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As regras produzidas pelo Poder Legislativo sujeitas à seletividade

Capítulo 7. Interpretação e aplicação da seletividade

7.4. As regras produzidas pelo Poder Legislativo sujeitas à seletividade

Objetivamos aqui demonstrar algumas regras jurídicas editadas pelas pessoas políticas, sujeitas à seletividade tributária, quanto ao IPI, ICMS e IPTU.

7.4.1. No IPI

Um dos exemplos de desoneração de bens essenciais ao país pode ser encontrado nos enunciados da Lei n.º 11.196, de 21 de novembro de 2005, que prevê em seu artigo 17 incentivo fiscal relativo a investimento em inovação tecnológica:

“A pessoa jurídica poderá usufruir dos seguintes incentivos fiscais: II - redução de 50% (cinqüenta por cento) do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, bem como os acessórios sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico”.

É fato que o país viveu uma crise de investimentos em seu setor industrial, comercial e de infra-estrutura, agravada pelo câmbio, que se mostrou desfavorável às importações de equipamentos, máquinas, tecnologia, softwares etc. Na atualidade, diante da valorização da moeda brasileira, os investimentos voltaram a serem realizados.

Tentando amenizar a falta de investimento em tecnologia, foi editada a Lei n.º 11.196/2005, a fim de suprir uma carência que implica perda de competitividade dos produtos brasileiros no mercado interno e internacional. Conta-se, para tanto, com a redução do IPI, de forma a estimular o investimento nesse setor, atendendo-se à extrafiscalidade.

Demais disso, como visto, a seletividade em relação à essencialidade do produto não objetiva apenas desonerar produtos necessários, impõe também critérios significativos de tributação para os produtos supérfluos, desestimulando seu consumo, ou atendendo ao princípio da capacidade contributiva quando se estabelecem alíquotas maiores mediante

presunção da capacidade econômica na aquisição de armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas etc.

Nesse sentido, foi editado o artigo 1º da Lei n.º 8.387, de 30 de dezembro de 1991, que alterou a redação do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 288, de 1º de fevereiro de 1967, objetivando onerar, da mesma forma que em outras regiões do país, produtos supérfluos, não dando o mesmo tratamento fiscal a produtos considerados úteis ou essenciais produzidos na Zona Franca de Manaus.

Assim, mantém-se a tributação significativa quanto ao IPI nas operações de industrialização de armas e munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros e produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, destinados, exclusivamente, a consumo interno na Zona Franca de Manaus ou quando produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais, em conformidade com processo produtivo básico.

Outro produto que apresenta alíquota significativa de IPI, considerado como supérfluo pela administração federal, é o desinfetante ou semelhante, com propriedades acessórias odoríferas, ou desodorizantes de ambientes. O artigo 13 da Lei n.º 7.798, de 10 de julho de 1989, fixou a alíquota de trinta por cento. Já o desinfetante sem as propriedades odoríferas apresenta alíquota zero, permitindo seu consumo pela população de baixa renda ou por aqueles que não exigem propriedades acessórias.

Pelo exposto, os exemplos demonstram a outra forma de aplicar o princípio da seletividade tributária, onerando com mais vigor os produtos considerados supérfluos.

7.4.2. No ICMS

Uma das regras expedidas pelo Legislativo, que contempla, embora com patamar modesto de isenção, a seletividade nas operações relativas à energia elétrica, é a Lei n.º 12.185/2006, de 5 de janeiro de 2006, do Estado de São Paulo.

Estabeleceu-se que o consumo residencial de até 90 kWh por mês fica isento da tributação do ICMS.340 Esse foi o patamar que o legislador considerou atender ao mínimo básico de consumo da população de baixa renda. A isenção só foi aplicada aos consumidores residenciais, considerados com capacidade econômica menor que a das pessoas jurídicas.

Com isso, o limite de isenção concedido atende apenas a uma pequena parcela da população de baixa renda, pois se adotou patamar modesto, deixando de fora grande parte daqueles que também compõem essa classe social.

Defendemos um patamar de consumo sujeito à isenção pelo máximo regional estabelecido pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, que fica entre 80 a 220 kWh.

A Resolução n.º 485/2002 estabelece os limites regionais de consumo, que devem ser utilizados para fins de tributação do ICMS, sob a alíquota maior estabelecida às concessionárias e às permissionárias que se encontrarem no mesmo Estado.

No caso do Estado de São Paulo, o patamar de consumo que atenderia à seletividade é de até 220 kWh, e não apenas de 90 kWh, como estabelecido na legislação em análise. Entretanto, para se adotar esse limite de isenção é necessária a edição de Lei Complementar ou Convênio do CONFAZ, contemplando o benefício fiscal, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade (item 2.5.).

Esse benefício concedido pelo Estado de São Paulo, que visa a atender à seletividade no ICMS, deverá ser transferido ao consumidor pelas concessionárias e permissionárias de

serviços de fornecimento de energia elétrica, mediante redução do valor da operação no montante correspondente ao valor do imposto.

Em outro exemplo, a Lei n.º 11.580/1996, do Estado do Paraná, estabelece alíquota de 7% a título de ICMS para as operações com alimentos, quando destinados à merenda escolar, nas vendas internas a órgãos da administração federal, estadual ou municipal.341

Trata-se de regra jurídica sem nenhum critério jurídico, pois onera produtos consumidos por crianças carentes, servidos nas escolas públicas, e, pior, impõe-se incidência tributária às próprias instituições vinculadas à administração pública. O tratamento tributário pelo ICMS para esses alimentos deveria ser, no mínimo, a isenção.

Não é caso de imunidade recíproca, pois não se está onerando diretamente patrimônio, renda ou serviço entre entes políticos, até mesmo porque a sistemática do ICMS é indireta, havendo o repasse no preço do produto.

Porém, em uma análise sistemática em que se busca atender à justiça social, não há qualquer fundamento que justifique tributar os produtos que compõem a merenda escolar sob uma alíquota de 7% ante os princípios da seletividade e da razoabilidade. Há um grave desacerto jurídico, que, quando provocado, deve ser corrigido pelo legislador e pelo Judiciário.

7.4.3. No IPTU

Poucas Câmaras Municipais vêm atendendo ao princípio da seletividade no uso e localização do imóvel, ao estabelecer critérios de diferenciação na tributação pelo IPTU.

Em São Paulo, foi criado programa de incentivo seletivo por meio da Lei n.º 13.496, de 7 de janeiro de 2003, sendo regulamentado pelo Decreto n.º 44.493, de 15 de março de 2004, e pelo Decreto n.º 45.983, de 16 de junho de 2005. Tempo depois, foram editadas outras regras jurídicas que contemplam o mesmo programa, como a Lei n.º 13.833, de 27 de

maio de 2004, regulamentada pelo Decreto n.º 45.013, de 15 de julho de 2004, e pelo Decreto n.º 45.983, de 16 de junho de 2005, e a Lei n.º 14.096, de 8 de dezembro de 2005.

Em todas essas legislações foram estabelecidos benefícios fiscais para aqueles que realizarem investimentos em certas regiões do município. Trata-se de uma solução que visa a diminuir certos problemas enfrentados pelos municípios.

A Lei Municipal n.º 13.496, de 7 de janeiro de 2003, criou o programa de incentivo seletivo para a área central do município, correspondente aos distritos da Sé e República. A Lei Municipal n.º 13.833, de 27 de maio de 2004, criou o programa para a região leste do Município, delimitando grande área urbana especificada por meio de nomes de ruas e avenidas. A Lei Municipal n.º 14.096, de 8 de dezembro de 2005, criou o incentivo para a área adjacente à Estação da Luz.

Em todas essas regiões, os incentivos fiscais serão concedidos para aqueles que realizarem investimentos, desde que se comprovem geração e manutenção de empregos, implantação, expansão ou modernização de empresa ou empreendimentos industriais, comerciais e de serviços. No caso do centro velho de São Paulo (área central e área adjacente à Estação da Luz), objetiva-se também construir, restaurar, preservar ou conservar imóveis históricos.

Com isso, aplicou-se efetivamente a seletividade em razão da localização do imóvel,

ao conceder-se isenção direta de tributos342 aos investidores que adquirirem terrenos,

executarem obras e realizarem melhoramentos em instalações etc.343 nessas regiões do

município de São Paulo.

Todos sabemos que o Poder Público, pela falta de estrutura e investimentos ao longo

do tempo, vem delegando determinadas obrigações aos administrados.344 Dentre as

342 Ver artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 13.833/2004. 343 Ver § 2º do art. 2º da Lei n.º 13.833/2004.

344 Como exemplo temos as Parcerias Público-Privadas – PPP, as privatizações de setores da administração

delegações estão o desenvolvimento regional e a formação de infra-estrutura local. Em contrapartida, oferecem aos investidores/contribuintes isenções, reduções de alíquotas, reduções da base de cálculo dos tributos etc.

Os benefícios fiscais trazidos àqueles que objetivam investir em determinadas regiões é uma das formas de atender às omissões da administração pública. A seletividade aplicada quanto à localização do imóvel possibilita suprir algumas carências regionais, promovendo, por meio da extrafiscalidade, melhores condições econômicas, estruturais e de vida aos administrados.

Essas benesses, no caso das legislações em comento, não são apenas em relação ao IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, sendo estendidas ao ITBI – Imposto sobre Transmissão Intervivos de Bens Imóveis e ao ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, todos de competência municipal.

Assim, criou-se programa que deverá ser implementado em outras regiões do Município, para incentivar o desenvolvimento regional e zelar pelo seu patrimônio histórico, cultural e social.

Em outro exemplo, o Município de João Pessoa/PB, ao editar a Lei Complementar n.º 2, de 17 de dezembro de 1991 (Código Tributário Municipal), estabeleceu em seu artigo 104345 todas as alíquotas incidentes sobre as propriedades imobiliárias. O legislador atribuiu alíquotas diferenciadas pelo critério da seletividade em relação ao uso (residencial, industrial, comercial e especial).

345 “Art. 104 – O imposto é calculado sobre o valor do imóvel a alíquota de:

I – 1,5% (um e meio por cento) para os imóveis não edificados; II – Para os imóveis edificados:

a) 1,0% (um por cento) para os imóveis residenciais;

b) 1,5% (um e meio por cento) indústrias, comércios e serviços;

c) 2,0% (dois por cento) para os imóveis especiais – instituições financeiras, supermercados, concessionárias de veículos e autopeças, comércio de tecidos em geral, casas de ferragens e lojas de departamentos”.

À época da edição da regra, não existia no texto constitucional previsão para distinguirem-se as alíquotas, adotando-se a seletividade tributária no caso do IPTU. Isso só ocorreu com a Emenda Constitucional n.º 29/2000. Nesse sentido, a regra jurídica de João Pessoa/PB, pela ausência de fundamento legal no texto magno no momento da sua inclusão no ordenamento jurídico, está eivada de inconstitucionalidade, em atenção ao princípio da estrita legalidade tributária.

Note-se que a regra jurídica em análise contemplou justamente a seletividade em razão do uso do imóvel. Caso tal regra fosse editada na atualidade, não haveria o vício de inconstitucionalidade por esse critério, pois estaria amparada pelo inciso II do §1º do art. 156 da CF.