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A título de exemplo, veja-se que o tema escolhido no ano lectivo de 1954/1955 foi a “Acção e Experiência Moral”, enquanto no ano seguinte privilegiou a “Bondade e Valor”, para dar continuidade com “Norma e Felicidade” – tema que ocupou o ano lectivo de 1956/57. Já nos anos seguintes, optou pelo tratamento de uma temática que punha em destaque as questões da ética sexual, tendo este trabalho sido compilado na obra “Amor e Responsabilidade”.

Na KUL para além de ser um pensador e um ser humano que os alunos queriam seguir também prestava trabalho pastoral ao confessar e escutar os alunos que lhe apresentavam os seus problemas pessoais e espirituais.

Aos trinta e oito anos, este pensador viu aumentarem-lhe as responsabilidades ao ser nomeado Bispo.

As suas actividades pastorais em Cracóvia fizeram com que tivesse que reduzir o número de aulas aos níveis mais avançados, deixando mesmo de leccionar durante dois anos, depois do ano lectivo de 1960/1961.

A sua vida académica, na qualidade de docente não terminou ali, uma vez que continuou a orientar durante mais um ano os seus discípulos filósofos no seminário doutoral sobre ética filosófica.

“O sentido de responsabilidade do professor Wojtyla para com os seus alunos não cessava quando complementavam os seus doutoramentos; também tratava ajudá-los a obter postos docentes”96.

Contudo, as obrigações pastorais operaram um corte na carreira académica, a qual abraçou durante vinte e dois anos.

DE PADRE A PAPA

Em Agosto de 1958, no âmbito do Srodowisko, o Padre Karol Wojtyla encontrava-se com os amigos quando recebeu uma carta que lhe ordenava a presença imediata, junto do Cardeal Wyszynki, em Varsóvia. Junto do Cardeal Wyszynski foi informado de que no dia 4 de Julho, o Papa Pio XII o tinha nomeado bispo titular de Ombi e auxiliar do Arcebispo Baziak, administrador apostólico da Arquidiocese de Cracóvia. Este foi o último acto oficial de Pio XII que morreu onze dias depois.

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WEIGEL, George, op. cit., p. 137. 96

O Padre Karol Wojtyla aceitou a nomeação e de imediato deslocou-se para o convento ursulino para rezar. Depois de estar prostrado no chão durante várias horas, as irmãs perguntaram-lhe se ele queria alguma coisa para comer? A esta pergunta, o Bispo nomeado “respondeu: «O meu comboio não parte para Cracóvia antes da meia-noite. Por favor, deixem-me ficar aqui. Tenho muitas coisas para conversar com o Senhor…»”97.

A ordenação ocorreu no dia da festa de São Venceslau, 28 de Setembro de 1958, na Catedral de Wawel. Os amigos, os colegas académicos e os membros do Srodowisko encheram completamente a Catedral. Como mote do brasão episcopal, o Bispo Karol Wojtyla, escolheu a expressão “Totus Tuus”. Esta expressão advém da adaptação da oração de St. Luís de Monfort, em dedicação à Virgem Maria que o recente Bispo leu entre os baldes, nas noites passadas na fábrica Solvay.

Enquanto alguns rejubilaram de alegria outros houve que não concordaram com a nomeação. De entre os últimos destacou-se o professor Adam Vetulani, que o passou a chamar de “Bispo Docente Karol Wojtyla”, pois pensava que não estava correcto que um aluno, mais tarde professor, devidamente preparado e brilhante se tornasse num “homem de estado”.

Ao tornar-se Bispo não desistiu de continuar a dar aulas, muito embora tivessem aumentado as suas responsabilidades pastorais. Como Bispo viajava mais pela arquidiocese, proferia mais discursos, orientava mais retiros, rezava mais missas específicas com grupos de médicos, juristas e intelectuais, crismava crianças e substituía o “Arcebispo” Baziak. Com os grupos de discussão formados quando ainda era padre continuou a fazer encontros onde eram estudadas e discutidas as “ciências duras”. No meio de toda esta actividade pastoral e intelectual, a parte administrativa era a que menos dominava, pois considerava-a como sendo algo fora da vocação episcopal. “Para ele, o episcopado constituía proeminentemente o ofício de pregar e ensinar, e se mostraria infatigável no serviço de tal apostolado em Cracóvia. (…) O ritmo acelerado acompanhava-o”98.

A determinação do regime em lhe dificultar a vida pastoral intensificou-se. Estas dificuldades estavam intimamente ligadas à expansão da capelania de estudantes e ao ministério do serviço de saúde que estava em amplo desenvolvimento. Face às atitudes de repressão por parte do regime, o Bispo Karol Wojtyla prosseguiu as suas actividades

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WEIGEL, George, op. cit., p. 147. 98

pastorais, sendo de salientar a celebração da Missa do Galo ao ar livre, em Nowa Huta, cidade modelo construída pelo regime sem uma igreja. Este era um dos momentos que irritava particularmente as autoridades. No tempo gélido do Inverno uma celebração ao ar livre criava uma analogia perfeita com o acontecimento vivido em Belém, onde não havia lugar para os receber, como escreveu anos mais tarde.

Com tanta ocupação podemos pensar que não tinha tempo para as suas paixões desportivas. Mas isso não era verdade, porque continuou a fazer caminhadas com o

Srodowisko e a andar de caiaque, nos quinze dias que passavam juntos nas férias do

Verão.

Na noite de 14 para 15 de Junho de 1962, faleceu o “Arcebispo” Basiak que na sua pedra tumular tinha escrito «Arcebispo de Cracóvia», titulo que não recebeu em vida.

“No dia 16 de Julho, o Capítulo Metropolitano, um grupo de sacerdotes de alta categoria, elegeu a Wojtyla «vigário capitular», ou administrador temporal, da arquidiocese de Cracóvia até que se pudesse nomear e se instalasse no cargo um sucessor do arcebispo Baziak”99.

Mais uma vez o regime procurou decapitar a educação dos jovens seminaristas ao reivindicar o edifício do seminário para funcionar nele a Escola Superior de Pedagogia. O Vigário Capitular Karol Wojtyla, ao ser informado desta atrocidade e para espanto de todos resolveu dialogar, pela primeira vez, directamente, com as autoridades. Numa reunião com o secretário do partido comunista, chegou a acordo ao permitir que o seminário permanecesse no mesmo edifício, ocupando os dois primeiros andares enquanto que a Escola Superior usufruiria do terceiro andar. Isto nunca tinha acontecido, como comentaram alguns padres.

A 30 de Dezembro de 1963, Paulo VI nomeou o Bispo Karol Wojtyla, Arcebispo de Cracóvia tendo-se tornado “ um advogado implacável e sofisticado dos direitos tanto religiosos como civis dos seus paroquianos”100.

No dia 8 de Março de 1964, com apenas quarenta e três anos, Karol Joséf Wojtyla tomou posse como Arcebispo Metropolitano de Cracóvia. Segundo as suas palavras, a Catedral de Wewel recebia nesse dia um filho gerado na Igreja de Cracóvia. Estava ali para servir com a ajuda de todos, para ser um Pastor que esperava dar e

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WEIGEL, George, op. cit., p. 152. 100

receber. Este novo arcebispo já tinha em mente um objectivo: implementar na arquidiocese o verdadeiro significado do Concílio, sempre à luz do Evangelho.

“Ser arcebispo de Cracóvia, escreveria, era ser consciente de um «profundo sentido de responsabilidade», intensificado dado pelas «grandiosas e eloquentes memórias do passado» que estavam vivas na arquidiocese”101.

Em meados da década de sessenta, o Governo da Polónia participou a Roma o seu interesse num segundo cardeal para além do Cardeal Wyszynski. Nesta altura os comunistas já se encontravam muito desiludidos com o Arcebispo Karol Wojtyla que segundo o seu modo de ver os tinha enganado e tinham em vista a divisão da Igreja com a vinda de um novo cardeal. O Papa Paulo VI deferiu-lhes o pedido nomeando o Arcebispo Karol Wojtyla, no dia 29 de Maio de 1967, para o Colégio dos Cardeais.

A 28 de Junho de 1967, o Cardeal Karol Wojtyla recebeu o chapéu cardinalício das mãos do Papa Paulo VI na Capela Sistina. Durante as sessões do Concílio Vaticano II o Papa Paulo VI criou uma profunda admiração pelo jovem Bispo Polaco, desenvolvendo um sentimento profundo de afeição paternal, recíproco. Este novo Cardeal continuou a viver de forma pobre e regrada, apaixonado pela natureza, pelos desportos de montanha e fazendo férias com os seu amigos do Srodowisko.

As suas responsabilidades voltaram a aumentar, não só para com Cracóvia, mas para com os membros do clero da Diocese de Roma. Os cardeais são membros de congregações da Cúria Romana, equivalentes a departamentos ministeriais. Estas congregações faziam encontros em Roma pelo que teve que se deslocar frequentemente, particularmente nos anos setenta.

“Durante a década dos 70, Karol Wojtyla converteu-se num dos clérigos mais conhecidos no mundo – para os seus colegas das altas esferas do catolicismo romano e mesmo para a imprensa internacional.

A eleição de Wojtyla para o Colégio Cardinalício, em 1967, intensificou a sua participação em assuntos internacionais católicos, que se tinham iniciado no Concílio Vaticano II. Contudo, seria o seu trabalho no Sínodo Internacional dos Bispos que o introduziria na realidade, a Karol Wojtyla, no episcopado do pós-concilio”102.

O Sínodo dos Bispos iniciado em 1967 era constituído por um colégio de bispos católicos do mundo, fundado pelo Papa Paulo VI como expressão visível da

Constituição Dogmática sobre a Igreja, elaborada no Concílio Vaticano II.

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WEIGEL, George, op. cit., p. 187. 102

Em 1967 o Cardeal Karol Wojtyla em solidariedade para com o Cardeal Wiszynski que não obteve autorização governamental, não pode comparecer.

Em 1969, foi nomeado por Paulo VI como membro do primeiro encontro extraordinário do Sínodo para debater o relacionamento da Santa Sé com as conferências nacionais de bispos e as relações entre as mesmas. O Cardeal Karol Wojtyla usou da palavra salientando que a comunidade dos bispos deveria viver segundo uma communio sacramental, algo que nem sempre acontecia.

O Sínodo de 1971 teve dois encontros. No segundo encontro debateu-se o sacerdócio e a justiça social. O Cardeal Karol Wojtyla evidenciou a necessidade de considerar a liberdade religiosa e a pobreza como questões de justiça. Para colocar em prática este propósito argumentou que a Igreja deveria começar por dar voz nesses debates às Igrejas da América Latina e da Europa Ocidental. No final deste Sínodo, o Cardeal Polaco foi eleito para o Concílio do Sínodo. Este era o primeiro sinal de estima dos seus pares.

Em 1974, o Sínodo debateu a evangelização no mundo moderno. O Cardeal Karol Wojtyla foi nomeado relator deste Sínodo, pouco pacífico, que terminou num impasse eclesiástico. Como os membros do Sínodo foram incapazes de chegar a um consenso, canalizaram o problema para uma comissão pós-sinodal. Daqui nasceu um dos melhores documentos do pontificado do Papa Paulo VI, a exortação apostólica:

Evangelii Nuntiandi.

Reeleito para o Sínodo de 1977, cujo tema central foi catequese ou educação religiosa, o Cardeal Karol Wojtyla teve que regressar a Roma. Interveio apresentando a “nova catequese” imposta pelo regime da Polónia que constituía uma afronta à liberdade religiosa. “Numa segunda intervenção, o cardeal observou que «os santos eram os melhores catequistas», porque a educação religiosa efectiva não tinha lugar apenas através da transmissão de ideias, mas também através do exemplo da virtude heróica”103.

Durante este Sínodo a idade e a saúde débil de Paulo VI constituíram motivo de debate sobre o futuro da Igreja. Nesta estadia de seis semanas o Cardeal dialogou com muitos dos seus pares, alguns dos quais candidatos a Papa. Dez anos depois de ser nomeado cardeal, foi eleito pela terceira vez para o Sínodo, sendo um dos cardeais mais respeitados da Igreja.

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Ao mesmo tempo que nos anos setenta os Sínodos decorriam o Cardeal Karol Wojtyla também se deu a conhecer ao mundo e conheceu a realidade do mundo, particularmente, a realidade ocidental que passamos a apresentar.

Em 1969 durante o mês de Agosto e Setembro visitou as comunidades polacas do Canadá e Estados Unidos onde celebrou missas e pregou em diversas cidades. Em Filadélfia teve um encontro especial com estudantes seminaristas afro-americanos onde quis conhecer a situação da Igreja dos negros e a sua experiência nos Estados Unidos.

No mês de Fevereiro de 1973 participou no Congresso Internacional Eucarístico de Melburne, na Austrália. Neste trajecto visitou Manila onde ficou impressionado com a profunda devoção dos filipinos, comparando-os com os polacos de Czestochowa; na Nova Guiné permaneceu três dias para visitar os missionários polacos; na Nova Zelândia encontrou-se com a comunidade polaca de Wellington e, finalmente, chegou a Melburne. Em todas as comunidades visitadas celebrou missa, fez palestras, visitou lares, escolas e conventos, participou em encontros com as entidades oficiais, com veteranos de guerra que lhe ofereceram uma estátua de aço para a Igreja em Nowa Huta e com associações culturais polacas. Desta viagem recolheu uma experiência de vivacidade, expansividade e diversidade multicultural, tratando-se para ele de um mundo completamente novo.

Para além das viagens em que visitou as comunidades de patriotas espalhados pelo mundo começou a tornar-se um chamariz para os dignitários da Igreja que mostravam interesse em visitar a Polónia. Com esta finalidade recebeu, em 1973 a visita do presidente da Conferência Alemã de Bispos, com quem rezou no campo de concentração de Auschwitz e Birkenau e, em 1974, foi a vez de cardeais franceses e italianos e bispos belgas e do Burundi.

“Em 1976, a paz internacional aceleraria a sua vida. Num surpreendente gesto de confiança no jovem cardeal polaco, o Papa Paulo VI convidou Karol Wojtyla para oficiar o retiro quaresmal anual do pontífice e da cúria romana, que se celebrava tradicionalmente durante a primeira semana da Quaresma”104. O Cardeal Karol Wojtyla preparou o retiro que teve início a 7 de Março, em menos de um mês. Mais uma vez escolheu o refúgio das montanhas e a capela para escrever as vinte e duas reflexões que tiveram como tema central o ponto 22 da Gaudium et spes, ponto teológico principal do Vaticano II para o Cardeal Karol Wojtyla. Para concretizar este projecto, partiu do

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humanismo cristão, examinou alguns aspectos da vida de Cristo utilizando diversos pontos de vista literários, o Antigo e o Novo Testamento, escritores cristãos, filósofos e teólogos contemporâneos, como Martin Heidgger, Paul Ricoeur, Henri de Lubac, Karl Rahner, Hans Küng e Walter Kasper. Também se serviu da sua experiência pastoral e pessoal do confessionário, com enorme emoção, dizendo que um ser humano que se ajoelha no momento da reconciliação entra num grandioso e íntimo encontro com Deus, na verdade interior da sua consciência. Muitos comentaram o pastor intelectualmente astuto e objectivo, capaz de transmitir a verdade cristã à modernidade.

Nos meses de Verão passou seis semanas nos Estados Unidos como participante do Congresso Internacional Eucarístico. Nesta viagem discursou na Escola de Cursos de Férias de Harvard e na Escola de Campo de St. Sebastian, sobre o tema “Participação ou Alienação”. Na Escola de Campo de St. Sebastian ficou alguns dias para aperfeiçoar o inglês. No dia 3 de Agosto proferiu a homília do Congresso dedicada ao tema “A Eucaristia e ânsia de Liberdade do Homem”, explicitando que a liberdade era uma dádiva e uma missão, era como que um teste à maturidade, um gesto de plena generosidade, era amar o que era verdadeiramente bom. Desta estadia as recordações tinham-se transformado em preocupações, pois a cultura americana pós Vietname estava a fazer da liberdade um caminho para a libertinagem e não para a verdade.

No decorrer dos anos setenta, em que teve uma agenda tão completa, os confrontos entre a Igreja e os agentes do comunismo polaco foram contínuos. Para a população que não estava de acordo com o regime estes anos foram de grande agitação. Esta agitação era consequência das injustiças perpetradas pelo regime. Os estudantes eram obrigados a memorizar a poesia do Partido; os estudantes qualificados cujos pais não tinham a ideologia oficial viam a sua carreira universitária aniquilada; as eleições para qualquer comissão eram manipuladas a favor dos apoiantes do governo; os dias das festas religiosas foram transformados em feriados governamentais. O Cardeal Karol Wojtyla sentiu de perto estas represálias. A sua residência passou a estar sobre escuta telefónica e o carro era constantemente perseguido. “As amizades que tinha cultivado ao longo dos anos com o Srodowisko tinham-lhe proporcionado uma compreensão detalhada de como eram as coisas, dia após dia da gente corrente na Republica Popular Polaca. Este conhecimento íntimo da vida na cultura da mentira alimentava o desafio intelectual de Wojtyla face ao comunismo, e o seu activismo para organizar uma

contínua resistência cultural contra o regime”105. Com a sua atitude, o Cardeal Karol Wojtyla tornou-se numa personalidade pública carismática que os comunistas odiavam e temiam, pois com ele nunca sabiam o que estava para acontecer.

Um verdadeiro representante do povo, pouco atento aos procedimentos administrativos, trabalhava com objectivos bem definidos que realizava com eficiência conquistando simpatia e lealdade por parte do povo e dos seus colegas.

Depois de várias visitas pastorais, conferências e publicações, o Cardeal Karol Wojtyla, para espanto dos incrédulos e das ilusórias sondagens, foi eleito Papa, cerca das 17h.20m, dia 16 de Outubro de 1978. O mundo estava perante “...o primeiro Papa não italiano em 445 anos e o primeiro Papa eslavo na história”106.