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As regras produzidas pelo Poder Executivo sujeitas à seletividade

Capítulo 7. Interpretação e aplicação da seletividade

7.3. As regras produzidas pelo Poder Executivo sujeitas à seletividade

O objetivo deste item é demonstrar o que vem entendendo o Executivo quanto à seletividade tributária, tanto em sede de edição de regras jurídicas, quanto nas decisões prolatadas no plano administrativo.

Em nenhum momento temos a intenção de identificar todas as regras jurídicas ou decisões prolatadas pelo Executivo e Judiciário, atinentes ao princípio estudado. Os comentários e descrições a seguir realizados buscam apenas analisar alguns textos legais e decisões, permitindo constatar a forma e o contexto da aplicação do princípio constitucional.

7.3.1. No IPI

O Executivo, mediante expressa previsão constitucional, está autorizado a alterar alíquotas do IPI. Com isso, editou a TIPI – Tabela do IPI, que estabelece as descrições dos produtos e suas alíquotas, tanto nas operações de industrialização interna quanto nas importações de produtos industrializados do exterior.

É fato que o Executivo desonerou muitos produtos essenciais à população, como alguns que compõem a cesta básica (arroz, feijão, óleo vegetal, sal, manteiga, café, macarrão, alguns peixes, carnes da espécie bovina e ovina, leite, ovos, farinha etc.), carnes da espécie suína e caprina, frutas, cereais, produtos de higiene pessoal, material de construção, medicamentos, tecidos para vestuários, calçados, cumprindo o princípio da seletividade tributária.

Entretanto, alguns produtos considerados essenciais permanecem sujeitos a significativa carga fiscal de IPI, como no caso do açúcar, considerado um produto da cesta básica e que apresenta alíquota de 5% de IPI (ex. código NCM 1701.11.00) na atualidade.

O desrespeito à seletividade quanto à incidência do IPI sobre as operações com o açúcar não decorre apenas do fato de ser um produto da cesta básica, trata-se de um produto essencial à população, tão imprescindível que serve para a consecução até do soro caseiro,

dado a crianças e adultos com desidratação. Apenas a título de registro, esse produto chegou a ser tributado com alíquota de 18%, carga fiscal que desrespeitou a seletividade tributária.

No plano das decisões administrativas, diante do fato de os julgadores não possuírem competência para decidir pela inconstitucionalidade de determinada regra jurídica, estes somente estão autorizados a julgar o mérito quanto ao atendimento ou não de certa regra de estrutura pela regra jurídica, quando o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento quanto à matéria.336

Com isso, as decisões administrativas que envolvem a seletividade não trazem nenhuma análise constitucional da regra jurídica, salvo no caso apontado acima, bem como não tecem qualquer juízo de valor sobre se aquela atende ou não ao princípio constitucional.

7.3.2. No ICMS

Neste país, o maior problema fiscal dos produtos essenciais não está na incidência do IPI, que, regra geral, salvo um ou outro produto, atende ao princípio da seletividade. O problema está na aplicação desse princípio nas regras jurídicas de ICMS.

No momento em que os secretários da Fazenda reúnem-se no CONFAZ, para tratar de isenções fiscais, reduções de bases de cálculo ou alíquotas, ou mesmo da concessão de certos benefícios aos contribuintes, certamente a interpretação que se faz ali do princípio envolve interesses próprios de cada ente da Federação, zelando-se pelo critério econômico em busca do crescimento arrecadatório.

O ato específico de legislar sobre questões que envolvem o ICMS tem como produto os convênios, atos normativos típicos do Poder Executivo, editados para atender ao disposto na Lei Complementar n.º 24/1975, de forma a zelar pela isonomia dos Estados Unidos da República Federativa do Brasil.

336 Vide artigos 97 e 102, I, "a" e III, "b", da Constituição Federal. No julgamento de recurso voluntário, fica

vedado aos Conselhos de Contribuintes afastar a aplicação, em virtude de inconstitucionalidade de lei em vigor (Regimento Interno dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda, aprovado pela Portaria MF n.º 55/1998, art. 22A, acrescentado pelo art. 5º da Portaria MF n.º 103/2002).

O convênio desempenha o papel de estabelecer norma sobre norma de tributação. Mesmo ao definir alíquotas e bases de cálculo, o convênio simplesmente delimita o âmbito no qual o legislador estadual poderá laborar.

Partindo dessa premissa, percebemos que os convênios não instituem tributos, apenas dizem como, quando e até que ponto os Estados e o Distrito Federal podem fazê-lo por meio de regras jurídicas próprias.

Todavia, Estados e Distrito Federal, diante do convênio celebrado, acabam editando decretos para disciplinar a matéria internamente, sem submeter o assunto ao Legislativo Estadual.

Sobre esse assunto, adverte HUGO DE BRITO MACHADO: "Na prática, o que tem ocorrido é que, celebrado o convênio por intermédio do Secretário de Fazenda ou equivalente, o mesmo é ratificado em decreto do Governador, ficando tudo à margem do Poder Legislativo e, assim, excluído o princípio da legalidade”.337

Tal prática é condenada por alguns juristas. ALIOMAR BALEEIRO comenta que: "Embora definido no CTN, ou em norma geral de Direito Financeiro, o tributo há de ser instituído ou decretado por lei ordinária da Pessoa de Direito constitucionalmente competente. Não basta decreto do Executivo dessa Pessoa com apoio na norma geral federal”.338

Portanto, a inconstitucionalidade seria do decreto estadual que, ao arrepio da Constituição, instituísse ou majorasse o tributo sem previsão legal. Alguns entendem que não seria necessária a existência da Lei no caso de desonerarem-se tributos, criarem-se isenções, reduzirem-se alíquotas etc., o que em nossa visão seria condenável, diante do princípio da estrita legalidade tributária.

337 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS e a Emenda 33. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 80. São

Paulo: Dialética, 2002, p. 47.

Nesse sentido, aponta-se, a título de exemplo, a legislação editada pelos Estados, que contempla de maneira tímida a seletividade em razão da essencialidade de mercadorias, ainda em patamar mínimo considerável de tributação, embora seja estritamente necessário reduzir esse limite a zero, desonerando por completo os produtos essenciais.

O convênio ICMS n.º 128/94, do CONFAZ, dispõe que “ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica”.339

Observe-se que mesmo entendendo ser facultativa a seletividade no ICMS, o CONFAZ demonstra sensibilidade ao princípio, ainda que tímida, o que deveria fazer nas operações com a energia elétrica, com o serviço de telecomunicação, com o material de construção, com os serviços de transporte etc.

7.3.3. No IPTU

Não analisamos as regras jurídicas expedidas pelo Executivo quanto ao IPTU, haja vista que, no plano da legislação, os decretos e outros atos infralegais não possuem capacidade primária de instituir, modificar ou extinguir direito, servindo apenas de meio regulamentador da lei.

A análise das normas primárias neste item teria apenas o intuito de verificar como a lei que trata da seletividade está regulamentada, não dispondo efetivamente de alíquotas, pois essa função é específica da lei ordinária ou complementar. Portanto, não analisamos os atos infralegais que tratam do princípio.

No plano das decisões normativas, enfrentamos o mesmo problema do IPI, hipótese de incompetência dos julgadores no plano administrativo, para tratar de constitucionalidade de regra do direito. Considerando que o princípio da seletividade está insculpido no texto constitucional, impõe-se tal restrição.