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A seletividade como critério obrigatório no IPI

Capítulo 5. A seletividade em função da essencialidade do produto e do serviço

5.2. A seletividade e os princípios constitucionais

5.3.1. A seletividade como critério obrigatório no IPI

O artigo 153, § 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, veio dispor que o imposto sobre produtos industrializados deve ser “seletivo, em função da essencialidade do produto”.

O constituinte outorgou ao legislador ordinário a possibilidade de prescrever, quando da fixação da carga tributária, quais os critérios de utilidade e necessidade do produto a serem adotados, não estipulando elemento determinado a que este último ficasse subordinado.

Para chegar ao critério de fixação das alíquotas do IPI,280 adotando-se a seletividade em função da essencialidade do produto, devemos analisar caso a caso os produtos, do aspecto valorativo presente em cada operação.

PAULO DE BARROS CARVALHO leciona que “o conteúdo semântico desse princípio aponta para um processo e para um valor. Enquanto processo, é forma de eleição, consciente e deliberada, promovida em determinado campo de objetos, e conduzida por alguma diretriz racionalizadora”.281

O elemento necessário para direcionar o processo da seletividade no IPI encontra-se explícito no texto constitucional, qual seja, a essencialidade. Esse critério é utilizado para se chegar, com a junção interpretativa de outros princípios (legalidade, capacidade contributiva, razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e uniformidade), ao verdadeiro aspecto de aplicação do que é essencial e seletivo no imposto.

280 A alíquota e a base de cálculo são elementos indispensáveis à regra-matriz de incidência tributária do IPI,

tratando de critério quantitativo mensurador do tributo. As alíquotas estão dispostas na Tabela NBM/SH (TIPI/TAB).

281 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI – comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela NBM/SH

A grandeza da valoração da essencialidade ou necessidade em correspondência com a alíquota do IPI apresenta-se em proporções antagônicas, vez que quanto maior for o grau de essencialidade do produto, menor deverá ser a alíquota do produto tributado.

RICARDO LOBO TORRES traduziu o antagonismo existente entre a alíquota e a necessidade do produto em consumo: “Seletividade em função da essencialidade é o único critério para a incidência do IPI e significa que o tributo recai sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade. A essencialidade admite graduação, de modo que a alíquota ou não existirá, quando o produto se tornar absolutamente essencial para atender às necessidades primárias, ou será fixada em escala ascendente na proporção em que menor for a sua utilidade social”.282

O caráter de utilidade que se atribui aos produtos industrializados é construção da experiência cultural de cada povo, tomando-se como referência um intervalo de tempo considerado. O que é essencial para uma sociedade pode não ser para outra, no mesmo momento ou em momentos distintos.

Portanto, os elementos temporal e espacial devem ser utilizados na interpretação normativa para avaliar-se o que é considerado essencial pelo legislador ordinário (ao expedir a norma geral e abstrata), pelo Estado Juiz (ao expedir a norma individual e concreta ou geral e concreta), ou mesmo pela administração federal (ao expedir a norma geral e abstrata quando altera a alíquota, bem como a norma individual e concreta quando se mantém ou não lançamento fiscal).

Os elementos temporal e espacial são importantes para avaliar-se a concepção semântica da essencialidade. Durante certo período, a população consumidora de determinado país ou local, que está em constante evolução, passa a necessitar de outros bens (produtos e

serviços), anteriormente não tão imprescindíveis. Daí a necessidade de uma análise periódica das alíquotas, no sentido de verificar se ainda atendem ao princípio constitucional.

Nesse sentido, o magistério de RICARDO LOBO TORRES considera que: “Uma penúltima averbação deve ser feita quanto ao princípio constitucional da seletividade em função da essencialidade do produto. É que a noção de produto essencial varia segundo as condições de tempo e lugar. Certos artigos da indústria podem ter conotações de bens de luxo na fase inicial de sua produção; mas, depois de generalizados, passam a ocupar lugar de necessidade no consumo da população em geral, independentemente de a pessoa ser rica ou pobre”.283

Entretanto, esses elementos extrajurídicos não servirão de critério definidor de alíquotas para atender à seletividade. Eles servirão apenas de auxílio na construção do pensamento do intérprete.

Demais disso, não se pode esquecer que o legislador deverá zelar pelo equilíbrio, ao considerar a essencialidade, para não ferir o princípio da isonomia, chegando a um denominador comum quanto aos produtos a serem desonerados ou onerados significativamente pelo IPI.

Portanto, são importantes, a partir de uma análise axiológica, elementos estranhos ao sistema jurídico, a serem considerados pela ideologia do legislador e do aplicador do direito. Esses elementos não possuem critérios únicos e nem fundamento jurídico, haja vista que não estão traduzidos em linguagem competente pela regra jurídica. Contudo, devem ser utilizados no processo de interpretação e compreensão da regra, para atender-se à finalidade e à evolução do princípio.

Quanto à classificação dos produtos no que se refere à essencialidade, RUBENS GOMES DE SOUSA dividiu-os em quatro grupos: a) artigos de primeira necessidade (roupas,

alimentos, medicamentos etc.); b) artigos de semiluxo (fumo, diversões, automóveis etc.); c) artigos de luxo (jóias, peles, perfumes, bebidas etc.); e d) artigos de consumo prejudicial ou inconveniente (armas, jogos de azar, entorpecentes etc.).284

A classificação dada por PAULO DE BARROS CARVALHO aponta para três categorias: a) os necessários à subsistência; b) os úteis, mas não necessários; e c) os produtos de luxo.285

Adotamos essa última classificação, com a ressalva de que, no item a, incluem-se outros bens necessários não só à subsistência, mas também ao lazer, à cultura, à comunicação, à saúde, à educação e ao transporte.

Apesar de o salário mínimo no Brasil ser insignificante, podemos comparar o critério mínimo de atendimento às necessidades básicas, ao estabelecido no texto magno, que considera necessários à população a moradia, a alimentação, a educação, a saúde, o lazer, o vestuário, a higiene, o transporte e a previdência social.286

Assim, de forma completa, haja vista que neste presente trabalho tratamos do assunto em algumas oportunidades de maneira parcial, entendemos que os bens essenciais que devem ser desonerados pelo IPI são aqueles considerados pela própria Lei Maior como indispensáveis ao atendimento das necessidades vitais básicas das famílias brasileiras, quais sejam, os mesmos que em tese seriam atendidos pelo salário mínimo.