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1 – A sexualidade humana inscrita no masculino e no feminino

A pessoa humana é um ser com estrutura biológica, psicológica, cultural, social e sexual. Estas estruturas afectam o homem e a mulher em todo o seu ser. Ao mesmo tempo a pessoa humana tem em comum direitos e deveres, capacidades naturais, intimidade e liberdade quer seja homem quer seja mulher. “A realidade humana, no seu conjunto, é sexuada, isto é, está moldada em feminino ou em masculino. E o sexuado é algo muito mais rico, amplo e complexo que o meramente sexual”286. Daí a confusão entre sexuado e sexual é uma forma redutora de entender a sexualidade.

A sexualidade humana é uma realidade complexa, bela e delicada que tem sido sujeita a múltiplas interpretações que, frequentemente, ocasionam grandes conflitos.

Merleau-Ponty foi o primeiro existencialista a dar importância ao corpo humano a partir do fenómeno da inter-subjectividade. Este pensador considera o corpo humano como o único meio que possibilita ao homem ter consciência de si, relativamente a outro homem. O corpo é, desta forma, a manifestação, a expressão, o instrumento da existência, no qual se expressa com diversas intencionalidades, a motricidade, a inteligência e a sexualidade.

Dado a sexualidade fazer parte da estrutura da pessoa humana, esta aparece como uma das formas de expressão da existência que se converte em linguagem do ser. “A sexualidade é a que possibilita a relação interpessoal devendo-se evitar vivê-la de modo egocêntrico, pois poderia supor a negação do relacional. Em toda a relação com o outro a sexualidade exerce influência, mas a relação eu-tu mais importante é a relação heterossexual que culmina com a construção dum projecto de vida em comum. Mas esta relação heterossexual deve fundar-se num amor não egoísta, mas de entrega ao outro e assumido por todo o ser da pessoa”287. A sexualidade não é a existência, mas é o seu sinal privilegiado de expressão, pois é, neste contexto que aparece de um modo particular o corpo. No entanto, a sexualidade expressa-se a nível consciente utilizando o

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YEPES STORE, Ricardo e ARANGUREN ECHEVARRÍA, Javier, op. cit., p. 202. 287

TREVIJANO, Pedro, Madurez y Sexualidad, 2ª ed., col. “Lux Mundi”, Ediciones Sigueme, Salamanca, 1994, p. 43.

desejo como meio fundamental de abertura ao outro para lhe permitir uma relação dialogal.

Esta concepção da sexualidade, como uma intencionalidade da existência e um modo de conhecer o outro, integra a corporeidade dentro do fenómeno da sexualidade humana, evita restringi-la à genitalidade e coloca em relevo o carácter dialogal que tem a relação sexual. Quando se faz a integração da corporeidade, aparece a sexualidade na mais ampla dimensão pessoal, pois o corpo é e pertence ao centro da personalidade. A sexualidade é uma forma de comunicação entre pessoas na sua dimensão mais profunda da inter-subjectividade.

A dimensão existencial da sexualidade também se completa a partir da antropologia e da teologia que, na actualidade, procuram compreender a corporeidade humana de forma diferente da do pensamento de outras épocas.

A contemporânea antropologia faz a distinção entre corpo e corporeidade. O corpo é tudo o que se pode estudar a nível anatómico e fisiológico, enquanto que a corporeidade é a experiência vivida pelo homem, tornando-se desta forma uma realidade fenomenológica.

Dos muitos estudiosos que se debruçaram sobre esta temática, evidenciamos Max Sheler, pois foi um dos que realizou uma análise fenomenológica mais clara deste problema central da antropologia contemporânea e que maior impacto teve no pensamento de Karol Wojtyla, como nos foi dado observar.

Assim como a antropologia, a teologia actual procura recuperar a visão unitária do homem, fazendo cair a compreensão grega do homem composto por alma e corpo. A literatura teológica dos últimos anos fez uma valorização humano-cristã da condição da corporeidade.

A ética frente ao tabu, à banalização e à idolatria do corpo, hoje propõe um ethos positivo e responsável para integrar a corporeidade dentro do significado de pessoa que contém determinados valores genuinamente humanos.

Assim, a sexualidade faz parte integral da pessoa humana. Esta pessoa está envolta no mistério da vida e da morte, pelo que a sexualidade é também expressão da mesma vida e da mesma morte. O homem, ao tomar consciência do dinamismo vital da vida, faz dela uma vivência e, ao mesmo tempo, faz da sexualidade a festa da vida, a alegria de viver.

A sexualidade é um conceito antropológico, que afecta toda a pessoa. O ser humano existe como homem ou como mulher desde o primeiro momento da sua

concepção e ao longo de todo o seu desenvolvimento. Todo o ser humano é homem ou mulher e esta inscrição é condição de toda a pessoa humana.

A sexualidade humana apresenta também diferenças a nível da sua vida psicológica e intelectual que afectam o modo de ser, de estar e de pensar do homem e da mulher. As dimensões da sexualidade humana têm sido objecto de especial atenção por parte das ciências humanas e sociais nas últimas décadas. Estes estudos permitiram aumentar o conhecimento da realidade complexa que é a sexualidade humana e perceber as suas diferenças.

A primeira diferenciação entre o homem e a mulher, que devemos enumerar, é sexual e radica na configuração cromossómica a nível genético. A principal diferença entre o homem e a mulher encontra-se nos núcleos celulares humanos que contêm, normalmente 46 cromossomas, repartidos por 22 pares de cromossomas somáticos e dois cromossomas sexuais: XX para a mulher e XY para o homem. O cromossoma Y determina normalmente a masculinidade.

O corpo e a anatomia formam a segunda diferenciação. Esta diferenciação fundamental é o papel distinto dos órgãos corporais face à função biológica que se destina à reprodução sexual. Neles se produzem células masculinas (espermatozóides) ou as células femininas (óvulos) que fundidos dão origem a um novo ser humano, mediante a união sexual do homem e da mulher.

Damo-nos conta no dia a dia de caracteres próprios da feminilidade e da masculinidade do homem e da mulher. Esta diversidade possibilita um enriquecimento mútuo que permite a complementaridade. A sociedade de hoje incrementa, cada vez mais, a “igualdade entre o homem e a mulher, ao mesmo tempo, que respeita a diferença de uns (...) e outros, (…) na procura da complementaridade. A harmonia dos sexos (pag.201) não se restringe ao âmbito da vida sexual, uma vez que é uma verdadeira necessidade de comunicação e de entendimento entre as duas metades da humanidade: nisso consiste o jogo da harmonia da família, instituições e de toda a sociedade”288.

Pedro Trevijano afirma que temos perante nós um ser sexuado, cuja dimensão sexual faz parte da existência do próprio homem. “A sexualidade não se pode considerar como algo isolado, pois teria sido gerada num biologismo superficial, pois está enraizada no núcleo do próprio ser humano, e só pode ser adequadamente contemplada dentro do contexto da pessoa e da totalidade da vida humana”289 Para além da dimensão

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YEPES STORE, Ricardo e ARANGUREN ECHEVARRÍA, Javier, ibidem. 289

da sexualidade, este ser pensa, percebe, sente e deseja como homem ou como mulher, como um ser humano, como um ser sexuado humano. A sexualidade, como elemento básico da pessoa, começa na concepção, pois a ordem cromossómica está inscrita na minúscula célula fecundada que se desenvolve e prolonga durante toda a vida, como já referimos.

A sexualidade abarca todos os aspectos da pessoa humana e está relacionada com a afectividade, a capacidade de amar e de procriar, atingindo a sua plenitude ao estabelecer vínculos de comunhão com os outros. Assim sendo, a sexualidade apresenta-nos diversos aspectos, dos quais realçamos o aspecto biológico, psicológico, social e ético.

O aspecto biológico insere a sexualidade na relação com a sua componente anatómica, fisiológica e genética, já referida anteriormente.

O aspecto psicológico dá-nos a dimensão da sexualidade como meio para alcançar a maturidade pessoal da afectividade e do amor.

O aspecto social da sexualidade cria a abertura aos outros, no sentido da responsabilidade perante os outros e perante as consequências que advêm dos nossos actos. De entre os vários aspectos da sexualidade temos que ter em conta a força que favorece a união entre os sexos e a reprodução. Associada a estes dois aspectos e, não menos importante nos dias de hoje, está a necessidade de independência dos pais para construir a sua própria família e criar a sua vida de adulto. Os aspectos sócio-culturais influenciam a sexualidade humana, particularmente, no que diz respeito entre as pessoas do mesmo ou distinto sexo, segundo os papéis que desempenham no meio familiar ou social. Na cultura cristã a sexualidade contribui para o desenvolvimento da pessoa, especialmente do amor. Mas a crise da sociedade actual não é isolada nem sexual, pois tem na sua raiz fenómenos que derivam da concepção do homem que se considera dono do seu próprio corpo e da realidade que o rodeia. Para separar o trigo do joio da sociedade contemporânea Pedro Trevijano defende que é necessário considerar o homem na sua totalidade e educar as crianças para serem pessoas maduras, conscientes e responsáveis relativamente à sua sexualidade.

O aspecto ético apresenta como princípios mais concordantes a integridade e a igualdade pessoal entre os sexos, apesar da sociedade pluralista e das divergências nas valorizações éticas do comportamento sexual. A sexualidade é fonte de um poderoso impulso de desejo e de prazer que se converte num lugar de encontro e de amor com o outro. Na concepção cristã a sexualidade está orientada para o diálogo interpessoal,

contribui para a maturação integral da pessoa humana, como refere Pedro Trevijano, abrindo-a ao dom de si no amor, possibilitando a transmissão da vida estes valores positivos estimulam e facilitam a configuração do ser humano no seu aspecto sexual de acordo com a lei fundamental do Génesis, em que o homem e a mulher foram criados à semelhança de Deus.

A sexualidade abarca toda a pessoa e é, ao mesmo tempo, uma realidade dinâmica que se desenvolve por etapas cada vez mais centradas nos outros. A sexualidade é uma força para edificar e construir a pessoa uma vez que permite a maturidade e a integração pessoal, realizando a abertura do ser humano ao mundo do “tu”, envolvido num clima de relações interpessoais múltiplas que o abrem ao “nós”290.

O amor e a sexualidade nascem na abertura ao «nós», à dimensão social e à responsabilidade que temos pelos outros. “Para Pedro Trevijano os delineamentos éticos não podem estar ausentes da problemática sexual. À partida ninguém tem direito de considerar a outra pessoa exclusivamente como meio para satisfazer interesses ou necessidades próprias, daí que para ele o princípio ético fundamental é e será sempre o mesmo, ainda que adopte formas muito diversas, de acordo com as diferentes civilizações, tempos e culturas: o respeito para com as outras pessoas”291.

A sexualidade actual, refere este autor, tem o direito e a obrigação de estar atenta e denunciar as manifestações públicas da dimensão sexual que promovam a liberdade da pessoa humana. Dada a sociedade permissiva é necessário e urgente insistir na responsabilidade pessoal que torna mais prudente a pessoa humana e ajuda a atingir a maturidade sexual.

Na opinião de Pedro Trevijano, a sexualidade envolve o homem todo, desde que nasce até ao último momento da sua existência. Homem que participa e expressa o seu próprio mistério, enquanto ser aberto ao encontro do outro. Desde o momento da saída do seio materno, este ser parte à aventura do outro, do mundo. Esta exterioridade do mundo é estruturada por coisas, mas são os homens e, particularmente, o Absoluto que este ser procura em definitivo. Podemos dizer que esta pessoa humana tem como principal objectivo construir relações interpessoais de afectividade, pois é o único ser com capacidade para amar, procriar e estabelecer laços de comunhão com os outros, completando o conceito de pessoa humana aberta aos outros. “A sexualidade supõe uma

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Cf. TREVIJANO, Pedro, op. cit., p. 43. 291

energia fundamental e é a fonte dum poderoso impulso de desejo e de prazer, podendo também converter-se num lugar de reconhecimento do outro, de encontro e de amor, isto é, numa causa de humanização”292.

O homem como um absoluto relativo, uma vez que duas pessoas se reconhecem mutuamente como absolutas e respeitáveis em si mesmas, reconhece uma instância superior que as reconhece a ambas como tais, isto é, um Absoluto do qual dependem de algum modo. Assim, a pessoa apresenta-se-nos como uma realidade que deve ser sempre respeitada, mas que, ao mesmo tempo, reconhece um Absoluto que promove a dignidade da pessoa humana. A dignidade humana está vinculada a Deus que faz de cada homem um homem novo.