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Com a morte de Estaline, em 1953, a Polónia voltava a sofrer, particularmente os católicos, que não aceitavam o regime comunista implantado pela força. A hierarquia da Igreja foi perseguida e presa, as publicações canceladas e a Universidade Jagueloniana novamente encerrada.

A carreira académica do Padre Karol Wojtyla começou em Outubro de 1953, ensombrada por tempos que se esperavam difíceis. Começou a ensinar Ética Social na Faculdade de Teologia da Universidade Jagueloniana, substituindo o padre responsável pelo jornal Tygodnik Powszechny. Entretanto, o processo de admissão à Faculdade para se tornar docente terminou, no dia 1 de Dezembro. A 3 de Dezembro de 1953 deu uma aula sobre São João da Cruz e Max Scheler, fazendo a relação entre o acto de fé de São João da Cruz e a filosofia dos valores. O Padre Karol Wojtyla passou a ter qualificações para começar a carreira como professor universitário, o que lhe possibilitou fazer parte do projecto de Lublin.

Este projecto desenvolveu-se na Universidade Católica de Lublin. Esta Universidade foi fundada em 1918 pelo padre Idzi Radziszewski, tendo tido como um

dos seus padrinhos o próprio Lenine que permitiu a recuperação da biblioteca e do seu recheio que se encontrava na Academia Polaca de Petrograde.

A Universidade Católica de Lublin (KUL) foi a única a manter-se no tempo da imposição estalinista e durante o período da guerra-fria, dados os estatutos concedidos pela carta constitucional da Segunda República Polaca, em 1938. A Universidade viveu uma situação de constante confronto com o regime comunista, tornando-se difícil para os graduados conseguirem posições académicas noutras universidades. A própria Universidade tinha dificuldade em publicar os trabalhos dos professores e dos alunos. As pressões infligidas pelo regime, que pretendia desta forma marginalizar a instituição, conduziram a uma linha de pensamento direccionada para o humanismo. Numa época em que muitos intelectuais europeus estavam enamorados do marxismo “a KUL defendia a dignidade única da pessoa humana contra um oponente ideológico agressivo, ao mesmo tempo que demonstrava que a fé e a razão humana eram aliadas, nessa missão humanista”89.

Quando a repressão aumentou no início do ano de 1954, as aulas passaram a ser na escola de Teologia, organizadas para seminaristas.

Em Setembro de 1954, numa caminhada pela montanha com Swiezawski que tinha sido um dos três leitores da sua tese de doutoramento sobre Max Scheler, convenceu o Padre Karol Wojtyla a aceitar a entrada na Faculdade de Filosofia da KUL, apesar de este ter programado o seu futuro académico em Cracóvia. Depois de o “arcebispo” Baziak ter aprovado este novo projecto, o Padre Karol Wojtyla passou a deslocar-se de quinze em quinze dias de Cracóvia para Lublin. Assim, pode manter as suas capelanias de estudantes e de serviço de saúde que tinha em Cracóvia.

A Faculdade de Filosofia da KUL tinha sido fundada em 1946, como resposta à intensa actividade intelectual da Polónia. A guerra e a invasão nazi tinham trazido consigo uma tentativa de decapitação da cultura polaca que saiu frustrada, pois desenvolveu-se mesmo na clandestinidade. Aqueles que experimentaram a brutalidade da ocupação nazi e a imposição do comunismo confrontavam-se continuamente com as seguintes questões filosóficas: “O que é na realidade um ser humano? Porque razão alguns homens e mulheres tinham agido como monstros, enquanto outros tinham revelado um heroísmo notável? O que explica o facto de alguns exibirem grotescamente um interesse pessoal, até ao ponto de trair os seus amigos e outros se sacrificarem

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notavelmente e entregarem as suas vidas por pessoas que apenas conheciam?”90. Estas e outras questões foram material de investigação filosófica nos últimos anos da década de quarenta, início dos anos cinquenta. Para os filósofos da KUL, a única maneira de entender estes problemas só poderia ser a partir do aprofundamento da Antropologia Filosófica, considerada como a disciplina da Filosofia que procurava respostas para a natureza, as circunstâncias e o destino da pessoa humana.

Passado um mês da conversa tida com Swiezawski, o senado académico da KUL concordou com a admissão do Padre Karol Wojtyla como docente de Ética Filosófica.

Os filósofos da KUL, incluindo o Padre Karol Wojtyla, estavam convencidos de que todas as atrocidades do século advinham da crise no entendimento moderno da pessoa humana, pelo que, começaram a delinear uma nova perspectiva filosófica que englobaria a metafísica, a antropologia e a ética. Assim sendo, utilizariam a metafísica a partir da teoria geral da realidade, permitindo-lhes explicar as coisas como elas são; a antropologia contribuiria com a natureza e o destino da pessoa humana e, por fim, a ética fazendo ponto de encontro com a questão “O que devemos fazer?”. Era urgente um humanismo mais completo que desse maior importância às instituições morais humanas e à acção moral humana. Este era o desafio da KUL frente a um regime materialista e comunista que privava os polacos do seu poder de escolha, da sua responsabilidade e, particularmente, da sua humanidade.

Este audacioso projecto com objectivos definidos por quatro pensadores relativamente jovens, que se tinham tornado professores da KUL, foi então, concebido como resposta às circunstâncias da época e pretendia remodelar a filosofia, tendo como questão central a verdadeira libertação da pessoa humana. Para isso reflectiram a partir da experiência da pessoa humana, única em todo o Universo. “ Se a filosofia podia chegar à verdade das coisas através de uma análise da experiência humana, poderia abrir-se caminho para a reconciliação entre a filosofia católica e o método científico ao mesmo tempo que a modernidade estaria livre das masmorras do solipsismo. Adoptar este ponto de partida também tinha a sua importância na confrontação com o Marxismo”91, muito embora ambicioso.

Os filósofos da KUL, Jerzy Kalinowski (especialista em lógica e filosofia da lei), Stefan Swiezawski (historiador de filosofia e um representante do existencialismo tomista de Jacques Maritain), Mieczyslaw Krapiec (dominicano especialista em

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WEIGEL, George, op. cit., p. 132. 91

metafísica) e o Padre Karol Wojtyla (especialista em ética) formavam uma comunidade unida por fortes laços de amizade pessoal e intelectual. Todavia, verdadeiras discussões aconteciam, devido a diferenças de método profissional e filosófico. Isto acontecia, particularmente, com o “ contínuo interesse de Karol Wojtyla na fenomenologia e a sua incessante investigação da filosofia moderna e contemporânea [que] chocaram alguns dos seus colegas mais tradicionalistas”92. Esta amizade e trabalho foram construídos a partir de quatro convicções: seriam radicalmente realistas sobre o mundo e sobre a capacidade humana de o conhecer; começariam por uma reflexão disciplinada sobre a pessoa e a experiência humana; comprometer-se-iam com a razão para não cair no irracionalismo e, por fim, “decidiram por em prática um ecumenismo do tempo, [pois acreditavam] que a história da filosofia não tinha convertido o passado em algo desprezível”93.

Estes filósofos acreditavam que as ideias tinham consequências, para o bem e para o mal. Era disso prova a história do século XX. Vivenciando de perto uma parte desta história, “propunham-se contribuir para que o mundo se ancora-se com maior firmeza à verdade da condição humana, dum modo caracteristicamente moderno, mas cimentado na grande tradição filosófica do Ocidente, o futuro talvez fosse distinto”94.

Tornou-se um professor popular, sempre acessível, fascinado pelas pessoas e pela condição humana. As suas aulas eram dinâmicas e apreciadas pelos alunos que gostavam da sua forma compassada de falar e da matéria dada a partir de exemplos concretos que eles conheciam, sempre tendo presente a sua norma ética de entrega ao serviço dos outros. Esta “Lei da Entrega”, defendida filosoficamente pelo Padre Karol Wojtyla consistia no caminho para se chegar à plenitude humana, sendo por isso uma exigência moral universal que surgia da pessoa humana nas relações com alguém. Com os alunos de níveis mais elevados, envolveu-se em diálogos intensos com as filosofias de Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, S. Tomás de Aquino, Kant, Hume, Bentham e Max Scheler. As suas aulas eram um esforço permanente para relacionar o realismo filosófico sobre a filosofia da consciência humana. Procurava “apresentar a realidade humana de uma forma tão plena e rica como se fosse possível e a sua convicção de que a filosofia ocidental se descarrilara ao desligar-se do nosso método de conhecer o

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WEIGEL, George, op. cit., p. 135. 93

WEIGEL, George, op. cit., p. 134. 94

mundo em si mesmo”95. Os temas das suas aulas ilustravam esta preocupação e esforço. A título de exemplo, veja-se que o tema escolhido no ano lectivo de 1954/1955 foi a “Acção e Experiência Moral”, enquanto no ano seguinte privilegiou a “Bondade e Valor”, para dar continuidade com “Norma e Felicidade” – tema que ocupou o ano lectivo de 1956/57. Já nos anos seguintes, optou pelo tratamento de uma temática que punha em destaque as questões da ética sexual, tendo este trabalho sido compilado na obra “Amor e Responsabilidade”.

Na KUL para além de ser um pensador e um ser humano que os alunos queriam seguir também prestava trabalho pastoral ao confessar e escutar os alunos que lhe apresentavam os seus problemas pessoais e espirituais.

Aos trinta e oito anos, este pensador viu aumentarem-lhe as responsabilidades ao ser nomeado Bispo.

As suas actividades pastorais em Cracóvia fizeram com que tivesse que reduzir o número de aulas aos níveis mais avançados, deixando mesmo de leccionar durante dois anos, depois do ano lectivo de 1960/1961.

A sua vida académica, na qualidade de docente não terminou ali, uma vez que continuou a orientar durante mais um ano os seus discípulos filósofos no seminário doutoral sobre ética filosófica.

“O sentido de responsabilidade do professor Wojtyla para com os seus alunos não cessava quando complementavam os seus doutoramentos; também tratava ajudá-los a obter postos docentes”96.

Contudo, as obrigações pastorais operaram um corte na carreira académica, a qual abraçou durante vinte e dois anos.

DE PADRE A PAPA

Em Agosto de 1958, no âmbito do Srodowisko, o Padre Karol Wojtyla encontrava-se com os amigos quando recebeu uma carta que lhe ordenava a presença imediata, junto do Cardeal Wyszynki, em Varsóvia. Junto do Cardeal Wyszynski foi informado de que no dia 4 de Julho, o Papa Pio XII o tinha nomeado bispo titular de Ombi e auxiliar do Arcebispo Baziak, administrador apostólico da Arquidiocese de Cracóvia. Este foi o último acto oficial de Pio XII que morreu onze dias depois.

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WEIGEL, George, op. cit., p. 137. 96