• Nenhum resultado encontrado

A 7 de setembro de 1989 viria a conquistar, pelos originais desta obra, a “Maçã de Ouro” da Bienal Internacional de Bratislava, com a qual granjeara um prestígio

3. Nas fronteiras do álbum

3.3. A série “Tobias”: unidade e diversidade

Com um fito não apenas estético como também comercial (e extraliterário), as séries e as sequências narrativas caracterizam-se, fundamentalmente, por girarem em torno de uma mesma personagem; um elo, entre outros elementos151, comummente reforçado pelo título. São esses os casos das duas coleções de álbuns assinadas por MB, as já mencionadas “Tobias” e “Bublina”, e cuja densidade estrutural, no caso da primeira, justifica o seu destaque neste espaço.

No álbum, onde o espaço e o tempo são circunscritos, e não raras vezes condensados num único episódio, as formas seriadas são, em detrimento das sequências, as que maior sucesso têm no sustento de uma continuidade narrativa, visto possibilitarem uma infinidade de acontecimentos ou aventuras. Ao contrário da sequência, e apesar de nela subsistirem «elementos de continuidade e redundância entre as várias narrativas que a constituem» (Reis & Lopes, 2011: 378), a série encerra em cada título uma história autónoma, sem pressupor uma relação organizacional entre os diversos volumes, nem implicar, por isso, uma ordem de leitura.

151

Na série romanesca, poderão servir de laços entre os diversos romances, tanto as personagens, como os espaços, o tempo histórico, entre outras características (Reis & Lopes, 2011), porém, no caso da narrativa infantil, a personagem será a mais comum (Nikolajeva e Scott, 2006).

158

Além do mais, enquanto principal elemento unificador da série, o herói também é invulgarmente passível de desenvolvimento (físico, entenda-se), não tendendo a mudar ou a envelhecer, e favorecendo, assim, essa leitura interpolada. Claro está, no exemplo de MB, que, embora possa ser lido isoladamente ou em momento ulterior, o leitor só mais facilmente descobrirá como nasceu Tobias se tiver lido o volume inaugural da série. Tal não implica, porém, que não possa reservar a sua leitura para outro momento, protelando essa descoberta, ou que não logre, inclusivamente, preencher essa lacuna em episódios subsequentes. Acrescente-se que nem mesmo a feição circular da série, que estreia com o nascimento de Tobias e encerra com a narração do processo de execução de um livro – ou daquele último volume, especificadamente −, e o caráter de abertura da maioria dos seus contos (com finais de natureza variada), que poderia, eventualmente, contrariar a sua autonomia narrativa, coíbem esse tipo de exploração da obra.

Sem visarmos aprofundar, neste espaço, as questões de técnica narrativa (analisadas no próximo capítulo), também se observa, neste conjunto de livros, uma uniformidade nos mecanismos que suportam a sua construção diegética, além da homogeneidade enunciativa em que se constrói o discurso.

Mas outros elementos comuns e que sedimentam a estrutura coesa e unitária dos álbuns em destaque são, pois, ao nível do formato e da sua conceção gráfica, as capas e contracapas, as guardas ou os seus frontispícios, que não só conferem unidade e coerência visual à coleção, como fidelizam o leitor, sugerindo-lhe pistas de interpretação e mantendo-o atento, divertido e ávido pelas próximas aventuras do pequeno herói. Destaque para as capas que, além da reiteração de informações técnicas como o nome da autora, o título (combinado com o nome do protagonista) e a referência à editora, apresentam uma ilustração de página inteira, alterando-se, em cada volume, o conteúdo da mensagem visual. Quer recupere uma imagem do miolo, geralmente figurativa da parte central da história, quer represente uma cena/um evento importante, em cada capa, contudo, figura o menino-herói.

159

Figura 14 – Capa de Este é o Tobias

Porém, se a série “Tobias” revela uma certa constância nas suas características formais e estruturais, os nove volumes que a compõem também apresentam variações significativas, merecendo, nessa medida, uma atenção especial. Desde logo, veja-se como, neste corpus, constituído por narrativas independentes e, logo, legíveis numa qualquer ordem, sem grandes implicações na sua compreensão por parte do leitor, esta coleção também inclui uma sequência − ou, recuperando o termo por nós já antes experimentado, uma “minissérie” (no sentido de um díptico) −, que obriga, de certo modo, a uma leitura continuada.

Com efeito, a apreensão dos dois álbuns coprotagonizados pelo pequeno herói e Leonardo da Vinci só ganha verdadeiro sentido na sua íntegra, não só pelo prolongamento da narrativa de um livro para o outro, encerrando o segundo volume no cenário em que abre o primeiro, e reforçando, assim, a índole circular da obra, como pela presença de um conjunto de elementos/“códigos” ilustrativos e textuais – e até extratextuais – que atribuem a estes volumes um caráter uno e coeso. Atente-se, ao nível formal, na repetição dos fundos das capas ou, até, das próprias guardas, estampadas em tons idênticos, a par, ainda, de uma fita de tecido que recupera o padrão daquela que se encontra pendurada no livro de Leonardo, e que adorna e marca as páginas de ambos os volumes, sendo, inclusivamente, retomada verbal e graficamente, num atraente exercício metaficcional, no fecho da segunda narrativa (Rodrigues, 2009).

160

“segundo” título, de um resumo, através do qual MB procura situar o leitor relativamente ao episódio anterior. Com óbvias afinidades com o registo cinematográfico, funcionando como uma espécie de “genérico” da narrativa, este volume socorre-se de um «breve movimento analéptico», enquanto «recurso de recapitulação»152, para recordar «as coordenadas do problema central que motiva a [minissérie] ou […] reintroduzir as personagens e situações dominantes» (Reis & Lopes, 2011: 379-380).

Mas os livros da coleção “Tobias” também variam na sua tipologia genológica ou, melhor dizendo, na sua estrutura técnico-compositiva, incluindo, como se referiu já, um álbum sem texto ou (quase) exclusivamente composto por imagens. Tobias, os 7

anões e etc. é, seguramente, o livro da série que melhor descreve o predomínio da

qualidade ilustrativa de MB, sendo sobre a componente icónica que recai o peso da narração. Com uma configuração original, que o destitui na sua quase totalidade de um discurso verbal, este volume é, como salienta Sara Reis da Silva (s.d.), «um desafio à imaginação e à criação ficcional». Numa espécie de prólogo, que cede primazia a uma sequência iconográfica profusa e estimulante, o narrador incita o leitor à invenção/recriação da história que Tobias tem nas mãos e na qual penetra (Rodrigues, 2009). Uma sucessão ou um emboîtement de «átomos narrativos» − fazendo nossas as palavras de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes (2011: 375) − com novas consequências na estrutura narrativa, perturbando o ordenamento e a linearidade da ação, e ampliando o leque de possibilidades interpretativas.

A estas narrativas episódicas, somam-se, ainda, outros sub-volumes − ou “sub- produtos” (Nikolajeva & Scott, 2001) −, nomeadamente os livros didáticos e/ou informativos já mencionados anteriormente, Tobias às fatias e Tobias «O que eu passei

para chegar aqui!», que diversificam a série e concorrem, não apenas do ponto vista

comercial, para o êxito da coleção.

Com um explícito propósito didático, mas sem desleixar a qualidade estética, cuja novidade reside no formato e na composição, MB visa, com o primeiro título (Tobias às fatias), estimular as potencialidades da imaginação e da criatividade infantil.

152

161

Figura 15 – Ilustração de Tobias às fatias

As páginas “fatiadas” que enformam este caderno de atividades convidam a criança à sua exploração, ora compondo, a partir de um conjunto de ilustrações coloridas, uma multiplicidade de personagens que a divertem pelo absurdo e pela estranheza das combinações sugeridas, ora colorindo livremente as que vai imaginando e dispondo nas páginas opostas (Rodrigues, 2009). Um tipo de edição que não patenteia uma lógica causal pré-determinada, distanciando-se, portanto, da estrutura-modelo que suporta o resto da coleção.

De cariz igualmente mais formativo e didático, Tobias «O que eu passei para

chegar aqui!» sustenta-se, por seu turno, da estrutura narrativa para informar o leitor de

todos os passos conducentes à produção e à edição deste número que encerra o ciclo de aventuras do Tobias. Do ponto de vista visual/gráfico, a obra também releva de um investimento particular, principalmente ao nível da sua componente peritextual. Exemplos disso são as suas já mencionadas páginas introdutórias e finais, onde o recurso ao balão de fala complexifica o registo/discurso e, a fortiori, a presumível lineariedade diegética, como procuraremos demonstrar mais adiante. Por sua vez, a inclusão, nas suas últimas páginas, de um pequeno glossário ilustrado dos paratextos do livro também comprova a pluralidade de níveis de leitura que este último volume possibilita.

Recordem-se ainda, muito rapidamente, outras dissemelhanças ao nível da componente plástica. «Ilustrada conforme a atmosfera de cada história», Tobias foi,

162

pois, segundo a autora, «uma personagem que [a] “convidou” a usar vários materiais e técnicas. Tantos materiais quantos tinha ao [seu] dispor na mesa de trabalho» (Bacelar,

s.d.). Aliás, como sublinha ainda a criadora, a própria ficcionalização de uma

ilustradora/narradora nasceu do propósito de «mostrar todo um leque de materiais e técnicas, pictóricas e narrativas, que uma coleção pode ter» (Bacelar, s.d.).

163