benjamim Silva, LOPES DE SOUSA, Op. Cit., pág. 188.

85 Naturalmente que nesta sede não nos dedicaremos às situações subjetivas de cariz excecional no âmbito do IVA. Situações essas

em que o adquirente dos bens ou serviços apresenta-se na qualidade de sujeito passivo. Falamos do mecanismo jurídico do reverse

charge presente no IVA. Isto é, aqueles casos em que por razões de praticabilidade ou anti elisão fiscal, o legislador inverteu o dever

de liquidação do imposto, movendo do transmitente (titular do output) para o transmissário dos bens ou serviços (titular do input), cujo exemplo mais paradigmático é o que se refere o artigo 2.º, n.º 1 al. j) do CIVA – nas prestações de serviços de construção civil efetuada entre sujeitos passivos (business to business), nas quais o adquirente desses serviços terá a obrigação de autoliquidação do imposto sem, contudo, perder o correlativo direito à dedução nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA.

32 situação em que a repercussão opera entre sujeitos passivos do imposto, isto é, dentro do ciclo económico-produtivo dos bens e serviços. Enfim, tem-se optado por perceber a repercussão e a relação entre o sujeito passivo do imposto e o repercutido maxime consumidor final, como um fenómeno jurídico exterior à relação jurídica tributária, porquanto se tratam de relações reguladas pelo direito civilístico86. Entendimento este

que também nos parece ser o mais consentâneo com a hermenêutica do artigo 18.º, n.º 4, al. a) LGT cujo texto normativo prescreve que “não é sujeito passivo quem suporte o

encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos ermos das leis tributárias.”

Por fim, fazemos uma breve referência aos casos em que o devedor do imposto não coincide com o sujeito passivo, sendo o exemplo mais paradigmático o das sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal87. Segundo este regime, estas

sociedades embora sujeitos passivos de IRC, não se consubstanciam em devedoras desse imposto, uma vez que os lucros destas sociedades são tributados na esfera patrimonial dos seus sócios a título de IRS.

Conclusivamente, a LGT fornece uma definição ampla e positiva de sujeito passivo no número 3 do seu artigo 18.º, e uma definição negativa no seu número 4. Com efeito, estabelece este normativo que não é sujeito passivo quem: i) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; e ii) deva prestar informações sobre assuntos tributários de terceiros, exibir documentos, emitir laudo em processo administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho.

A mencionada consideração dos responsáveis tributários como sujeitos passivos, que resulta da LGT, não é, todavia, uma solução universal, constatando-se alguma indefinição legal e doutrinária a esse respeito.

Assim, de acordo com o artigo 35.º, n.º 1 da LGT espanhola, são obrigados tributários as pessoas físicas ou jurídicas e as entidades às quais a norma tributária

86 Cfr. CAMPOS, Diogo Leite, RODRIGUES, Benjamim Silva, LOPES DE SOUSA, Op. Cit., pág. 190. 87 Reguladas nos artigos 6.º e 12.º do CIRC e 20.º CIRS.

33

impõe o cumprimento de obrigações tributárias, concretizando o número dois os

diversos tipos de obrigados tributários espanhóis, não constando desse elenco os responsáveis tributários. Por outro lado, dispõe o artigo 41.º, numa inserção sistemática apartada, que a lei poderá configurar como responsáveis solidários ou subsidiários da

divida tributária, junto aos devedores principais outras pessoas ou entidades. Para estes efeitos, se consideram devedores principais os obrigados tributários do apartado 2 do artigo 35 desta lei.

Devido a esta coexistência de devedores, o responsável não é em nenhum caso sujeito passivo do tributo, tão pouco devedor principal, que apenas o serão aqueles que a lei haja designado como tais88. Ou seja, segundo a lei espanhola, existem obrigados ou

devedores tributários, como por exemplo os responsáveis, que não são sujeitos passivos, mas, convergindo com a lei vigente portuguesa, o contribuinte distingue-se do substituto, ambos fazendo parte de uma categoria comum: o sujeito passivo.

Ainda sobre a classificação espanhola de sujeitos passivos, Ramón Falcon y Tella, no mesmo sentido dos anteriores autores, refere que a expressão sujeito passivo em sentido restrito do art. 36.1 LGT (espanhola) se reserva para o devedor principal e para a obrigação tributária principal, seja ele contribuinte ou substituto. Todavia, o autor critica a formulação legal da LGTE, declarando que a enumeração do seu artigo 35.2 é muito deficiente, nomeadamente porque deixa de fora os responsáveis (art. 35.5) que para o autor são sujeitos passivos (devedores) da obrigação tributária principal89.

§ Da personalidade e capacidade tributária passiva

Mas, não podemos concluir a teorização, ainda que sintética, da noção de sujeito passivo tributário sem referir duas realidades a ela e entre si indissociáveis – a personalidade tributária e a capacidade tributária previstas nos artigos 15.º e 16.º da LGT, respetivamente. Tomando em linha de conta estes dois pressupostos tributários,

88 Cfr. QUERALT, Juan Martín, SERRANO, Carmelo Lozano, LÓPEZ, José M. Tejerizo, OLLERO, Gabriel Casado, Op. Cit., pág. 288. 89 TELLA, Ramón Falcón y, Derecho Financiero y Tributario, 6ª Edición, Servicio Publicaciones Facultad Derecho Universidad

34 podemos inferir uma noção sujeito passivo em termos ainda mais amplos dos que fizemos referência até esta parte. Desta feita, dita amplitude passiva não deriva exclusivamente do abarcamento de subcategorias e conceitos menores subjetivos, sejam eles normativos (artigo 18.º, n.º 3 in fine da LGT) ou sejam resultado de construções doutrinárias90. Reconduziremos, agora, a nossa atenção à primeira parte do

supracitado normativo.

Efetivamente, a LGT diz-nos que o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável tributário. Pois bem, de salientar é que a interpretação destas realidades subjetivas não deve operar-se ao exclusivo abrigo dos conceitos e institutos jurídicos do direito privado, nomeadamente no que tange à teoria geral do direito civil. É que, apesar da arquitetura da relação jurídica tributária suportar-se nas traves mestras da relação jurídica obrigacional civilística, a primeira apresenta-se munida de importantes especificidades próprias do ramo do Direito público no qual se insere. Neste sentido, ao analisarmos a incidência subjetiva dos diferentes tributos não podemos olvidar que os conceitos e noções relativos à personalidade e capacidade jurídica privada devem ser encarados, grosso modo, enquanto pontos referenciais à suscetibilidade de titularidade e capacidade tributárias passivas, e não como conditio sine qua non, uma vez que neste domínio consagram-se relevantes desvios ao positivado pela teoria geral do direito civil. Em termos sintéticos tais desvios justificam-se pela ideia da prevalência do substrato económico dos factos tributários sobre a sua forma jurídica91, evitando-se

o tratamento desigual de realidades materialmente iguais e por outro lado como meio obstativo ao contornamento da incidência da lei tributária por parte dos sujeitos passivos, protegendo-se assim o crédito tributário cuja natureza não podemos desprezar: trata-se de um crédito, um direito público.

Dispõe-se no artigo 15.º da LGT que a personalidade tributária consiste na suscetibilidade, em abstrato, de ser-se sujeito de relações jurídico-tributárias. E por

90 Como a distinção conceptual entre contribuinte, devedor e sujeito passivo apontada por Alberto Xavier e José Casalta Nabais, ou

aquela que é considera apenas a existência de sujeitos passivos originários e não originários como professa Soares Martinez e Ana Paula Dourado.

35 capacidade tributária, a possibilidade de per si praticar atos que produzam efeitos jurídicos substanciais ou formais na relação jurídica tributária (artigo 16.º da LGT). Por defeito, a personalidade tributária confere capacidade tributária nos termos do artigo 16º, n.º 2 da LGT.

Em princípio, no plano da tendencial normalidade, a personalidade tributária coincide com os pressupostos previstos para a personalidade jurídica privatística, a qual de certo modo, pode dizer-se a personalidade jurídica geral do nosso ordenamento jurídico, das pessoas singulares e das pessoas coletivas. Não cuidaremos aqui de analisar e densificar os pressupostos à personalidade e capacidade jurídica civil (e mesmo tributários) por extrapolarem o objeto do presente trabalho, porquanto procuraremos traçar um quadro geral expositivo das principais situações de inexistência de sintonia entre as realidades tributárias e civis neste domínio.

Conforme referimos, em regra, a personalidade tributária deriva da personalidade jurídica, o que relativamente às pessoas singulares vale por dizer que são suscetíveis de serem titulares de relações jurídicas tributárias (direitos e deveres

tributários) na medida em que possuam personalidade jurídica nos termos do disposto

no artigo 66.º do CC. Dito por outra forma, as pessoas físicas com nascimento completo e com vida possuem personalidade tributária e, por inerência do número 2 do artigo 16.º da LGT, são detentoras de capacidade tributária de gozo92. Porém, situações

existem em que esta identidade de personalidades é afastada pela lei. Exemplo clássico disso é o das pessoas coletivas, nomeadamente das sociedades deficientemente constituídas, que embora desprovidas de personalidade jurídica nos termos da legislação comercial, podem ser titulares de situações tributárias passivas ou ativas, nomeadamente para efeitos de IRC e IVA. Trazemos, pois, à barra a situação comummente debatida e conhecida do nosso ordenamento jurídico-tributário – as sociedades irregulares. Efetivamente o artigo 2.º do CIRC93 corporiza um importante

92 O que é diferente de dizer que essas pessoas possuem capacidade de exercício.

93 A equiparação expressa das entidades de facto, designadamente das denominadas sociedades irregulares a pessoas coletivas

para efeitos de IRC, veio colocar um ponto final à discussão doutrinal sobre a admissibilidade da personalização tributária destas realidades patrimoniais autónomas. Por todos V. XAVIER, Alberto, Op. Cit., pág.355 e seguintes e CARDOSO DA COSTA, José Manuel M., Op. Cit., pág. 261 e seguintes.

36 desvio à correspondência da personalidade tributária com a personalidade jurídica, equiparando a pessoas coletivas para efeitos de IRC:

- As entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributados em IRS ou IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou coletivas, em que se consideram incluídas, designadamente, as heranças jacentes, as pessoas coletivas em relação às quais seja declarada a invalidade, as associações e sociedades civis sem personalidade jurídica e as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, anteriormente ao registo definitivo94, conforme artigo 2.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do CIRC;

- As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS, conforme artigo 2.º, n.º 1 al. c) do CIRC.

Por sua banda, não obstante o disposto no número 2 do artigo 16.º da LGT, nem sempre à personalidade tributária corresponde a capacidade tributária, ou seja, nem sempre o sujeito passivo, titular de direitos e deveres tributários, é suscetível de possuir capacidade de os exercer de per si.

Primacialmente este tema reconduz-se à incapacidade dos menores, interditos e inabilitados, que apesar de possuírem personalidade e capacidade de titularidades jurídicas carecem da correspetiva capacidade de exercício. Para a supressão destas incapacidades de exercício a lei tributária95 remete para as regras do direito civil,

nomeadamente para a teoria geral da representação legal. Sendo que, no caso dos menores, os atos em matéria tributária devem ser praticados por quem exerce o poder paternal sobre o menor, sendo este representado regra geral pelos seus pais de acordo com estipulado pela conjugação do artigo 16.º n.º 1 e 3 da LGT com o artigo 124.º do CC. Por sua vez a incapacidade dos interditos e inabilitados é suprida mediante os

94 Relativamente às sociedades comerciais estabelece o artigo 5.º do CSC: “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras.”

37 institutos jurídicos da tutela96 e curatela97, respetivamente. Os atos em matéria

tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei.

No que tange aos entes desprovidos de personalidade jurídica, nomeadamente no que tange ao exercício dos direitos e deveres tributários por parte das sociedades irregulares e outros entes de facto como as heranças jacentes, eles deverão ser praticados pelas pessoas que administrem os respetivos interesses, conforme resulta do número 3 do artigo 16.º da LGT98.