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Princípio da autonomia patrimonial e a EIREL

3 A UNIPESSOALIDADE SOCIETÁRIA NO BRASIL E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

3.8 Princípio da autonomia patrimonial e a EIREL

Fabio Konder Comparato expõe sobre os graus nos quais se apresenta e como deve ser aplicado o princípio da autonomia patrimonial para evitar distorções:

Essa separação patrimonial comporta graus, ela não é idêntica e uniforme em todos os casos. Mais acusada nas sociedades anônimas, em que o acionista não responde pelos débitos sociais, apresenta-se, ao contrário, mais atenuada naqueles tipos societários em que uma categoria de sócios, ou todos eles, respondem pelas dívidas da sociedade.

166

SOUSA, Marcos Andrey de. A constrição da cota de sociedade empresária limitada. São Paulo: PUC-SP, 2009, p. 146.

167 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p.21. 168

Ademais, em qualquer hipótese, essa separação patrimonial – causa do negócio de sociedade – obedece a certos pressupostos formais e substanciais, como o arquivamento dos atos constitutivos no registro público, ou a pluralidade de sócios.169

Com a EIRELI, através da Lei no 12.441/2002, a pluralidade de sócios deixou de ser requisito indispensável para a autonomia patrimonial, o que evidentemente demonstra a atenção do legislador aos anseios sociais.

O verdadeiro significado do princípio da autonomia patrimonial bem como o da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais e a maneira de se refletir nas exigências do mercado é importante para garantir a segurança ao investidor.

Até pouco tempo justificou-se a forma como era aplicado pelas regras do neoliberalismo mediante valores estabelecidos. Sua principal função era garantir a independência e a limitação do patrimônio dos investidores e assim o direito de mantê-lo intacto. A invasão no patrimônio dos sócios só é possível diante da afronta à lei, ao contrato ou nos casos envolvendo fraude comprovada. Numa visão individualista e apoiada na proteção do direito da propriedade, até então, a prevalência deste princípio não era tão contestada.

Atualmente o cenário é bem diferente, já que diante dos credores não negociáveis, as decisões dos tribunais vêm trazendo certo desequilíbrio com a invasão desordenada no patrimônio dos sócios, sem qualquer critério. Todavia, os próprios valores sociais é que devem fortalecer o princípio da autonomia patrimonial em detrimento de uma postura individualista. Já esclarecemos que os meios de produção nas mãos do empresário devem ser utilizados em benefício da sociedade e não contra ela. Por esta razão ao empresário responsável coerente com o seu investimento nada mais justo, que não dizer legal, o respeito a seu patrimônio, pois isso representa a garantia a preceitos e valores sociais.

Esses princípios vêm sendo colocados de lado, muitas vezes, desprestigiados ou abandonados, o que por si só afasta a vinda e a manutenção de novos investidores responsáveis e fiéis à atividade empresarial.

169 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 281-282.

Ocorre que o Direito Comercial como tecnologia170 somente se justifica desde que seus princípios estejam fortalecidos. Por esta razão, é o momento de buscarmos novos caminhos entre os valores emergentes da sociedade para solidifica-lo como ciência e manter a importância da sua aplicação relacionada e conjugada aos valores já consagrados por outros ramos do Direito.

Importante demonstrarmos que os princípios da autonomia patrimonial e da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais são importantes para manter os investimentos do setor privado, o que garantirá a sobrevivência do empresário em sociedade ou individualmente.

Não podemos esquecer que o homem precisa de normas que garantam sua tranquilidade no convívio social e especialmente lhe proporcione adquirir bens necessários à sua sobrevivência, cada vez mais sofisticados, com os quais a sociedade não só se acostumou mas passou a exigi-los.

Diante da evolução tecnológica que assolou o mundo de maneira assustadora, é importante que o Brasil, ao sair da condição de país emergente, fique atento e garanta o equilíbrio das suas relações sociais e econômicas.

Se por um lado existem fortes investimentos na área tecnológica, por outro vemos a aproximação de um momento de tensão relativo, por exemplo, às mudanças climáticas que geram grandes catástrofes e fortes impactos ambientais, sociais e econômicos. Num curto espaço de tempo, o homem irá disputar água e comida e não mais bens sofisticados tecnologicamente. É preciso termos consciência que a humanidade caminha a passos largos para uma era de escassez e por essa razão, é importante valorizarmos o Direito, especialmente o Direito Comercial que deve fortalecer a adoção de medidas protetivas ao empresário, em especial ao pequeno empresário e mais ainda àquele que sozinho busca na atividade empresarial o seu verdadeiro ofício. Isto porque todos os bens advêm da atividade empresarial, inclusive e especialmente os que garantem a subsistência.

É o empresário quem investe e integra o contexto social; como peça indispensável na busca em realizar o bem comum, proporcionar meios para todos desenvolverem suas habilidades. Nunca é tarde para chamarmos à realidade o fato

170 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: O Direito comercial e a disciplina da atividade econômica. v.1.São Paulo: Saraiva, 2011.

de que o empresário também tem sua quota-parte, no que se refere à responsabilidade social.

Providências demandam muita pesquisa, capital e trabalho, que se encontram no setor privado, pois o estatal está saturado e estagnado. Assim, as políticas públicas podem refletir incentivos e proteção a esse setor, que já está capacitado para atender às demandas emergenciais, em perfeita consonância com a responsabilidade social.

O mundo parece estar carente de investimentos que representem a mais simples garantia de sobrevivência do ser humano e um dos agentes mais importantes, nesse contexto, é o empresário, responsável pela circulação de riquezas e gerador de vários recursos, os quais o poder público não consegue atender. Todavia, ambos devem ter um objetivo comum, que é o de contribuir para a sustentabilidade ao realizar ações coordenadas e negócios sustentáveis, com foco nas necessidades das áreas de maior vulnerabilidade, melhorando assim a qualidade de vida da população.

Especialmente no Brasil, é necessário o engajamento não só das autoridades públicas, mas um envolvimento social de maior envergadura para suportar essas dificuldades.

O Direito visa equilibrar as relações sociais, uma vez que suas normas representam a proteção de valores consagrados pela sociedade. Assim, importante deve ser a proteção da atividade empresarial, cujo papel é significativo nesse contexto. O Estado não tem como suprir todas as deficiências e necessidades, principalmente em situações de risco acentuado, como no caso de fortes impactos causados pelas mudanças climáticas. Aliamos a isto o fato de que o Brasil, por ter um patrimônio ecológico inigualável e terras disponíveis ao agronegócio poder gerar riqueza com grande facilidade.

O Direito como ponto de equilíbrio às relações sociais está enfraquecido e poderá desembocar no desequilíbrio se não dedicarmos atenção para o fortalecimento dos princípios que norteiam a interpretação dos valores sociais efetivos.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “cada ramo jurídico assenta-se em valores próprios traduzidos pelos seus princípios.”171 Ao chamar a atenção para o fato de que os valores do Direito Comercial estão esgarçados e merecem reflexão e análise, destaca ideias e mecanismos que justificam a aplicação de princípios, diante do novo quadro em constante modificação .

Por fim, pretendemos demonstrar que fortalecidos esses princípios, os agentes estarão motivados a continuar investindo e também a aumentar os investimentos, garantir preços justos e produtos de melhor qualidade proporcionando uma sociedade mais justa e com melhor qualidade de vida. São os empresários os verdadeiros responsáveis não só pelos avanços tecnológicos mas também pela sobrevivência do ser humano ao garantirem os itens de subsistência, especialmente em situações que envolvem perigo e catástrofes.

Em relação ao princípio da autonomia patrimonial, seu papel no panorama brasileiro é proporcionar a certeza de que os investimentos serão mantidos, dando segurança àquele que o faz de forma solitária, sem outro sócio, como é o caso da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Não podemos enxergar quem detém o capital como um explorador implacável, uma vez que a função social é que permeia os objetivos do Direito Comercial.

Eunápio Borges oferece seu ponto de vista a respeito da divisão entre o patrimônio do sócio e o da sociedade:

Direitos ou dívidas da sociedade não são dívidas ou direitos dos sócios. Não pode o credor de um sócio compensar com a dívida dêste a sua dívida para com a sociedade. Do mesmo modo que um sócio não pode furtar-se ao pagamento de que deve a terceiro porque êste, por sua vez, seja devedor da sociedade.

Tão distinta, aos olhos da lei, é a sociedade, de todos e de cada um dos sócios, como distintos são os sócios uns dos outros ou de qualquer pessoa estranha à sociedade: universitas distat a singulis.

E‟, aliás, o que já se afirmava Ulpiano em texto célebre: “Si quid universitati debetur, singulis no debetur, nec quod debet universitas, singuli debent”., isto é, se alguma coisa é devida à universitas (à pessoa jurídica), não o é aos sócios, isoladamente, e o que a universitas deve, não é devido pelos sócios. 172

A autonomia patrimonial representa a perfeita divisão entre o que é do sócio e o que é da sociedade.

171 COELHO, Fábio Ulhoa. O Futuro do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2010, p.7. 172

Assim, a atividade empresarial exercida por meio da EIRELI garante a separação e a autonomia patrimonial, mesmo que exercida por uma pessoa apenas, pois trata-se de respeitar a propriedade a serviço da coletividade e não de um indivíduo apenas.

Entendemos que devem ter fim as posturas ingênuas que entendam ser a atividade empresarial egoisticamente direcionada a apenas uma pessoa. Não nos cabe adotar a postura de estudar a questão a partir de premissas individualistas. Isto porque a empresa representa uma atividade, um elo do processo de sobrevivência da sociedade, e portanto, do próprio homem.

4 DIREITO ESTRANGEIRO E A UNIPESSOALIDADE