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8.3 PARADIGMAS DE THOMAS KUHN

8.3.1 A Superação do Paradigma Positivista

A ambiguidade e a complexidade dos tempos atuais, ampliando a análise para meados do séc. XX ao momento em que se vive, faz com que a ciência do direito redefina seus conceitos e institutos a fim de adequar a essa nova realidade. É dizer, então, que a teoria do direito encontra-se em processo de mudança de paradigma, em fase de "revolução científica".

O paradigma de transição a ser enfrentado no presente texto, com o fim de justificar a possibilidade de flexibilização procedimental por meio de uma nova mentalidade e aplicação de novos institutos, refere-se ao necessário rompimento do paradigma do positivismo para um novo paradigma jurídico.

O positivismo jurídico surge da difícil tarefa de enquadrar o estudo do direito como uma ciência que tivesse as mesmas características físico-matemáticas, naturais e sociais. Assim, era preciso retirar de seu conteúdo os juízos de valor, não aceitável pelas ciências, e demonstrar a existência apenas de juízos de fato. No dizer de Noberto Bobbio,

O motivo dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza diversa desses dois tipos de juízo: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente, siga certas proposições minhas. (...) A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre subjetivos (ou pessoais) e consequentemente contrários 134

Bobbio elenca as sete características fundamentais do positivismo jurídico, aqui tratadas resumidamente.

134

A primeira característica se refere ao modo de abordar, de encarar o direito. Consoante dito acima, o positivismo enxerga o direito como um fato, um fenômeno natural, devendo-se estudar o direito da mesma forma que o cientista estuda a realidade. Não se admitem juízos de valor do que é justo ou injusto, certo ou errado, bom ou mau.135

É exatamente dessa característica que se desenvolve a "teoria da validade do direito", elemento imprescindível para a ruptura do paradigma que aqui se propõe. Dita teoria, também conhecida como "teoria do formalismo jurídico", considera que a análise da validade do direito se baseia unicamente na sua estrutura formal, sem observância do seu conteúdo. Isso será melhor estudado em tópico específico sobre o formalismo excessivo.

A segunda característica trata da definição do direito apresentada pelo positivismo, qual seja, com base na função da coação. A "teoria da coatividade" compreende como sendo direito as "normas que são feitas valer por meio da força".136

As fontes do direito aparecem como terceira característica, ressaltando-se a "teoria da legislação como fonte preeminente do direito", que põe de lado as outras fontes do direito a exemplo dos costumes e da equidade.

A quarta característica se refere à "teoria da norma jurídica", onde o direito é composto por normas imperativas, com força positiva ou negativa.

O quinto ponto trata da coerência, entendida como a impossibilidade de coexistir num ordemanemto jurídico, ao mesmo tempo, normas contraditórias, antinômicas. Bobbio ensina que tal característica se justifica pelo pensamento de que "já está implícito no próprio ordenamento um princípio que estabelece que uma

135 ibidem, p. 131. 136

das duas, ou ambas as normas, são inválidas".137

A sexta característica tabém tem seu grau de importância elevado nesse estudo porque trata do método da ciência jurídica defendida pelo positivismo, qual seja, "a teoria da interpretação mecanicista". Através desta se defende que a atividade do juiz não é a de produzir ou criar o direito, mas sim, de declarar.138

Por fim, tem-se a "teoria da obediência" como sendo a sétima característica, cujo significado é retratado pelo aforismo "lei é lei".139

A análise cojunta de todas essas característica com o contexto cultural onde as ciências não podiam se imiscuir na seara axiológica, justifica a necessidade de mudança de pensamento científico para poder questionar a premente alteração do paradigma do positivismo.

Importante obra foi produzida pela epistemóloga belga Isabelle Stengers que, em seu livro "A Invenção das Ciências Modernas"140, traz a discussão das ciências como um "projeto" humano como qualquer outro, estando vulnerável as contingências do mundo e às questões políticas do tempo em que se vive. Críticos colocaram em xeque a própria reputação da sociologia como ciência, já que essa abordagem sociológica colidiria com a concepção de ciência dos próprios cientistas que conservam a noção de autonomia. Para Stengers, referida ideia se justifica porque os sociólogos também agem “em nome da ciência”, da verdade. Partindo de sua visão política do mundo científico, Stengers enxerga as ciências como produções humanas, artefatos, invenções.

137 Ibidem, p. 133. 138 idem. 139 idem. 140

Stengers também se utiliza de Thomas Kuhn no que pertine a "ciência normal", marcada por práticas teóricas e experimentais, onde o crescimento do saber científico é regido pelo paradigma vigente. A autora faz no decorrer do livro uma associação entre a razão científica e a razão política, buscando, contudo não ferir os chamados "sentimentos estabelecidos", quais sejam, aqueles que marcam e que quando ameaçados causam indignação. Com esse estudo de Stengers, defende-se ser possível a aplicação da teoria de Kuhn às ciências sociais, não apenas às naturais.

Seguindo com essa linha de pensamento e retomando a ideia do positivismo jurídico como um paradigma, vê-se que a sociedade complexa começa a trazer problemas não mais solucionáveis dentro daquela moldura aparentemente estável. A ideia de um ordenamento jurídico fechado e completo há muito já não se vislumbra, sendo constatado pelos juízes e demais operadores do direito que inúmeros casos práticos não são abordados pela lei de forma expressa. Rompe-se com o modelo utópico de "segurança jurídica" em face da existência de regras jurídicas válidas.

Com essa percepção do problema, inicia-se a crise e a comunidade científica é chamada a buscar soluções para a "anomalia" trazida pela sociedade ambígua e complexa dos tempos atuais. Um novo paradigma deve ser desenhado.

8.3.2 O Paradigma do "modelo de regras e princípios" de Robert