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Atual quadro normativo português e sua influência no Brasil

4 DIREITO ESTRANGEIRO E A UNIPESSOALIDADE 4.1 Restrospectiva histórica

4.3 Atual quadro normativo português e sua influência no Brasil

Em Portugal, a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada foi introduzida pelo Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996, que assim dispõe:

As sociedades de responsabilidade limitada são a forma por excelência escolhida pelas pequenas e médias empresas. É clara entre nós a propensão dos empresários para a utilização desse tipo de sociedades como forma de enquadramento jurídico das suas empresas. As sociedades unipessoais por quotas existem em quase todos os Estados membros da Comunidade Europeia, já por razões jurídicas, já por razões económicas. Importa introduzi-las no nosso direito das sociedades.189

Por ser um tipo societário distinto dos tracionais, a sociedade unipessoal gerou discussões, tema este também abordado pelo Decreto-Lei:

É certo que a instituição das sociedades unipessoais por quotas levantou inicialmente delicados problemas doutrinais. Não faltou quem considerasse um «absurdo» a existência legal de sociedades unipessoais. Essa dificuldade recebeu uma resposta teórica, em que a sociedade unipessoal constituiria a exceção à regra das sociedades pluripessoais. Mas importa, sobretudo, facultar às pessoas uma forma de limitação da sua responsabilidade que não passe pela constituição de sociedades fictícias, com «sócios de favor», dando azo a situações pouco claras no tecido empresarial.190

E concluiu o legislador português pela criação de um novo tipo societário: 1

É ainda o reconhecimento dessa realidade que serve de primacial fundamento à presente institucionalização. Impõe-se, pois, sem abjurar, de momento, nenhuma das figuras legalmente estabelecidas, criar um novo tipo de sociedade, em que a responsabilidade do sócio único seja limitada. Sobretudo, em relação às pequenas e médias empresas, espera-se que esse novo tipo de sociedade constitua mais uma escolha que facilite a sua

189

BRASIL. Legislação.Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996. Disponível em:http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=2545. Acesso em 10 jun. 2013.

190

legalização e uma adaptação maior ao importante papel que desempenham no tecido económico nacional. 191

O Código das Sociedades Comerciais passou a ter em seu texto disposições sobre a sociedade unipessoal. O art. 270-a assim dispõe: “A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é titular da totalidade do capital sócia192”.

Quanto à firma dessa sociedade, prescreve o texto que “A firma dessas sociedades deve ser formada pela expressão 'sociedade unipessoal' ou pela palavra 'unipessoal' antes da palavra 'Limitada' ou da abreviatura 'Lda.' “193

Sobre os negócios realizados entre o sócio e a sociedade, há também uma disposição:

Artigo 270.º-F

Contrato do sócio com a sociedade unipessoal

1 - Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do objecto da sociedade e a respectiva autorização tem de constar da escritura de constituição da sociedade ou da escritura de alteração do contrato de sociedade ou da de aumento do capital social.

2 - Os negócios jurídicos entre o sócio único e a sociedade obedecem à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, devem observar a forma escrita.

3 - Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade, devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas; qualquer interessado pode, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade. 4 - A violação do disposto nos números anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio. 194

Em seu trabalho, Nelson Nones concluiu que

em Portugal, existe um sistema jurídico misto, que adota tanto o estabelecimento individual de responsabilidade limitada e a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada para atender ao empresário

191 BRASIL. Legislação.Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996. Disponível em:http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=2545. Acesso em 10 jun. 2013.

192 BRASIL. Legislação.Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996. Disponível em:http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=2545. Acesso em 10 jun. 2013.

193 BRASIL. Legislação.Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996. Disponível em:http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=2545. Acesso em 10 jun. 2013.

194

BRASIL. Legislação.Decreto-Lei 257, de 31 de dezembro de 1996. Disponível em:http://www.iapmei.pt/iapmei-leg-03.php?lei=2545. Acesso em 10 jun. 2013.

individual, quanto à sociedade unipessoal para atender a grupos empresariais195

Filipe Cassiano dos Santos comenta as questões práticas no direito lusitano a respeito das “sociedades unipessoais por quotas”. Segundo ele, os comerciantes e empresários individuais respondem ilimitadamente, enquanto a limitação da responsabilização clássica acontecia apenas em sociedades pluripessoais, constituídas necessariamente por mais de uma pessoa.

Assim, aquele indivíduo que, por qualquer motivo não quisesse ou não pudesse ser sócio em uma sociedade tradicional, mas não queria enfrentar os riscos inerentes de ser empresário individual, deixava de exercer a atividade econômica e portanto, tinha menos impostos recolhidos, menos movimentação no mercado e menos postos de trabalho.

Com as alterações legislativas propostas em Portugal, na atualidade é válido juridicamente que alguém seja o único sócio numa sociedade por quotas e mesmo assim, não responda, em regra, com o seu próprio patrimônio pelas obrigações e dívidas contraídas pela sociedade.

Esta configuração nos parece bastante positiva, mas o referido Autor em contrapartida, coloca que os credores, que também são comerciantes e empresários individuais e que assumiram os riscos da responsabilidade ilimitada, se sentem muito mais desprotegidos para executar seus créditos.

Para os sócios de sociedades unipessoais que têm muitas dívidas pessoais, este tipo de sociedade pode ser muito vantajoso, mas para aquelas pessoas naturais que têm considerável patrimônio não, se costumam honrar com o pagamento de referidas dívidas.

Para ele, a limitação da responsabilidade que seria uma forma de incrementar e movimentar a economia, pode se transformar em um meio fraudulento de empresários de má-fé.

Assim, o incremento da economia com a regulamentação jurídica das sociedades unipessoais também traz prejuízos ao expor uma parte considerável de agentes que a movimentam (no caso os empresários individuais), ao risco de não

195

NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do direito italiano, espanhol e português. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1460/1154>. Acesso em: 03 abr. 2012, p.25.

receberem seus créditos, pois dependem do pagamento e isso poderia levá-los à falência.

Este motivo não nos parece suficiente para criticarmos a existência das sociedades unipessoais, mas é uma interessante reflexão sobre como uma situação jurídica pode ser paradoxal, uma vez que, simultaneamente impulsiona a economia, favorece uns e a prejudica, desfavorecendo outros. 196

Mas são argumentos apenas, vez que o mercado se movimenta por si só e se realmente existem os que já estejam propensos a não honrar com suas obrigações, não será qualquer legislação que impedirá tal façanha. Lembrando o Direito procura amenizar os conflitos e solucioná-los, mas não impedi-los.

O autor português Ricardo Alberto Santos Costa197 traz uma explanação sobre algumas situações e questionamentos envolvendo o que no Direito lusitano é chamado de “sociedade por quotas unipessoais” (SQU). O autor considera “perplexidades” algumas situações trazidas à baila em relação à temática societária.

Alguns dizem respeito à importância econômica que a SQU assume na modernidade, outros abordam as discussões jurídicas que a unipessoalidade pode ocasionar em um meio, no qual tradicionalmente as sociedades, dentro da ótica contratualista, pressupõem a pluralidade de sócios.

Um destes debates se refere à visão, às vezes preconceituosa, de que a unipessoalidade ensejaria mais fraude a credores, algo que, precisa ser melhor redimensionado.

A abordagem começa necessariamente na constatação que o aumento da complexidade no mundo dos negócios os riscos levaram os empresários não mais desejarem desenvolver a tradicional atividade do “comerciante”, que respondia com seu próprio patrimônio pelas dívidas sociais, ilimitadamente.

Assim, o desenvolvimento de uma economia globalizada ensejou o surgimento de que muitos empresários se reuniam com mais algumas pessoas apenas sob o ponto de vista formal, como verdadeiros empresários individuais, mas cuja responsabilização estava limitada ao capital social inicialmente investido.

196

SANTOS, Filipe Cassiano dos. A Sociedade Unipessoal por Quotas. Coimbra: Coimbra, 2009. 197

COSTA, Ricardo Aberto Santos. A Sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Português. Coimbra: Almedina, 2002, p. 106-128.

Logo, em que pese toda a proibição jurídica, há uma constatação fática e inegável da existência das sociedades de “um só sócio”. Inicialmente, o que percebemos foi um abrandamento legislativo, que permitiu em alguns casos e por determinado período a unipessoalidade legalizada. Entretanto, lógico que, este fenômeno não se verificou em todas as legislações e nem teve a mesma intensidade entre elas, o que levou na década de 70 à classificação efetuada por Ferrer Correia198:

a) sistemas que se posicionavam fortemente contrários à unipessoalidade; b) sistemas que dissolviam de pleno direito as sociedades de pessoas e não as de capital;

c) sistema próprio da Itália de dissolução ipso iure;

d) sistema próprio da França de dissolver todas as sociedades judicialmente. Ela centralizava o pensamento conservadorista, a ponto de dissolver de pleno direito e de forma imediata a sociedade cujas participações se concentrassem em um único sócio.

A aceitação da unipessoalidade em alguns casos e por algum momento representava um avanço em relação à sua total inaceitabilidade. Ainda assim, refletia um conservadorismo na concepção societária de uma economia de mercado, pois apenas concedia um prazo para a regularização. Entendia-se, portanto, que a unipessoalidade era um problema, uma irregularidade, um vício a ser sanado.

A concessão de prazo para regularização gerava inúmeros problemas, pois como era para ser algo apenas temporário, não trazia nenhuma normatização dos atos que poderiam ou não serem praticados na sua vigência.

Exemplo típico se refere à impossibilidade da reunião de assembleia, o que acabava conduzindo à dissolução pelo não-atendimento dos fins estatutários pela paralisação dos orgãos societários.

A ideia de que a unipessoalidade poderia ser uma situação societária começou a se fortalecer mais recentemente e ainda hoje, não está totalmente amadurecida. Em alguns países não existe ainda a possibilidade legal de sua previsão, mesmo com a sua existência fática.

198 CORREIA, A. A. Ferrer. Sociedades unipessoais de responsabilidade limitada. Coimbra: Almedina, 2000

É necessário desvincular a ideia de que ao limitar a responsabilidade, haverá necessariamente fraudes e prejuízo aos credores; a responsabilização não pode ter como escopo fraudes e crimes mas possibilitar um incremento à economia, mediante incentivo àquelas pessoas que podem muito bem desenvolvê-la, mas o fazem sozinhas.

O fortalecimento da concepção de unipessoalidade está diretamente vinculada à diminuição do risco pessoal da pessoa física do então empresário individual, o que possibilita um efetivo fomento na economia. As grandes empresas movimentam imenso capital no mundo dos negócios, mas são as micro, pequenas e médias empresas que constituem o cerne da economia. Logo, saber incentivá-las é em última instância, possibilitar um desenvolvimento econômico ímpar no contexto globalizado.

Historicamente, se referindo em tempos pretéritos, a pessoa respondia com a própria vida (ou com partes mutiladas do seu corpo) pelas suas dívidas199. Posteriormente começou a responder com a privação da liberdade e atualmente responde com a parte correspondente ao capital integralizado referente às atividades econômicas que desenvolve.

Contudo, este panorama evolutivo não se aplicava (até recentemente e em muitos ordenamentos jurídicos, continua não sendo aplicado) ao empresário individual, que continuava respondendo com todo seu patrimônio pelas dívidas, ainda que exclusivamente de caráter societário.

É necessário separar os bens pessoais e familiares dos bens societários pois da mesma forma que, nesta separação jurídica de responsabilidade, a economia se desenvolve pelo estímulo conferido ao tal empresário individual, a família, fortemente protegida pelo Direito, por normas de ordem cogente, também não fica à mercê das flutuações do mercado financeiro.

Podemos considerar que a possibilidade jurídica da sociedade unipessoal culmina com a maturidade da aplicação do conceito de Responsabilidade, instituto do Direito Civil que começou com abrangência total, mas chegou à limitação coadunada com os preceitos do Direito Societário e do Direito de

199 PRADO, Antonio Orlando de Almeida Prado (organizador). Código de Hamurabi: Lei das XII Tábuas Manual dos inquisitores – Lei do Talião. Florianópolis: Conceito, 2007. p.61 e 28.

Família, abrangendo neste novo patamar o empresário individual que continuava à margem da limitação citada.

A base portuguesa para o Brasil foi especificamente em relação ao modelo de sociedade unipessoal por quotas, embora muito do que é adotado em Portugal não o tenha sido no Brasil, conforme trataremos adiante.

4.4 Referências do direito estrangeiro