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A Revolução Francesa e a proteção do patrimônio histórico

1. A FORÇA DO PATRIMÔNIO

1.3. A Revolução Francesa e a proteção do patrimônio histórico

A Revolução Francesa que eclodiu no final do século XVIII não só modificou completamente o sistema político vigente naquele país, mas serviu inclusive de inspiração para a transformação política em outros países.

Durante o seu desenrolar com as alternâncias ocorridas durantes o período revolucionário foi gradativamente sendo gestada uma configuração de utilização dos bens patrimoniais que se tornaria posteriormente modelo para outras nações. “O melhor exemplo de criação do Estado nacional moderno talvez seja a França, a partir da revolução de 1789. Não por acaso, como veremos, foi lá que se desenvolveu o moderno conceito de patrimônio” (FUNARI, 2006, p. 15).

Toda a agitação oriunda do movimento revolucionário francês serviu como elemento para o aparecimento da necessidade de se pensar a destinação dos bens oriundos da realeza, nobreza e do clero. Para Durkheim, momentos de grande ebulição como a revolução francesa, são propícios para o surgimento de grandes ideais.

10 Acredita-se que o inventor do termo tenha sido o antiquário e naturalista Aubin-Louis Millin ao

apresentar em 11 de dezembro de 1790 o seu trabalho intitulado Antiqués Nationales ou Recuel de monuments (CHOAY, 2006, p. 96).

É, com efeito, nos momentos de efervescência desse tipo que sempre foram estabelecidos os grandes ideais sobre os quais se baseiam as civilizações. Os períodos criadores ou inovadores são precisamente aqueles em que, sob a influência de circunstâncias diversas, os homens são levados a aproximar-se mais intimamente, onde as reuniões, as assembléias são mais freqüentes, as relações mais seguidas, as trocas de idéias mais ativas: é a grande crise cristã, é o movimento de entusiasmo coletivo que, nos séculos XII e XIII, arrastou para Paris a população estudiosa da Europa e deu nascimento à escolástica, é a Reforma e a Renascença, é a época revolucionária, são as grandes agitações socialistas do século XIX. (DURKHEIM, 1970, p. 58).

Entretanto, antes do início da criação de mecanismos de proteção do patrimônio, houve momentos de intensa destruição de inúmeros bens patrimoniais. A revolução francesa ao revogar do poder a monarquia absolutista e por fim aos privilégios nobiliárquicos se defrontou com uma situação controvertida: a destinação dos bens pertencentes à nobreza, ao clero e à realeza. Ainda no ano de 1789, o governo revolucionário tomou uma decisão sobre a destinação de tais bens.

Um dos primeiros atos jurídicos da Constituinte, em 2 de outubro de 1789, foi colocar os bens do clero “a disposição da nação”. Vieram em seguida os dos emigrados, depois os da Coroa. Essa fabulosa transferência de propriedade e essa perda brutal de destinação eram sem precedentes e trouxeram problemas também sem precedentes (CHOAY, 2006 p. 98).

Com essa decisão do governo revolucionário os bens do clero, emigrados11 e da Coroa, ficaram sem uma destinação específica, pois “a disposição da nação” não colocava de forma clara a destinação que teriam estes bens expropriados. E para complicar ainda mais a situação, não fazia nenhuma distinção entre os bens considerados de valor patrimonial dos demais bens que compunham o espólio dos antigos proprietários.

Essa situação de incertezas acabou por gerar um sério problema para a manutenção de bens considerados de valor patrimonial. Inúmeros vinham sendo destruídos devido a sua simples existência ser alçada como um elemento de continuação do regime anterior.

11 Franceses que decidiram sair da França devido à crescente força da onda revolucionária, em geral

se transferiram para outros países europeus esperando a estabilização institucional do país. “Cerca de 300 mil franceses emigraram entre 1789 e 1795” (HOBSBAWM, 1977, p. 99).

Na França, no final do Antigo Regime, a monarquia, influenciada pelas idéias iluministas, tomou iniciativas no sentido de dar acesso a seus acervos através da criação de museus. Com a instauração de um novo Estado, em 1789, e a derrubada do poder da aristocracia e da Igreja, a questão assumiu dimensões mais complexas: em primeiro lugar, havia o problema econômico de gerir os bens confiscados aos nobres e ao clero; em segundo lugar, simbolicamente, essa proteção era, em princípio, contraditória com os ideais revolucionários de instauração de um poder popular e de uma nova era, livre da opressão dos antigos dominadores. O projeto de inaugurar um novo tempo (inclusive com um calendário e símbolos próprios) justificava, aos olhos da população, a destruição dos bens identificados com aqueles dois grupos sociais (FONSECA, 2005, p. 58).

Por serem considerados símbolos da opressão dos grupos detentores do poder durante o Antigo Regime, os bens destes grupos sociais começaram a ser considerados como sombras ao novo regime que estava sendo implantado.

O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, o do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama de conformismo lógico, quer dizer, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências (BOURDIEU, 2005, p. 9).

Nesta perspectiva, deveriam ser eliminados no intuito de se exterminar por completo o regime anterior. Assim, não havia uma distinção entres espécies de bens, no intuito de se proteger aqueles que possuíssem um valor patrimonial, todos os que antes pertenciam aos segmentos considerados opressores eram passíveis de destruição para que se apagasse qualquer reminiscência (CHOAY, 2006, p. 107- 108).

É importante se ressaltar que não foram apenas pessoas participantes da base do movimento revolucionário os responsáveis por atos de destruição de bens patrimoniais. A própria revolução (em âmbito institucional) também teve participação ativa na destruição e eliminação de muitos bens oriundos da nobreza e do clero, na medida em que seus líderes não tomavam medidas capazes de conter o perecimento de obras de arte e construções históricas consideradas como verdadeiros patrimônios.

Com relação às situações que originaram as destruições ocorridas neste momento, Françoise Choay faz uma distinção entre as duas formas de vandalismo contra o patrimônio. Haveria em sua concepção uma forma de destruição baseada em fins econômicos que não detinha qualquer relação com os ataques ideológicos promovidos tanto por parte de indivíduos na esfera privada quando do Estado revolucionário (CHOAY, 2006, p. 105). Essa distinção traçada pela autora é vital para se compreender as diferenças de proteção efetuadas ao patrimônio durante a Revolução Francesa. Ainda de acordo com Choay havia duas maneiras de proteção ao patrimônio: a preventiva e a reacional.

As medidas imediatas, tomadas desde o começo da Revolução, para a proteção do patrimônio nacionalizado, derivam de uma conservação que chamo de primária ou preventiva. Por oposição, chamo de secundária ou reacional uma conservação cujos procedimentos, foram elaborados para enfrentar o vandalismo ideológico que causou estragos a partir de 1792 (CHOAY, 2006, p. 105-106).

Essa diferença no tratamento dos bens patrimoniais da antiga nobreza e do clero tinha como fundo, a diferença do motivo pelo qual os bens eram destruídos, ou seja, se a causa era centrada no fator econômico ou teria como fundamento fator ideológico.

Assim, é fundamental se perceber no que estava baseado o ato de destruição dos bens patrimoniais para se entender as medidas posteriormente adotadas para a sua salvaguarda e preservação.

Com relação à questão econômica, esta se ligava sobremaneira a destinação de propriedades imóveis da nobreza e clero (como terras, castelos, igrejas, entre outros). Diversas destas propriedades foram divididas entre os membros da revolução, os bens dispersos ou aproveitados para outros fins.

Assim, por toda a França, nas cidades e no campo, aqueles que adquiriram bens nacionais puderam, impunemente, para lotear o terreno ou para converter em materiais de construção, destruir alguns dos mais prestigiosos monumentos – o que aconteceu com a abadia de Cluny é testemunha da longevidade desse comportamento (CHOAY, 2006, p. 106).

Além destes eventos promovidos em geral por indivíduos, o próprio governo revolucionário também contribuiu para a destruição de inúmeros bens patrimoniais. “[...] o próprio Estado revolucionário havia ordenado, por decreto, ações destrutivas destinadas a subvencionar despesas e equipamentos militares, as quais, em outra escala inscreviam-se numa tradição familiar ao Antigo Regime” (CHOAY, 2006, p. 106).

Se os fins econômicos foram determinantes para a destruição de bens patrimoniais durante o período revolucionário, também o fator ideológico contribui sobremaneira para a perda de bens que compunham o patrimônio da França. “[...] a destruição ideológica de que foi objeto uma parte desses bens, a partir de 1792, particularmente sob o Terror e governo do Comitê de Salvação Pública” (CHOAY, 2006, p. 97).

O fator ideológico tinha em seu âmago a vontade de extinguir qualquer elemento que pudesse estar relacionado com o Antigo Regime. Choay, afirma que a situação geradora do estopim para o crescimento do vandalismo ideológico foi “provocada pela fuga do rei, preso em Varennes em 20 de junho de 1792” (2006, p. 107).

A partir deste momento o governo revolucionário começou a promover uma campanha contra elementos que pudessem expressar qualquer forma de lembrança ao regime realista. A tentativa de fuga do rei para o exterior no intuito de montar um exército contrarrevolucionário fez surgir o temor que era factível um contragolpe dos realistas, então, impõe-se à necessidade de se eliminar completamente todos os vestígios do regime anterior para impedir a volta do Absolutismo. Nesta perspectiva, se iniciou o processo de eliminação de resquícios do regime anterior, a começar pelo próprio rei, que logo em seguida referido incidente é julgado e condenado a pena de decapitação.

O rei, a nobreza francesa e a crescente emigração aristocrática e eclesiástica, acampados em várias cidades da Alemanha Ocidental, achavam que só a intervenção estrangeira poderia restaurar o velho regime. Esta intervenção não foi muito facilmente organizada, dadas as complexidades da situação internacional e a relativa tranqüilidade política de outros países. Entretanto, era cada vez mais evidente para os nobres e

os governantes por direito divino de outros países que a restauração do poder de Luís XVI não era meramente um ato de solidariedade de classe, mas uma proteção implorante contra a difusão de idéias perturbadoras vindas da França. Conseqüentemente, as forças para a reconquista da França concentram-se no exterior (HOBSBAWM, 1997, p. 99).

Com a prisão e decapitação de Luís XVI, inicia-se em seguida o denominado período jacobino da revolução. Neste os bens da antiga camada dominante do poder passam a ser destruídos com a chancela do governo revolucionário.

Só então o poder revolucionário aprovou e estimulou a destruição ou danificação do patrimônio nacional histórico por razões ideológicas. Em 4 de agosto de 1792, a Assembléia Legislativa promulga um decreto sobre a “eliminação dos monumentos, resíduos do feudalismo e, sobretudo, dos monumentos de bronze de Paris”. Um mês depois, no 18 vendemiário do ano II, a Convenção decreta que “todos os sinais da monarquia e do feudalismo” serão destruídos “nos jardins, parques, recintos e edifícios”. O decreto mais radical ordena, em 1º de novembro de 1792, que todos os monumentos do feudalismo sejam “convertidos em peça de artilharia ou destruídos” (CHOAY, 2006, p. 107).

Diante da adoção deste decreto, a situação perpassada pelos bens patrimoniais oriundos da nobreza e do clero, legitima-se os atos de destruição por motivação ideológica. Essa ação contra os bens históricos se perfaz em razão da próprio momento de transformação social em curso no processo revolucionário.

Assim, seja por razões de ordem econômica ou por caráter ideológico, ocorre a destruição de inúmeros bens patrimoniais na França. Ante ao exposto sobre os atos de destruição de bens patrimoniais durante o período revolucionário, é possível se propor a seguinte questão: por qual a motivo o próprio governo revolucionário em uma fase posterior vai propor a proteção de tais bens com base no decreto de 1789 que colocou os bens do clero, da coroa dos nobres emigrados à disposição da nação? Deste questionamento inicial se pode conceber outra indagação também de suma importância para reflexão. Que elementos foram capazes de alterar a destruição do patrimônio por sua proteção?

É crível se pensar em alguns motivos, como a mudança na direção do movimento revolucionário, com o fim do período do jacobino, que colocou a

revolução francesa em novos rumos, consubstanciando-se na diminuição da efervescência revolucionária.

No nono Termidor pelo calendário revolucionário (27 de julho de 1794), a Convenção derrubou Robespierre. No dia seguinte, ele, Saint-Just e Couthon foram executados, e o mesmo ocorreu alguns dias depois com 87 membros da revolucionária Comuna de Paris (HOBSBAWM, p. 1977, p. 107-108).

Além da mudança ocorrida no interior da revolução com o fim do período jacobino, mas uma questão de grande importância pode ser alçada acerca da destruição de bens patrimoniais na França para a compreensão da mudança valorativa sobre os bens de caráter patrimonial oriundos dos antigos detentores do poder na França.

Suponha-se que o processo de destruição, em especial o de caráter ideológico conseguisse como era o objetivo de seus executores, por fim a todos os bens patrimoniais dos antigos detentores do poder na França, ou seja, os bens do clero, nobreza e da antiga realeza. E que estes bens, muitos desses objetos relacionados como símbolos reminiscentes do antigo regime, mas que se confundiam com elementos representativos da própria França, também fossem todos destruídos. Cabem então, duas singelas indagações: o que restaria para o novo regime que se formava utilizar como símbolo da identidade francesa? E o que poderia ser alçado como elemento de afirmação e diferenciação do povo francês se seus anteriores símbolos e objetos fossem completamente eliminados? Esses questionamentos são basilares para se compreender como no fim do período revolucionário emerge a preocupação de se pensar em quais elementos o novo regime se utilizaria para fundamentar e instrumentalizar a identidade do povo francês.

Os atos de vandalismo, que se intensificaram após a prisão do rei em Varennes, repugnavam aos eruditos e contrariavam os ideais iluministas de acumulação e difusão do saber. Por esse motivo, desde 1789, o governo revolucionário tentou regulamentar a proteção dos bens confiscados, justificando essa preocupação pelo interesse desses bens para a instrução pública (FONSECA, 2005, p. 58).

Assim, o governo revolucionário decidiu alçar tais bens à propriedade do Estado Francês. Deixavam, na perspectiva jurídica, de serem bens representativos do antigo regime e passariam a integrar a propriedade de todo o povo francês, através da tutela estatal. A modificação do status quo de tais bens é gritante, tais bens são elididos juridicamente da esfera imagética de representarem o Antigo Regime e são através da tutela estatal imbuídos de um novo significado para serem alçados como elementos de identidade de todo o povo francês.

O valor primário do tesouro assim devolvido a todo o povo Frances é econômico. Os responsáveis adotam o imediatamente, para designá-lo e gerenciá-lo, a metáfora do espólio. Palavras-chave: herança, sucessão, patrimônio e conservação. Eles transformaram o status das antiguidades nacionais. Integradas aos bens patrimoniais sob o efeito da nacionalização, esta se metamorfosearam em valores de troca, em bens materiais que, sob pena de prejuízo financeiro, será preciso preservar e manter. Não dependem mais de uma conservação iconográfica.

Poder mágico da noção de patrimônio. Ela transcende as barreiras do tempo e do gosto. Na categoria de bens imóveis, engloba, com as antiguidades nacionais, as greco-romanas e, sobretudo, uma herança arquitetônica moderna, às vezes mesmo contemporânea. Kersaint “lembra toda a França (...) a Biblioteca Nacional, o Jardin des Plantes, Les Invalides, o Observatório, a Monnaie, o soberbo palácio onde a nação aloja seus reis, as academias e a universidade” (CHOAY, 2006, p. 98).

Essa modificação sobre a propriedade dos bens representativos do Antigo Regime, sendo destituídos dos membros dos grupos detentores de poder e repassados para a esfera de tutela direta ou indireta do Estado, com o fundamento de ser propriedade de toda a coletividade do povo francês, criou uma nova situação sobre a propriedade de bens que por sua natureza distinta dos demais eram considerados dotados de um valor excepcional devendo ser de usufruto da sociedade e protegidos para a posteridade. “[...] o entendimento de que o patrimônio é depositário de um interesse coletivo, relacionado à identidade nacional. A partir desse momento, tornou-se uma representação coletiva” (MEIRA, 2008, p. 63).

Traçando-se um paralelo como o caso do acervo arquitetônico e paisagístico do centro histórico de São Luís pode se perceber como no caso local o patrimônio teve uma formação similar. Os casarões que foram de propriedade dos

grupos de maior poder econômico e político no Estado ao serem alçados à categoria de bens patrimoniais tornam-se direito de fruição coletiva de toda a sociedade.

A idéia de posse coletiva como parte do exercício da cidadania inspirou a utilização do termo patrimônio para designar o conjunto de bens de valor cultural que passaram a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos. A construção do que chamamos de patrimônio histórico e artístico nacional partiu, portanto, de uma motivação prática – o novo estatuto de propriedade dos bens confiscados – e de uma motivação ideológica – a necessidade de ressemantizar esses bens (FONSECA, 2005, p. 58).

Pode-se inferir a partir do caso Francês que o surgimento do moderno conceito termo patrimônio está intimamente relacionado aos eventos e principalmente aos desdobramentos oriundos da Revolução Francesa.

A idéia de um patrimônio da nação, ou “de todos”, conforme o texto legal, homogeneíza simbolicamente esses bens heterogêneos e de diferentes procedências, que passam a ser objeto de medidas administrativas e jurídicas: formulação de leis, decretos, prescrições, criação de comissões especificas, instituição de práticas de conservação (inventário, classificação, proteção) e, principalmente, definição de um campo de atuação política. Paralelamente, criou-se uma ordem discursiva própria, um corpo de conceitos. Aos critérios tipológicos dos antiquários foi acrescentado um novo: a distinção entre bens móveis e imóveis, em função de exigências distintas de conservação. Para os primeiros foram criados museus, para os segundos se apresentava o problema complexo de sua reutilização (FONSECA, 2005, p. 58).

A forma de atuação do Estado Nacional na França edificou um modelo de gestão de bens considerados patrimônio da nação e é um bom exemplo de como o conceito de patrimônio foi construído socialmente como um símbolo de identidade nacional. Percebe-se também em outros casos, como o Estado tinha a necessidade de se constituir com a formação homogênea de um conjunto de cidadãos unidos através da língua, cultura e território comum.

Existe, por certo, uma constante interação entre esses diversos elementos, mas o político pode servir-lhes de base. Como no caso da constituição do Estado nacional. É claro que existe o exemplo francês, ou mesmo o inglês, que foi centralizador desde muito cedo. Mas foi no decorrer do século XIX e, mais precisamente, durante os últimos anos da década de 1840, na Europa, que vimos afirmar-se com vigor o sentimento nacional ou nacionalista.

Assim, as diversas particularidades regionais, as especificidades locais, os vários dialetos, os usos e costumes, os estilos de vida e até as instancias de gestão ou governos provinciais, suprimidos, em prol dos Estados nacionais e de seus órgãos representativos. E isso, em nome dos valores universalistas e tendo por motivação uma organização racional da sociedade (MAFFESOLI, 2004, p. 13-14).

A apropriação de determinados bens pelo Estado constituiu-se em um fator prioritário, no intuído de se promover uma diluição das localidades e em seu lugar efetivar a criação de uma unidade nacional. Neste momento, o risco da perda de bens considerados úteis à formação de um ideal de Nação, é caracterizado como algo nocivo à consolidação do próprio Estado. Assim, se mostra indispensável ao mesmo elaborar medidas capazes de prover a preservação do patrimônio da França através da constituição de leis e órgãos exclusivos para o tema.

A Revolução Francesa viria a destruir os fundamentos do antigo regime. Ao acabar com o rei, toda a estrutura do Estado perdia a razão de ser. A República criava igualdade, refletida na cidadania dos homens adultos. E precisava criar os cidadãos, fornecer meios para que compartilhassem valores e costumes, para que pudessem se comunicar entre si, para que tivessem um solo e uma origem supostamente comuns (FUNARI, 2006, p. 15).

Nesta perspectiva, o patrimônio era um elemento de grande importância como um meio a auxiliar no processo de consolidação do Estado Nacional, pois os