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A Arquidiocese de Cracóvia era orientada pelo Arcebispo Karol Wojtyla. Para ele todos os dias começavam por volta das cinco horas da manhã com a missa, seguidos de pequeno-almoço com os membros mais próximos. No final, isolava-se na capela, onde passava duas horas a escrever, em frente ao Santíssimo Sacramento, entre as nove as onze horas. O período entre as onze as treze era para receber visitas. O almoço nunca começava a horas pois estava sempre disponível para receber a todos. O resto da tarde era passado em reuniões, visitas às paróquias, ler ou estudar. Quando tinha decisões difíceis para tomar ia até ao Santuário do Espírito Santo, em Kalwaria Zebrzydowska.

“É possível que a outros a sua energia lhes parecesse ilimitada. Contudo controlava bem o seu tempo e nunca concedia a uma tarefa mais horas do que as necessárias. A sua habilidade para fazer duas coisas ao mesmo tempo (…) constituía outro factor importante para a sua produtividade. Também insistia nas férias, remar em caiaque no Verão e esquiar no Inverno, pois opinava que eram essenciais para carregar as suas energias. Mas segundo todos aqueles que o conheciam e trabalhavam com ele, o motivo principal da sua energia quotidiana era a constante oração”107.

O Arcebispo Karol Wojtyla seguiu o modelo do Cardeal Sapieha, fazendo-lhe as adaptações necessárias às circunstâncias. Com o espírito aberto a novas ideias, escutava atentamente as opiniões dos outros.

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WEIGEL, George, op. cit., p. 227. 106

WEIGEL, George, op. cit., p. 3. 107

A Arquidiocese de Cracóvia tinha um milhão e meio de católicos, incluindo 1500 padres, 3000 religiosos e religiosas e 191 seminaristas. Para organizar esta comunidade o Arcebispo propôs sete prioridades, tendo em conta o seu conhecimento da Igreja: Liberdade Religiosa; o Seminário e a Faculdade de Teologia; Ministério da Juventude; Ministério da Família; Diálogo com Intelectuais; Ministério da Caridade e Visita Pastoral.

Numa breve síntese, pensamos ser pertinente enfatizar cada uma destas prioridades.

Durante o seu episcopado a luta pela liberdade religiosa centrou-se na construção de igrejas e na autorização da procissão anual do Corpo de Deus. O governo recusava consecutivamente os pedidos de construção de igrejas para que não se pudessem constituir novas paróquias. Uma das igrejas não autorizadas era a da cidade de Nowa Huta, nos subúrbios de Cracóvia, onde celebrava a Missa do Galo, ao ar livre, desde 1959. A licença para a igreja foi obtida a 13 de Outubro de 1967, tendo o Cardeal Karol Wojtyla ajudado a fazer o alicerce onde ficou a primeira pedra oferecida pelo Papa Paulo VI. A Igreja da Arca foi consagrada no dia 15 de Maio de 1977. Outro obstáculo à expansão da Igreja era a Procissão do Corpo de Deus que o regime queria erradicar e que o Cardeal Karol Wojtyla teimou em perpetuar. As restrições foram sendo reduzidas e a 10 de Junho de 1971, foi permitido que a procissão saísse de Wawel. “A luta do Cardeal Karol Wojtyla pela liberdade religiosa era uma luta para conseguir uma Igreja viva, que proclamava a verdade sobre a vida humana e o destino humano e vivera essa verdade através do serviço a toda a sociedade”108.

A formação dos seminaristas e dos sacerdotes era outra das prioridades pastorais do Arcebispo Karol Wojtyla. Reformulou o currículo dos seminaristas, introduzindo um curso de preparação para o matrimónio ministrado por médicos, psiquiatras e casais. A formação intelectual dos seminaristas fazia naturalmente parte do currículo, mas a sua formação pastoral apresentava um carácter especial, pois o objectivo principal deste arcebispo era formar verdadeiros pastores. Aos novos sacerdotes, com quem se encontrava frequentemente, ensinava-lhes que o segredo do sucesso pastoral dependia da santidade do padre, da oração intensa e íntima com Deus e o compromisso de ajuda total aos outros.

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Quando a Faculdade de Teologia foi encerrada, o Arcebispo Karol Wojtyla criticou as autoridades e caracterizou este acto como uma atitude de “vandalismo cultural”. Os professores uniram-se e formaram uma Faculdade de Teologia ligada ao Seminário da Arquidiocese de Cracóvia. Depois das diligências feitas em Roma, em 1974 a Faculdade de Teologia recebeu o estatuto de Faculdade Pontifícia.

Os campos Oásis e o movimento Luz e Vida, orientados pelo carismático padre Franciszek Blachnicki, foram apoiados e protegidos pelo Arcebispo Karol Wojtyla, tratando-se de um verdadeiro ministério da juventude. Estes movimentos de resistência através da educação, em campos de férias para famílias e jovens eram também uma afronta ao regime que teimava em separar os jovens das suas famílias.

O ministério da família tinha nascido na paróquia de St. Florian, com a preparação para o casamento, como já foi exposto.

“Em 1967, Wojtyla organizou na sua residência um curso intensivo dum ano de duração sobre a preparação do matrimónio e aspectos da vida familiar, no qual participaram trinta sacerdotes e sessenta leigos. Este programa multidimencional explorou questões de teologia, filosofia, psicologia e medicina, com instrutores recrutados de todas as disciplinas e o próprio cardeal como conferencista regular. Em 1969, este programa informal foi transformado num Instituto para Estudos Familiares Arquidiocesano, que proporcionaria conferências sobre aspectos relacionados com a família, como a teologia do matrimónio, a sexualidade humana, o cuidado infantil e a cura dos estados depressivos em caso de aborto. O instituto converteu-se em centro intelectual da Divisão do Cuidado Pastoral da Família, que o arcebispo criou na Cúria Metropolitana, ou administração central, da arquidiocese em 1968”109.

A sua preocupação pastoral também incluía as mães solteiras que rejeitaram o aborto. Para as auxiliar criou um fundo financeiro e incentivou os conventos a darem guarida e instrução para que se preparassem para educar os seus filhos.

Com os intelectuais católicos tinha uma relação privilegiada, olhava para eles como amigos e aliados. Acreditava que o ministério pessoal com intelectuais desenvolveria no futuro um humanismo cristão capaz de colocar em prática o Concílio Vaticano II. Apesar das perseguições serem infindáveis, o Arcebispo Karol Wojtyla apoiou incondicionalmente o jornal Tygodnik Powszechny e a revista Znak únicos meios dos intelectuais, alternativos ao ambiente cultural imposto.

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O ministério da caridade na Polónia, desenvolvido a partir do exemplo dos primeiros cristãos, tornou-se num movimento que proporcionava aos irmãos mais desfavorecidos um modo de vida mais humano. As comunidades e as instituições não eram permitidas, no entanto, estas redes de resistência proporcionavam ajuda nos hospitais, aos idosos, aos órfãos, às mães solteiras e aos doentes mentais. Em 1963 o Arcebispo transformou a proibição do governo num momento de renovação paroquial. Concretizou esta renovação a partir das “Equipas de Caridade Paroquial” que tinham como função fazerem o levantamento de todos os necessitados da paróquia, independentemente da sua religião, pois o Arcebispo defendia que todos eram da responsabilidade da paróquia. Em 1965 o Arcebispo Karol Wojtyla criou o Ministério Pastoral da Divisão de Caridade, ao mesmo tempo que supervisionava o ministério dos surdos e dos cegos coordenava retiros espirituais e peregrinações com doentes ou crianças deficientes, no âmbito do “Apostolado do Amor”. A 7 de Maio de 1965 instituiu o Dia Anual dos Doentes, pedindo-lhes que aceitassem o sofrimento por amor à Igreja.

Nas suas visitas pastorais que se prolongavam por vários dias, tinha sempre encontros agendados com os lares dos doentes e com a Equipa de Caridade Paroquial. Outra prioridade dos centros da vida da Igreja era o Sacramento da Confirmação e a Eucaristia para os casais em que abençoava cada um pessoalmente.

B – VATICANO II

O Papa João XXIII, no dia 25 de Janeiro de 1959, anunciou a sua intenção de realizar um Concílio Ecuménico. João XXIII ao convocar este Concílio, pretendia que fosse pastoral e evangélico e não jurídico e dogmático, como tinha acontecido com os precedentes. Ao propô-lo como diálogo franco e aberto entre os bispos de todo o mundo, revivendo a experiência do Pentecostes “renovaria a fé cristã como vibrante forma de vida; recomeçaria um diálogo com a modernidade; não ditaria condenação alguma; tentaria expressar de novo a mensagem do Evangelho. Iria, [...] abrir as portas da Igreja ao mundo moderno”110.

O mundo moderno estava a fechar as suas portas a tudo aquilo que tinha um cunho transcendente e a teologia ainda tinha muito presente a crise do modernismo do fim do século XIX, princípio do século XX. A Igreja estava dividida sobre a

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possibilidade de vir a existir um diálogo com a modernidade que estava impregnada de um espírito ateísta e alguns mais conservadores “acreditavam que qualquer conversa com as forças políticas (...) conduziria inevitavelmente ao colapso da cristandade. Outros acreditavam, com igual paixão, que a visão da Igreja sobre a dignidade e o destino humanos podia contribuir para dirigir a busca moderna da liberdade para canais mais produtivos que destrutivos”111.

Em Junho de 1959, a Comissão Pré-Preparatória do Concílio, tinha enviado um pedido de opiniões para a agenda de trabalhos a todos os bispos católicos, aos superiores das ordens religiosas masculinas e às faculdades de Teologia. O Bispo Karol Wojtyla enviou como resposta um ensaio cujo tema principal era a pessoa humana. Para ele o Papa João XXIII “estava profundamente preocupado com o «extermínio cultural» da modernidade, e acreditava que a Igreja devia renovar-se com vista a pregar o Evangelho numa época transformada e, em alguns aspectos, distorcida pela tecnologia. A união cristã insistia ao convocá-lo noutro objectivo essencial do Concílio e era a chave da intenção principal do Papa”112.

A 5 de Outubro de 1962, o Bispo Karol Wojtyla celebrou uma missa de despedida na Catedral de Wawel e partiu para Roma.

No dia 11 de Outubro de 1962, o Papa João XXIII, na Basílica de S. Pedro, fez a abertura do Concílio Vaticano II referindo-se ao anterior diagnóstico e à atitude condenatória do modernismo. Nesta solene cerimónia, o Papa, relativamente ao catolicismo, diagnosticou o abuso da condenação, na vez da misericórdia para com o modernismo. Ao mesmo tempo, salientou que a Teologia da Igreja necessitava de desenvolver o estudo das Sagradas Escrituras, o culto e a forma como se aproximava da política moderna.

O Bispo polaco esteve presente em todas as sessões do Concílio como porta-voz do episcopado polaco, intervindo particularmente sobre questões da família, natalidade, eclesiologia, liberdade religiosa e ateísmo.

Desde 1948 que o Bispo Karol Wojtyla não visitava Roma. Encontrou antigos colegas e redescobriu amigos que não via desde o início da II Guerra. Um desses amigos foi o engenheiro Jerzy Kluger que estava a trabalhar em Roma. O antigo aluno do “Angelicum” visitou e descobriu locais, todavia “aceitou a sugestão do Papa Paulo VI aos bispos que deviam visitar a Terra Santa antes de 1964, altura em que o Papa lá

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WEIGEL, George, ibidem. 112

iria em peregrinação. Em Dezembro de 1963, durante dez dias, Wojtyla andou pelos caminhos que Jesus percorreu, sentou-se nas colinas onde Jesus pregou, rezou no local onde Jesus morreu”113.

Durante esta viagem, o Bispo Karol Wojtyla emocionou-se ao caminhar pelos locais onde Jesus e os Apóstolos foram pescadores de homens, impressionou-o a aridez mística do deserto e cantou com outros bispos polacos, canções de Natal na “gruta de Belém”.

O Concílio Vaticano II deu-lhe um sentido diferente, mas concreto da universalidade da Igreja. Enquanto na Polónia se preparava o aniversário milenar da Igreja, o Bispo Karol Wojtyla, deslumbrou-se com os testemunhos de Igrejas com um século que debatiam o seu futuro com todo o vigor. Um desses exemplos estava relacionado com a Igreja Africana, cujos bispos partilhavam a mesma verdade, mas de um modo muito diferente.

Na sua obra Atravessando o Limiar da Esperança, o Cardeal Karol Wojtyla salientou o enriquecimento do momento único e irrepetível que viveu nas diversas sessões e a experiência comunitária universal como sendo um “Seminário” do Espírito Santo. Outra das experiências interiorizadas estava ligada ao entendimento e à responsabilidade do ministério papal, particularmente, o significado que tinha para a Igreja e o que exigia ao homem que detinha esse cargo. Ao ter sido aprofundado o significado de Roma como o centro da unidade da Igreja Universal, o Bispo Karol Wojtyla sempre se mostrou crítico à tentação de ver Roma como sendo a Igreja.

Os primeiros efeitos do Concílio Vaticano II fizeram-se sentir na revisão da liturgia da Igreja. Assim, o latim foi substituído pelas línguas nacionais, foram introduzidas novas orações eucarísticas, foi remodelado o sacramento da Santa Unção e da Reconciliação e criou-se um novo programa litúrgico e de catequese para adultos convertidos.

Como consequências menos positivas destacamos uma crise sacerdotal que levou muitos padres a deixarem o sacerdócio activo; os conventos, mosteiros e seminários dos países ditos desenvolvidos viram reduzidos drasticamente os seus elementos e as universidades católicas sentiram a necessidade de repensarem o seu modo de estar realizando uma profunda remodelação. “A natureza distinta da Igreja, a sua missão, a sua vida sacramental e o seu ministério estariam todos em jogo nos

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debates pós-conciliares sobre colegialidade, a autoridade papal, o celibato sacerdotal, o futuro das ordens religiosas de mulheres e de outras formas de vida consagrada, assim como a questão de ordenar mulheres para o sacerdócio”114.

Com a morte de João XXIII, o Papa Paulo VI conduziu o Concílio que desafiava a Igreja a aprofundar a sua fé, a evangelizar a modernidade e a renovar o serviço à humanidade com diversas dificuldades, particularmente de carácter físico. A sua fé, compaixão e inteligência, não foram suficientes para traçar o caminho firme que era necessário no pós-concílio. Papa dedicado ao Concílio sentiu em primeira instância o carácter litigioso e, por vezes, mordaz que o transformaram num homem consumido pela história. Este homem nos seus últimos dias de vida viveu atormentado, como referiu Agostino Casaroli, numa tensão entre certezas e ambiguidades, apesar da sua vida de profunda oração.

No final de 1970, o Cardeal Karol Wojtyla decidiu que para implementar o Concílio em Cracóvia era melhor realizar um Sínodo da Igreja local, com a finalidade de reviver e aprofundar o que se tinha passado em Roma. O Sínodo reuniu-se solenemente em 1971 e ficou decidido no centenário de São Estanislau que iria encerrar em 1979, pois tinha como objectivo realizar uma viagem guiada pelos textos do Concílio Vaticano II.

À semelhança do Vaticano II, o Sínodo do Cardeal Karol Wojtyla seria pastoral, com o objectivo de partilhar experiências e transformar a comunidade cristã num movimento apostólico e evangélico vivo.

Os representantes de toda a arquidiocese reuniram-se na Catedral de Wawel no dia 8 de Maio de 1972, após um ano de intensa preparação. Foram constituídos diversos grupos de trabalho provenientes de todos os locais, estratos sociais e culturais que se encontravam para rezar, estudar, aprofundar e comparar os ensinamentos do Concílio com a vida quotidiana polaca. Os cristãos polacos aprenderam que era possível organizar um programa intensivo de estudo, oração e acção do qual podiam fazer parte os padres, os intelectuais, os leigos e os operários.

O Cardeal Karol Wojtyla deixou Cracóvia um ano antes do Sínodo ter terminado, mas foi como Papa João Paulo II que presidiu ao seu encerramento solene.

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