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I. PROLEGÓMENOS PARA O ESTUDO DO ÁLBUM ILUSTRADO

1. Apontamentos para uma história do álbum

1.5. A investigação sobre o álbum

Entendido como «uno de los géneros más pujantes y creativos de los últimos tiempos» (Bajour e Carranza, 2003: s.p.), no quadro dos géneros editoriais de potencial receção infantil, e atendendo à sua força e pertinência e ao desenvolvimento que tem conhecido nos últimos anos, o álbum narrativo ilustrado tem sido alvo de inúmeras atenções. Relembrem-se, desde logo, as importantes conclusões de investigadores conceituados, notadamente nos estudos levados a cabo por Perry Nodelman (1990), David Lewis (2001), Evelyn Arizpe (2004), Peter Hunt (2005), Brenda Bellorín (2005), Cecília Silva-Díaz Ortega (2005), Jesús Díaz Armas (2006), Maria Nikolajeva e Carole Scott (2001), Lawrence Sipe (2008), Sophie Van der Linden (2007), Fernando Zaparaín e Luis Daniel González (2010), Sandra Lee Beckett (2012), entre outros, que, de forma sistemática, têm insistido na necessidade do estudo do álbum enquanto género maior da literatura, pela originalidade e complexidade que o caracteriza.

Porém, se o álbum conheceu um desenvolvimento tardio e tímido do ponto de vista da sua produção e difusão editorial, em Portugal, tão-pouco a persistência da investigação levada a cabo no estrangeiro, nomeadamente nos Estados-Unidos, na Alemanha, em Inglaterra, em França ou, até, em Espanha, teve os necessários reflexos no panorama investigativo e académico nacional, sendo sistematicamente preterida em função de outras áreas dos estudos literários, mesmo os dedicados à produção infantil ou, mais concretamente, à edição dos picturebooks.

No âmbito internacional, as mais sólidas aproximações ao estudo do álbum, sejam de cariz percetual, analítico ou ideológico, desenvolvem-se, genericamente – e como se procurará ilustrar, mais detalhadamente, a posteriori –, em torno da análise textual, com base na teoria literária; da análise da imagem, a partir da crítica da Arte, explorando-se, entre outras, questões ligadas ao design artístico e à literacia visual; ou, ainda, da relação texto/imagem e, consequentemente, do processo interpretativo e do pacto de leitura que com este tipo de edição se celebra, partindo de teorias do domínio da comunicação/receção, da semiótica e da transtextualidade.

Em Portugal, embora sejam ainda insuficientes os estudos granjeados na esfera da crítica e da investigação, encontram-se, já, algumas análises pertinentes, e que resultam, fundamentalmente, de recensões críticas, ensaios e artigos científicos

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variados, integrados em publicações periódicas (em revistas e, mais esporadicamente, em jornais), em atas de congressos ou em monografias que possuem como denominador comum a literatura para a infância. Recorde-se que estes trabalhos têm sobretudo surgido da mão de um grupo ainda restrito de críticos literários da área do jornalismo, como é o caso de Rita Pimenta, Carla Maia de Almeida, Andreia Brites, ou Sara Figueiredo Costa, e de académicos, ligados, na sua grande maioria, à formação inicial de educadores/professores, dos quais avultam, com maior ou menor assiduidade, os casos de José António Gomes, Ana Margarida Ramos, Sara Reis da Silva, Teresa Mergulhão ou Leonor Riscado.

Uma das figuras precursoras, no âmbito das abordagens teórico-críticas sobre o álbum em Portugal, foi José António Gomes, que, em 2003, divulgou, no número 12 da revista Malasartes, um estudo intitulado «O conto em forma(to) de álbum: primeiras aproximações», e que constitui uma tentativa inaugural de definição e caracterização do género no contexto luso, servindo, ainda hoje, de referência a muitas das reflexões desenvolvidas no nosso universo investigativo. Saliente-se que o referido número da revista, especialmente dedicado ao álbum narrativo para a infância, incluía ainda, entre outros artigos, uma relevante análise da relação pictórico-verbal em duas obras notáveis, assinada por Sara Reis da Silva50 – autora, por sinal, de outro dos estudos mais importantes na análise deste segmento em Portugal, intitulado «Quando as palavras e as ilustrações andam de mãos dadas: aspectos do álbum narrativo para a infância» e datado de 2006.

Desde então, e com especial incidência nos últimos anos, associados, em larga medida, ao aumento da produção, à importância atribuída de forma cada vez mais evidente às componentes ilustrativa e paratextual e ao seu estatuto nos livros para crianças, bem como o número crescente de parcerias entre autores e ilustradores consagrados do panorama literário português para a infância, foram surgindo outros relevantes contributos.

Um dos nomes mais sonantes no âmbito investigativo português sobre o álbum, e particularmente digno de menção pelo número e pela qualidade das suas publicações, é Ana Margarida Ramos. A par de outros estudos divulgados, de forma mais ou menos

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dispersa, no domínio da teorização e análise em literatura infantil e juvenil, a investigadora é ainda autora de duas obras imprescindíveis ao estudo do género editorial em apreço, nomeadamente os volumes Livros de palmo e meio – Reflexões sobre

literatura para a infância, editado, em 2007, pela Caminho, e Literatura para a infância e ilustração – Leituras em diálogo, publicado, em 2010, sob a chancela da

Tropelias & Companhia51. Duas coletâneas de artigos diversos (estudos e recensões) que abordam não só os desenvolvimentos e as tendências mais recentes do universo literário português para crianças, possibilitando a compreensão das opções temáticas, genológicas e discursivas, atualmente, mais recorrentes nas suas publicações, como oferecem outras reflexões de particular relevância na análise da componente pictórica (e paratextual) e das relações texto/imagem no álbum de receção infantil.

Digno de nota é, ainda, o volume monográfico vindo a público, em 2011, pela Rede temática de investigação “Las Literaturas Infantiles y Juveniles del Marco Ibérico e Iberoamericano (LIJMI)”, subordinado ao tema O álbum na literatura infantil e

xuvenil (2000-2010). Coordenada por Blanca-Ana Roig Rechou, Isabel Soto López e

Marta Neira Rodríguez, a referida antologia alberga uma seleção de estudos/comentários sobre um corpus diversificado de obras vocacionadas para os mais novos, abordando aspetos variados sobre o segmento editorial em epígrafe e ilustração. O estudo teórico introdutório, notável contributo para uma epistemologia do álbum, deve-se, igualmente, a Ana Margarida Ramos, que discute as suas características intrínsecas, o seu lugar na literatura infantojuvenil e as circunstâncias históricas nas quais eclode no contexto galaico-português, encerrando a sua reflexão com uma proposta tipológica da publicação.

A testemunhar também a atenção que, ultimamente, se tem dispensado, em Portugal, a este segmento da produção literária para os mais novos, destaca-se a criação de cursos de formação pós-graduada em edição e/ou em literatura e ilustração para a infância, a dedicar muitos dos seus programas à análise deste tipo de publicação, para além da consequente proliferação de projetos de investigação desenvolvidos no âmbito

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Note-se que referida casa editorial, emergida em sentido de contracorrente no quase desértico terreno das publicações ensaísticas dedicadas a esta área do saber literário, foi, ainda, responsável pela edição de duas outras coletâneas de estudos assinadas por Sara Reis da Silva − Encontros e reencontros –

Estudos sobre literatura infantil e juvenil (2010) e Entre textos – Perspectivas sobre a literatura para a infância e juventude (2011) − e nas quais a autora concede uma atenção especial ao segmento “álbum”.

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de estudos académicos como em mestrados e doutoramentos (alguns em elaboração). Veja-se, ainda, a realização, cada vez mais frequente, de reuniões e conferências internacionais com destaques nesta área específica, o aparecimento de um número considerável de livrarias (e.g., “Aqui há gato”, em Santarém; “Histórias com bicho”, em Óbidos; “Salta-folhinhas”, “Index”, e “Papa-livros”, no Porto; ou, mais recentemente, “Gigões & Anantes”, em Aveiro) e editoras especializadas em literatura infantojuvenil e com presença assídua do segmento álbum (e.g., “Bruaá”; “Gatafunho”; “Bichinho de conto”; “Kalandraka”; “OQO”; “Planeta Tangerina”; “Orfeu Negro”; “Bags of Books” ou “Gato na lua”). Merece igualmente referência a atribuição frequente de menções e prémios a ilustrações de um número crescente de obras apreciáveis, assim como a sua seleção para importantes exposições nacionais e internacionais. Finalmente, assinale-se a multiplicação de suportes eletrónicos: de sítios na internet (de que é exemplo o portal Gulbenkian – Casa da Leitura, que, além da disponibilização de recensões de álbuns nacionais e estrangeiros, oferece uma pluralidade de textos críticos em vários domínios da criação literária para o público infantojuvenil), de blogues (como Letra Pequena,

Bruaá, Livro Infantil, O Bicho dos Livros, A Inocência Recompensada, O Jardim Assombrado, Ilustrasim, Picturebooks in ELT, Palavras, Imagens e Etc., entre outros),

e, até, de revistas eletrónicas (como é o caso da e-fabulation) de divulgação e crítica de livros para crianças.

Sem menosprezar a qualidade e o rigor das duas únicas revistas portuguesas (ou galaico-portuguesa, no caso da primeira) especializadas em literatura infantil e juvenil, e que têm conferido, já por diversas ocasiões, uma atenção especial a este tipo de publicação e ao estatuto da imagem nos livros vocacionados para os mais novos – a revista científica Malasartes [Cadernos de literatura para a infância e a juventude] e o Boletim de divulgação do CRILIJ –, pesa reconhecer a inexistência de outras publicações periódicas exclusivamente dedicadas ao álbum e à ilustração para a infância, tal como acontece no estrangeiro52.

Finalmente, importa ressalvar que, apesar da crítica da qual ainda carece o álbum em Portugal, o atual panorama editorial que aos mais novos se consagra não

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Lembre-se, a título de exemplo, o caso da revista Hors cadre[s], criada por um grupo de críticos e autores franceses, e editada, trimestralmente, desde 2007 − agora também disponível em Espanha, com o título Fuera [de] margen.

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inibe, contudo, o registo de mudanças evidentes e, até, promissoras, ao nível de um género caracterizável, em nosso entender, pela “exuberância”: uma exuberância de estilos, técnicas e formatos, quase sem reservas nem obstruções à imaginação, uma exuberância de formas narrativas e de géneros na proliferação de objetos híbridos, e uma exuberância na própria edição, especialmente nos últimos anos53, prenunciando-se como um dos segmentos possivelmente mais perseguidos pela crítica literária dos próximos tempos.

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Nomeadamente a partir de 2006, ano em que, pela primeira vez, um álbum de autoria única portuguesa – Come a sopa, Marta!, de Marta Torrão – integra a prestigiada seleção internacional White Ravens.

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