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Capítulo 2. Princípios e o subsistema constitucional tributário

2.2. Noção de princípios

HEBERT HART descreve que "as leis são sempre feitas pelos governantes para serem aplicadas a governantes e governados, mas, por serem feitas pelos governantes, quase sempre pesam mais sobre os governados".107

A norma constitucional surge especificamente para controlar o poder estatal, base para todas as outras normas jurídicas que, juntas, formam o sistema jurídico.

Nesse sentido, manifesta-se PAULO DE BARROS CARVALHO, explicando que as diferentes normas, juntas, "formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador".

Como as normas jurídicas precisam estar em harmonia, estão inseridas em uma estrutura de hierarquia. E os limites ao poder encontram na própria Constituição sua base, constituindo fator determinante para o presente estudo.

As normas, em síntese, são o gênero do qual surgem as espécies: princípios e regras. Todas são normas jurídicas, mas apresentam distinções quanto a sua aplicação e seus efeitos.

106 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2004, p. 55.

Enquanto por princípio entende-se um preceito, uma garantia, que serve de base para a norma; por norma o que se verifica é que se trata de manifestação de aplicação restrita.

ROQUE ANTONIO CARRAZZA trata da noção de princípio como o “começo, alicerce, ponto de partida, a pedra angular de qualquer sistema”.108

No mesmo sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO, acerca dos princípios constitucionais tributários, expôs que, no campo das significações, o uso do signo "princípio" oferece farta variedade conotativa, de tal sorte que alcança todas as circunstâncias de objetos, atuando nas quatro regiões ônticas. É uma palavra que freqüenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o "início", o "ponto de origem", o "ponto de partida", a "hipótese- limite" como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se deparam as meditações filosóficas ("ser", "não-ser", "vir-a-ser" e "dever-ser"), além de ter presença obrigatória ali onde qualquer teoria almejar pretensões científicas, pois toda a ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados). Cada "princípio", seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre passível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva.109

Princípio é norma jurídica, implícita ou explícita, que apresenta carga valorativa (componente axiológico presente na comunicação normativa), servindo de vetor para a compreensão de segmentos prescritos no ordenamento jurídico, bem como de elemento vinculante que deve ser observado pelas normas jurídicas que com ele se conectam.

Não obstante, também podemos denominar como princípio norma jurídica que fixa não só valores, mas importantes critérios objetivos, facilmente observados em regras que trazem elementos como: data (anterioridade e irretroatividade); fatores matemáticos de adição

108 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002,

p. 30.

109 CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Revista de Direito

e subtração (não-cumulatividade); meio pelo qual se veicula a regra – se é por emenda, lei, decreto, portaria (legalidade) etc.

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES ensina: “é o princípio que iluminará a inteligência da simples norma; que esclarecerá o conteúdo e os limites da eficácia de normas constitucionais esparsas, as quais têm que se harmonizar com ele”.110

Mais adiante, observa o citado professor: "(...) Quer isto significar, por outros torneios, que princípio é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras regras do sistema positivo”.111

RICARDO GUASTINI define princípio como “as normas que, aos olhos de quem fala, se revestem de uma especial importância, ou aparecem como normas caracterizantes do ordenamento ou de uma sua parte”.112 O autor pretende, com as referidas palavras, considerar

que os princípios nada mais são do que as normas que servem de fundamento (em um dos possíveis sentidos do termo) a um conjunto de outras normas jurídicas.

No caso do Direito Constitucional Tributário, os princípios correspondem à maior garantia do cidadão-contribuinte, pois todos eles, em conjunto, são os mais importantes limites ao poder estatal.

Verifica-se, com isso, que a existência do Estado tem nítida relação com o tributo, eis que foi uma das formas encontradas para arrecadação de receitas da sociedade politicamente organizada. O tributo foi uma forma estável de arrecadar fundos necessários às atividades reputadas importantes, para os diferentes Estados.

Muitos juristas reportaram a importância da obediência e da vinculação promovida pelos princípios em relação às normas jurídicas que com eles se relacionam. Considerando

110 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. Recife: Revista dos Tribunais, 1975, p. 14. 111 Idem, ibidem, p. 22.

que o princípio guarda valores fundamentais para o ordenamento jurídico, sua obediência e vinculação são elementos indispensáveis para seu papel estrutural no sistema jurídico.

ROQUE CARRAZZA assevera que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”.113

PAULO DE BARROS CARVALHO identificou quatro usos distintos do princípio: “a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma”.114

Diante disso, para esse jurista, considera-se, nos itens a e b em epígrafe, “princípio” como “norma”, vez que se apresenta como uma construção abstrata feita pelo homem em um plano superior ao do enunciado prescritivo, sendo sempre implícita, pois essas entidades estão nas implicitudes dos textos de lei. Nos itens c e d, “princípio” foi considerado como “valor” ou como “critério objetivo”, servindo para significar o próprio valor, independentemente da estrutura normativa, ou o próprio limite objetivo sem a consideração da norma.115

O sistema jurídico contempla, então, uma ampla gama de normas, princípios, regras jurídicas etc., determinados hierarquicamente. Segundo esse sistema, uma norma encontra seu fundamento de validade em outra(s), e esta assenta-se em princípios, e os princípios repousam em sobreprincípios, até chegar-se à norma hipotética fundamental criada por HANS

113 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 33. 114 Curso de direito tributário, p. 144.

115 Para esse jurista, os “valores” aludidos na classificação adotada acima são aqueles depositados pelo legislador

na regra jurídica posta. CARVALHO, Paulo de Barros. O sobreprincípio da segurança jurídica e a revogação de normas tributárias. Crédito-prêmio de IPI: estudos e pareceres III. Barueri, SP: Minha Editora, 2005, p. 10.

KELSEN,116 como forma de fechar-se o sistema jurídico, pois essa norma encontra-se no ápice da pirâmide jurídica.117

Entendemos que a expressão “sobreprincípio” é atribuída aos princípios que possuem maior carga valorativa no sistema jurídico, encontrando-se em um plano hierárquico acima dos outros princípios, vez que regem todo o ordenamento jurídico, servindo de vigas-mestras enraizadas implicitamente na “alma” de todas as normas jurídicas. A título de exemplificação, temos como sobreprincípio a justiça, a certeza do direito e a segurança jurídica.118

Os princípios apresentam-se como gerais e específicos dentro do sistema jurídico brasileiro. Podemos encontrar na pirâmide jurídica os constitucionais, legais e até infralegais – uns com maior e outros com menor carga valorativa –, que se hierarquizam em um consenso jurídico-hermenêutico de atribuição de valor.

Não obstante, a hierarquia não se forma apenas entre as regras jurídicas; também os valores jurídicos podem ser distribuídos em graus de hierarquia, construídos a partir de uma estrutura axiológica determinada pelo intérprete, sob o peso dado pela ideologia e representatividade do valor na influência e orientação das normas jurídicas.

Com isso, dizer que uma norma carrega consigo um princípio é algo subjetivo, ideológico do intérprete, que poderá atribuir-lhe maior ou menor valor, escalonados em graus de hierarquia.

116 Teoria pura do direito, p. 215.

117 Entendimento de Paulo de Barros Carvalho, que demonstra a presença da norma fundamental no ápice da

pirâmide construída, e não em um espaço projetado acima, como pensa Marco Aurélio Greco.

118 Nesse sentido é o estudo de José Souto Maior Borges. Princípio da segurança jurídica na criação e aplicação