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Da Interpretação Constitucional e os Diversos Planos de Abordagem

8.5 ATIVISMO JUDICIAL

8.5.3 Da Interpretação Constitucional e os Diversos Planos de Abordagem

A interpretação constitucional pode ser examinada por diferentes primas, destacando-se três deles, quais sejam: o plano jurídico ou dogmático; o plano teórico ou metodológico; e, o plano da justificação política ou da legitimação democrática.

O plano jurídico ou dogmático envolve as categorias operacionais do Direito e da interpretação jurídica. Pode-se citar como exemplo as regras de hermenêutica, prevista na antiga Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro; os elementos de interpretação (gramatical, histórico, sistemático e teleológico); e, os princípios específicos de interpretação constitucional, como o da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade, e o da interpretação conforme à Constituição.

O plano teórico ou metodológico compreende a construção racional da decisão, o itinerário entre a apresentação do problema e a formulação da solução, ou seja, os métodos para chegar a um fim.

Nesse entender, Barroso analisa as escolas de pensamento jurídico predominantes nos dois últimos séculos, agrupando-as em quatro categorias a saber:

1ª) o formalismo jurídico: tem como ponto principal a noção mecanicista do Direito, através da qual a interpretação jurídica estaria limitada a um simples processo de subsunção dos fatos à norma.

2ª) a reação antiformalista: apesar de ter se espalhado pelo mundo com diferentes denominações, possui como características comuns a reação à ideia de que o direito somente pode ser encontrado no texto da lei; o reconhecimento de que o Juiz possui um papel criativo; e, a compreensão da importância dos fatos sociais, das ciências sociais e da necessidade de interpretar o Direito de acordo com a evolução da sociedade e de suas finalidades.

3ª) o positivismo jurídico: faz a separação entre Direito e Moral, bem como entre a lei humana e direito natural, negando existir um direito naturam que subordine a leguslação.

Barroso segue com o estudo dos diferentes métodos de interpretação constitucional, tomando-se por base os debates desenvolvidos na Alemanha e nos Estados Unidos.

Na Alemanha tem-se o método clássico de interpretação constitucional, o método tópico-problemático e o método hermenêutico-concretizador.

O método clássico de interpretação constitucional concebe a interpretação como sendo uma atividade que busca revelar o conteúdo do texto constitucional a través de um raciocínio silogístico, excluindo-se os elementos fáticos ou axiológicos. O método tópico-problemático, surgido na década de 50 passada, centraliza-se no problema, e não na norma. Fica vinculado à lógica do razoável, dando ao juiz o papel de construir a melhor solução para o problema, com o objetivo de realizar a justiça no caso concreto. A hermenêutica concretizadora, por sua vez, distancia-se dos métodos já citados, por levar em consideração as pré-compreensões do intérprete e sua percepção dos fenômenos sociais, políticos e jurídicos, sem, contudo, descuidar-se da força normativa da Constituição e do sistema jurídico como um todo.

Nos Estados Unidos importa a análise das principais teorias da interpretação constitucional agrupadas em interpretativismo e os não-interpretativismo.

O interpretativismo nega a legitimidade do agir criativo do juiz sob a justificativa de que ele não pode impor à coletividade os seus valores. Dentro dela são detectadas duas linhas de pensamento próximas: o textualismo, pelo qual as normas escritas da Constituição são a única fonte legítima em que se pode fundar o Juiz; e no originalismo, através do qual o sentido das cláusulas da Constituição deve ser retirado da intenção dos autores da mesma e dos que a ratificaram depois.

O não-interpretativismo, também chamado de construtivismo, defende que o intérprete não se limita a revelar o sentido contido na norma, mas ajuda a construí-la. Três modalidades de construtivismo são reconhecidas: a interpretação evolutiva; a leitura moral da Constituição; e, o pragmatismo judicial.

Quanto a interpretação evolutiva, tem-se que esta consiste em compreender a Constituição como um documento vivo, devendo suas normas serem adaptadas ao longo do tempo às mudanças ocorridas na realidade social. A leitura moral da Constituição, por sua vez, proposta por Dworkin, defende que as cláusulas gerais da Constituição devem ser interpretadas de acordo com os valores vigentes da sociedade. E, por fim, o Pragmatismo Judicial busca produzir resultados que sejam bons para o presente e para o futuro, sem vinculação do intérprete ao texto ou a intenção original do constituinte.

Falar em ativismo judicial é tratar de uma participação mais ampla e mais intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Ele se manifesta através da aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independente de manifestação do legislador ordinário; da declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador; e da imposição de condutas ou abstenções ao poder público em matéria de políticas públicas.

Em suma, a efetivação dos direitos fundamentais requer do exegeta ou do aplicador do Direito a tarefa de realizar, diante do caso concreto, uma interpretação sistemática, observando quais os princípios que dão sustentação a esta interpretação, tomando sempre como ponto de partida o princípio da supremacia da Constituição; o princípio da unidade da Constituição; princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição; princípio da máxima efetividade da Constituição; e o princípio da concordância prática, os quais serão analisados separadamente.

Falar de Supremacia da Constituição é o mesmo que escrever sobre os fundamentos do constitucionalismo. Como já dito, a Constituição representa a norma maior do ordenamento jurídico, o vértice da pirâmide Kelsinana, ela exige a sua

observância quando da análise de qualquer norma infraconstitucional. Destarte, cabe ao Juiz fazer imperar a Constituição em detrimento de qualquer norma infraconstitucional.

No dizer do mestre Canotilho, a Constituição é uma lei dotada de características especiais, é a normae normarum.

A Constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autónomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui- la de outros actos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico normativa- superior relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. Ressalvando algumas particularidades do direito comunitário, a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum) afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos dos poderes públicos com a Constituição.178

O Princípio da Unidade da Constituição preconiza que o sistema jurídico é um todo e como tal precisa ser interpretado de forma sistemática com o fim de evitar contradições179. A Constituição não pode ser interpretada em tiras, como sendo uma junção de normas isoladas e dissociadas do conjunto jurídico. A Constituição deve ser lida, inclusive, em consonância com outras disciplinas, tais como a economia, a filosofia, a política, ou seja, dentro da necessária multidisciplinaridade que a atual sociedade complexa requer.

No tocante ao Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, tem-se que o operador do direito está incumbido de concretizar os preceitos e valores constitucionais, mormente no que se refere as normas programáticas, as normas de

178 In: J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1.147. 179

“O princípio da unidade da constituição ganha relevo autónomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições. (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. (...) o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.” In: J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1.223.

eficácia contida e limitada.180

Por último, observa-se que o princípio da harmonização (ou concordância prática) vem para solucionar os problemas de eventual colisão de direitos fundamentais, na medida que a aplicação de um princípio não exclua a incidência de outro. É nessa mesma linha que se pode invocar o princípio da porporcionalidade como arma a ser usada em benefício do Juiz Ativo.181

Esse princípio foi concebido em cima de três máximas, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação é uma relação entre o meio e o fim, ou seja, o meio utilizado tem que ser apto para alcançar o fim almejado. É excluir o meio não idôneo.

A necessidade, por sua vez, também chamada de exigibilidade, baseia-se na assertiva de que não basta que o meio seja apto a atingir o fim almejado, mas, sim, que dentre os vários meios disponíveis, deve-se optar por aquele que seja o menos gravoso possível, o melhor para o direito fundamental atingido.

Toda essa análise da hermenêutica constitucional serve de contenção ao ativismo judicial. Não há mais como recusar o poder criativo do juiz e a necessidade de uma interpretação evolutiva, de acordo com os valores vigentes na sociedade e com bos resultados para o presente. Contudo, o poder criativo conferido pela hermenêutica constitucional não é de inovar o ordenamento jurídico, posto não ser o juiz legislador positivo, mas, sim, o de fazer uma leitura, uma interpretação voltada para a efetivação dos direitos fundamentais, observados os princípios que dão sustentação.

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“É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretacão que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)” In: J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1.224.

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