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A separação patrimonial e o limite da responsabilidade da personalidade jurídica

3 A UNIPESSOALIDADE SOCIETÁRIA NO BRASIL E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

3.5 A separação patrimonial e o limite da responsabilidade da personalidade jurídica

Ao analisarmos a jurisprudência atual, percebemos que o princípio da autonomia patrimonial e da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade estão sendo aplicados equivocadamente.

A jurisprudência acerca dos direitos do consumidor, sem atender ao artigo 50 do Código Civil, determina a desconsideração da personalidade jurídica,

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Notícia publicada pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Disponível em: http://www.jucesp.fazenda.sp.gov.br/institucional_noticias_eireli_total.php. Acesso em: 10 jun. 2013.

longe de qualquer pudor e respeito à legislação, na medida em que aplica a Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual a simples inadimplência autoriza a invasão no patrimônio pessoal, face à vulnerabilidade do consumidor.154

Em pior situação estão os julgados de primeira instância na esfera trabalhista, que inadvertidamente invadem sem qualquer cuidado ou pudor os bens particulares dos sócios pelas dívidas sociais, em flagrante desrespeito à lei e aos princípios aos quais abordamos155, alicerçando-se em outros que afirmam ser de ordem social, mas que na verdade representam privilégio individual, em detrimento dos demais trabalhadores.

Vez ou outra encontramos decisões esparsas que efetivamente respeitam ao disposto no artigo 50 do Código Civil. São aquelas nas quais se forem nomeados bens à penhora por parte da empresa executada, não há que se invadir o patrimônio particular dos sócios156, justificando esse procedimento apenas em caso de abuso de direito, mas que infelizmente representam minoria.

154AGRAVO DE INSTRUMENTO.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA.Obstáculo ao ressarcimento de danos ao consumidor. Relação de consumo.Aplicação do art. 28, § 5º, do CDC. Teoria Menor da Desconsideração. Sócio minoritário, detentor de apenas 1% das cotas e sem poder de administração. Responsabilidade pessoal, mas subsidiária em relação ao sócio administrador, que exercia os poderes de gestão da empresa. Interpretação à luz da excepcionalidade da medida e do Enunciado nº 7 do CJF. Conformação da Teoria Menor aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Excesso de execução reconhecido. Afastados dos cálculos a cobrança de valores abrangidos pela gratuidade de justiça. Alegação de impenhorabilidade de bem de família rejeitada, porquanto determinada apenas penhora sobre direitos hereditários. Decisão parcialmente reformada. RECURSO PROVIDO EM PARTE (TJSP, Agravo de Instrumento nº 4012757020108260000 SP, Relator: Paulo Alcides, julgado em 16/12/2010). 155

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. CITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO DEVEDOR. 1. Não procede a alegada nulidade da citação, visto que a Corte de origem consignou que esta ocorreu validamente, tanto que a executada indicou bens à penhora, rejeitados pela exequente, sendo certo que não foram encontrados outros bens da pessoa jurídica, razão por que a execução voltou-se contra o patrimônio pessoal dos sócios. 2. A aplicação da teoria da despersonalização advém do descumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho e da falta de bens suficientes da empresa executada para satisfação das obrigações trabalhistas. Correta a constrição dos bens da ora agravante, considerando sua condição de sócia da executada durante a relação de emprego da autora, bem como a inexistência de patrimônio da empresa executada capaz de garantir a execução, conforme salientado na decisão proferida pelo Tribunal Regional. Agravo de Instrumento a que se nega provimento”. (TRT 15 Processo: AIRR - 262840- 52.2000.5.02.0076 Data de Julgamento: 18/08/2010, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/08/2010)

156 Voto do desembargador Eurico Cruz Neto: “(...) A desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa somente se justifica quando há prova incontestável de que os sócios agiram com abuso” (artigo 50 do CC).

Durante toda a instrução processual não restou demonstrado qualquer elemento de prova que pudesse atestar a inidoneidade financeira do primeiro reclamado e nem que os seus sócios estivessem agindo de forma a dilapidar- lhe o patrimônio.

Por óbvio que os créditos trabalhistas devem ser privilegiados. Contudo, a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa deve observar os requisitos legais, sob pena de aniquilarmos o conceito de pessoa jurídica. (...)” (TRT 15ª Região, Recurso Ordinário nº: 0942-2008-097-15-00-1, Relator: Desembargador Enrico Cruz Neto, julgado em: 01/09/2009)

Nas questões tributárias, existe solidariedade entre empresa e sócio- administrador, desde que estes últimos tenham praticado atos com excesso de poder ou em afronta à lei. Merece nosso destaque o fato de que a desconsideração é aplicada corretamente nos termos do artigo 50 do Código Civil.

Enfim, o problema mais sério e evidente parece realmente envolver a esfera trabalhista, que além de se destacar pelas decisões jurisprudenciais vem celebrando convênios para proceder a penhoras on-line e com o apoio da Receita Federal para acessar dados pessoais e quebrar o sigilo bancário porque segundo a ótica deste segmento isto melhora a prestação jurisdicional.

Conforme Fábio Ulhoa Coelho, é preciso que o Princípio da Autonomia Patrimonial tenha prestígio:

Se o direito brasileiro não prestigiar o princípio da autonomia patrimonial das sociedades empresárias, de um lado, os investigadores tradicionais não se sentirão suficientemente atraídos pelo ambiente negocial em nosso país e, de outro, os produtos ou serviços fornecidos por risk makers acabarão contribuindo para a carestia e inflação. Desse modo, interessa não somente aos sócios das sociedades empresárias a aplicação, pelo Poder Judiciário, do princípio da autonomia patrimonial, mas a toda a coletividade.157

Portanto parece não haver mais o que esperar. A sociedade sente os reflexos deste desequilíbrio, o que merece atenção redobrada dedicada ao assunto por parte dos operadores do Direito, e por atualmente os valores refletirem uma forte preocupação de ordem social, fica evidente que a proteção ao capital particular também reflete na proteção da coletividade.

3.6 Contexto de emergência da limitação da responsabilidade na