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A Supremacia do Ideal: a educação é mais que instrução

204 QUELUZ, Gilson Leandro. Op. Cit., pp. 41-45.

205Gazeta Paranaense, Seção livre, Questões da actualidade (Ao exmo. sr. dr. Carlos de Carvalho). Curitiba: 13

de maio de 1882, pp. 3. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/

206 QUELUZ, Gilson Leandro. Op. Cit., pp. 41-45.

207Diário do Commercio. Curitiba, 20 de outubro de 1892. Apud: QUELUZ, Gilson Leandro. Rocha Pombo...

A imigração não seria o único grande projeto de Rocha Pombo a não ser concretizado por falta de verbas. No ano seguinte à sua proposta para a fundação da colônia de imigrantes no Vale do Ribeira, o jornalista se engajaria em um projeto por muitos tomados como uma utopia, a saber, fundar uma universidade no Paraná. Em 27 de junho de 1891, um de seus amigos e apoiadores o redator do Diário do Commercio, Leôncio Correia, escreveria:

O nosso distinto patrício Rocha Pombo requereu ao Governo garantia de juros de 5%para o capital que for efetivamente empregado até 1.500 contos, na fundação de uma Universidade nesta Capital.

O concessionário terá direito de desapropriação, na forma da lei, da área de terreno necessária para o edifício e dependências.

Obrigação do Governo e obter do Governo Federal que sejam declarados válidos em toda a União os títulos e diplomas, conferidos pela Universidade.

Obrigação por parte do concessionário de apresentar à aprovação do Governo as plantas e orçamentos bem como o projeto de estatutos, e, oportunamente, a organização toda, com programa de ensino de todos os cursos, etc.

O Instituto e a Escola Normal passarão a constituir uma seção do curso geral da Universidade, pagos os respectivos professores (os ordenados atuais, pelo menos) pela empresa, e garantia a eles a vitaliciedade.

Sendo um dos principais objetivos do Governo do Estado o problema da instrução pública, não podia oferecer-se melhor ocasião do que esta para ele proteger com todo o ardor a instituição projetada, a qual, nos traráincalculáveis melhoramentos sob todos os pontos de vista, desde que, como esperamos, lhe seja dada uma organização prática e racional.

Já nos manifestámos francamente contra os privilégios acadêmicos, e fundamentámos a nossa oposição; mas a instituição projetada, desde que receba, como dissemos, uma organização de conformidade com as atuais exigências dos espíritos modernos, merecerá por certo nosso franco apoio.

Os médicos, engenheiros e advogados titulados, que sejam simplesmente o que indicam as respectivas profissões, e não “doutores”, e muito menos monopolizadores das mesmas profissões, deste modo, fundada a Universidade, esta cidade se tornará o centro de toda a atividade vital do Paraná.

Nem se levante alarma por causa da garantia de juros solicitada: - com as despesas feitas atualmente com o Instituto e Escola Normal do Estado integralizar-se-ão os juros; isto ainda no caso em que a empresa no princípio não tenha seguro os seus lucros.

Nossos aplausos, pois, ao distinto patrício, Rocha Pombo.208

Rocha Pombo teve sua proposta analisada pelo governo do estado e, em 10 de dezembro de 1892, o Governador do Paraná sancionou a lei que dava ao jornalista a concessão para a construção de uma Universidade na capital do Estado209. Segundo a Lei n° 63 de 10 de dezembro de 1892, Rocha Pombo receberia a concessão por cinquenta anos para que, ele ou uma empresa em nome dele, estabelecesse uma Universidade em Curitiba, conforme plantas a serem aprovadas pelo Governo. Garantia ao concessionário: juros de 6% ao ano sobre o capital investido, desde que o montante de juros não ultrapassasse o valor de

208Diario do Commercio. Curitiba, 27/06/1891. Apud. PILOTO, Valfrido. “Rocha Pombo, sua Universidade e a

de 1912”. Universidade Federal do Paraná: primórdios – modernização – vitórias. Curitiba: 1976, pp. 15-16.

mil contos de réis; o direito a desapropriar terreno particular desde que esse fosse adequado e necessário para a construção do edifício e dependências da Universidade; e isenção de todos os impostos estaduais sobre o material a ser utilizado. Estabelecia que a Universidade devia oferecer, ao menos, os cursos de Direito, Letras, Comércio, Agronomia, Agrimensura e Farmácia, além de um curso geral com programas sujeitos à aprovação do Congresso legislativo; que, uma vez inaugurada a Universidade, o Ginásio Paranaense e a Escola Normal seriam extintos e se tornariam seções da Universidade, mantendo seus professores, que só seriam substituídos após a aposentadoria; que haveria fiscalização do estabelecimento, sem que o mesmo perdesse sua independência, a fiscalização teria por objetivo verificar se os compromissos assumidos pelo concessionário seriam cumpridos. Obrigava ao concessionário fundar, nos primeiros dez anos de existência da Universidade, uma Escola prática de agricultura no interior do Estado; a iniciar os trabalhos de construção no prazo máximo de dois anos e a inaugurar a Universidade em até quatro anos após a aprovação das plantas, com pena de caducidade caso não cumprisse essas exigências. Ao final dos 50 anos de concessão a Universidade deveria ser transferida para o domínio do Estado do Paraná.210

Recebendo o direito legal de construir, fundar e equipar a sua universidade, Rocha Pombo conseguiu um terreno no Largo Ouvidor Pardinho211, onde lançaria, em 23 de abril de 1892, a primeira pedra212. Segundo Valfrido Piloto, Rocha Pombo faria ainda ali construir um depósito onde reuniria material, e organizaria estatutos, regulamentos e programas213 para a implantação da instituição de ensino superior. Não tendo meios próprios tomou um empréstimo de 8:000$000 (oito contos de réis) e buscou junto ao governo federal, indo ao Rio de Janeiro, auxílio financeiro, além de pleitear junto ao governo estadual a garantia de que os juros para o capital fossem efetivamente pagos214. Entretanto, o projeto nunca foi concretizado e se houve – para além de aplausos à iniciativa –, investimento financeiro, este não foi suficiente para mais que a construção do depósito e o ajuntamento de materiais. Segundo Silveira Neto, apesar de todos os esforços de Rocha Pombo e de sua vontade inquebrantável o Estado do Paraná ficaria apenas com a ideia de uma universidade215. Sobre essa experiência, Rocha Pombo, em uma missiva a sua filha Júlia, atrelaria a não efetivação do projeto à política atrasada e tacanha existente no Paraná da época, como se pode verificar no documento:

210 Idem, 13/12/1892, pp. 01. 211 Hoje Praça Ouvidor Pardinho.

212Diario do Commercio. Curitiba, 23/11/1893, capa. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/ 213Anais do Congresso Legislativo do Paraná. Curitiba, 23/05/1894.

214 PILOTO, Valfrido. “Rocha Pombo, sua Universidade e a de 1912”. Op. Cit., pp. 14. 215O Cenaculo, Tomo I, Anno I. Curitiba, 1895, pp. 123-125.

Em 1892 organizei projeto de fundação de uma universidade, ou escola de ensino superior, em Curitiba. Consegui a muito custo, do Congresso Estadual, uma lei de garantia de juros. Tomei um empréstimo de outo contos de réis, afiançado pelo comendador José Macedo; assentei a pedra fundamental do edifício no largo Ouvidor Pardinho; ali fiz construir depósito e reuni material, dando começo ao nivelamento do largo. Fui, em seguida, ao Rio, onde apenas tive animação do Dr. Ubaldino do Amaral, senador por esse Estado, o qual apresentou ao Senado um projeto, que depois de aprovado em 2.a, caiu em 3.a discussão, havendo quem me assegurasse que nesse resultado interviera a politicazinha dominante no Paraná. Desiludido de conseguir o capital para a fundação do estabelecimento em edifício próprio, procurei torná-lo exequível requerendo ao Congresso da politicazinha que, em vez de uma garantia de juros, que de nada me servia (porque o Estado não se garantia a si, quanto mais a outrem...), me concedesse uma subvenção de 60 contos, para inaugurar logo, provisoriamente, a Escola. E isso eu estava habilitado a fazer, visto como já tinha tudo organizado, - estatutos, regulamentos, programas, etc. a subvenção que eu pedia era equivalente, quando muito, à despesa que o Estado fazia, mantendo um Ginásio e uma Escola Normal. De sorte que a questão cifrava-se em escolher entre uma escola com 4 ou 5 cursos integrais e superiores, de entrada, internato e externato do Ginásio, e Escola Normal, etc. – e o estabelecimento existente, incompleto, mal administrado e quase inútil, a julgar mesmo pela freqüência que sempre teve. Mas os estadistas paranaenses não quiseram escolher (...)216

A fundação de uma universidade217 em Curitiba, só ocorreria em 1912, e por

muitas vezes, como já dito, sua implantação é atrelada ao nome de Rocha Pombo, mas segundo Valfrido Piloto o “arrojo dos homens de 1912 não teve ligações com a teimosia do de há vinte anos antes”218. Rocha Pombo, ainda segundo Piloto, jamais pleiteara para si a

precursão de tal empreendimento, pelo contrário sempre enalteceu os seus idealizadores e, em 1916, registrou no livro de visitas, após conhecer as instalações da universidade ao lado de um de seus fundadores, as seguintes palavras:

Estou maravilhado. Entrei e percorri esta casa, cheio e dominado de uma impressão que eu não sei bem se é mais de espanto ou de orgulho. Peço licença aos gloriosos obreiros desta Instituição, para concentrar numa só figura, que é representativa deste apostolado, - o Dr. Victor do Amaral, - toda a minha admiração a infinita alegria com que me desvaneço de ser filho de uma terra onde, em vinte anos, já posso sentir que palpita uma grande alma de povo. Curitiba, 27 de Janeiro de 1916. (a) Rocha Pombo.219

Para além dos elogios esperados nesse tipo de registro, as breves palavras de Rocha Pombo tocam em um ponto que é central para o entendimento de sua relação com a educação e com os objetivos propostos pela análise aqui efetuada: a formação ou formatação

216Carta de Rocha Pombo à sua filha Júlia Rocha Pombo Bond, s/d. Apud. PILOTO, Valfrido. “Rocha Pombo,

sua Universidade e a de 1912”. Op. Cit., pp. 16-17.

217 A Universidade Federal do Paraná está localizada na Rua XV de Novembro, 1299, no centro de Curitiba e

dista 3,5km do local em que Rocha Pombo lançou a pedra fundamental para a sua universidade.

218 PILOTO, Valfrido. “Rocha Pombo, sua Universidade e a de 1912”. Op. Cit., pp. 17.

de uma “alma de povo”, da nação, uma alma completa, constituída pelo desenvolvimento do esforço intelectual rumo a um ideal de progresso e evolução220. Essa ideia é fundamental na obra de Rocha Pombo, está posta desde os seus primeiros escritos e se desenvolverá, amadurecendo, ao longo de toda a sua produção didática e histórica. A construção da evolução da humanidade, segundo Rocha Pombo, estava diretamente relacionada à necessidade de se obter no seio de qualquer sociedade uma educação boa, uma educação que não fosse meramente instrução, mas que desenvolvesse plenamente as faculdades intelectuais, morais e emocionais do indivíduo. Ao olhar a sociedade moderna, aquela do século XIX, Rocha Pombo identificava como grande falha a “(...) ausência da arte de educar, da escola preparadora de um mundo melhor (...)”221. Que educação seria essa?

Em a Supremacia do Ideal, escrita mais de três décadas antes de sua visita à Universidade Federal do Paraná, Rocha Pombo lançou suas teorias sobre o que seria essa educação, demonstrando aquilo que acreditava ser uma educação boa, aquela que efetivamente desenvolvesse no homem as faculdades necessárias para uma modificação da sociedade como um todo. É importante ressaltar que a educação como meio para o desenvolvimento da consciência do cidadão e de sua emancipação intelectual é um desdobramento das intensas modificações políticas, econômicas e intelectuais do século XVIII222. Segundo Syomara Trindade e Irani Menezes, o “mito da educação” foi construído no setecentos, e à educação foi conferida a capacidade de renovar a sociedade, nesse sentido a educação torna-se também um meio eficaz para dotar a sociedade de comportamentos que a levem ao desenvolvimento e progresso. Nessa perspectiva, a alfabetização e a difusão da cultura tornam-se elementos essenciais para o crescimento democrático223. Desenvolvido na Europa do século XVIII, o ideal de renovação da sociedade pela educação fundaria suas bases no Brasil no final do século XIX e início do século XX224, período em que Rocha Pombo participava ativamente das discussões sobre o ensino no Brasil, produzia ensaios sobre o tema e escreveria suas obras históricas e didáticas. Para um melhor entendimento da importância da obra para uma análise da construção do pensamento de Rocha Pombo, se faz necessária uma breve exposição de sua constituição e conteúdo.

220 POMBO, José Francisco da Rocha. A Supremacia do Ideal... Op. Cit. 221 Idem, pp. 15.

222 CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP (FEU), 1999, pp. 326. 223 TRINDADE, Syomara Assuite; MENEZES, Irani Rodrigues. “A Educação na modernidade e a modernização

da escola no Brasil: século XIX e início do século XX”. Revista HISTEDBR on-line, n. 36. Campinas: dez.2009, pp. 127-128. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/36/art10_36.pdf

Trata-se de um livro publicado em 1883, pelo próprio Rocha Pombo, em sua tipografia Echo dos Campos, na cidade de Castro, cuja proposta primordial é a de discutir a educação como caminho real para a evolução da humanidade. Supremacia do ideal é o segundo escrito do autor nesse sentido, que no ano anterior havia publicado A Religião do Belo e que, segundo o próprio Rocha Pombo, versava sobre um assunto que muito lhe atormentava a alma, mas que pareceu “mais um choro de poeta, um modo romântico de encarar a vida e de soffer o mundo, do que um trabalho reflectindo as lições da experiencia e dos fatos”225, assim em sua nova obra, sobre o mesmo tema, a proposta era a de produzir um segundo livro que tornasse mais claras suas ideias e teorias, que obedecesse ao mesmo plano, mas que que se constituísse de forma menos literária, que fosse mais filosófico, ou seja, com menos sentimento e mais pensamento e labor mental226.

Assim, em Supremacia do ideal, Rocha Pombo apresenta sua interpretação de educação e dos caminhos para alcançar o ideal de evolução e civilização da nação e quiçá da humanidade. Para embasar sua argumentação ele traz uma enorme gama de leituras e de exemplos, dentre os intelectuais do período que lhe inspiram a pensar sobre a humanidade destacam-se Charles Darwin, Camille Flammarion e Louis Büchner. Em sua análise os argumentos são apresentados de forma didática, com muitos exemplos que ajudam a construir uma imagem da humanidade como ainda carente de evolução, composta por sociedades e nações ainda a alcançar a verdadeira civilização. Para Rocha Pombo – um jovem ali pelos seus 26 anos, mas já com uma bagagem em escritos e análises em e sobre sua sociedade, embevecido com as leituras que vinha realizando, ao deixar de lado, como ele mesmo registra em sua introdução, a fixação pela política e adentrando cada vez mais profundamente no universo das letras e das ciências –, o século XIX apresentava-se como deficiente e necessitado de ideal.

Aqui temos um ponto fundamental de seu texto: é ideal o que falta à humanidade. Para ele a civilização devia ser o foco da educação, seu ideal. Para alcançar esse ideal a sociedade deve evoluir, adaptando-se ao ambiente que a compõe, este meio seria dado por um projeto educacional que objetivasse mais que instruir, que buscasse formar plenamente o indivíduo e consequentemente a nação, conformando-a em todos os aspectos. Para demonstrar como essa evolução poderia ocorrer, utiliza as teorias de Charles Darwin, principalmente o

225 POMBO, José Francisco da Rocha. A Supremacia do Ideal... Op. Cit., pp. II. 226 Idem, Ibidem.

que se refere à adaptabilidade das espécies ao ambiente e a variabilidade que isso geraria227. Assim, cumpre à educação produzir um ambiente em que o indivíduo se sentisse desafiado a alcançar o ideal e a superar a si mesmo, construindo uma sociedade de homens em franca evolução rumo à civilização real. Essa superação só ocorreria por meio do esforço, mas esse por si só não traria a evolução, para isso havia a necessidade de se ter o ideal no centro da ação. Uma vez:

Creado esse ideal, tem o homem traçado o itinerário da vida: é uma força com a consciência de todo o seu poder. Sob o prestigio d’essa força, reconstituir-se-á a personalidade humana e tomará no meio da creação o logar de um typo completamente renovado das grandiosas manifestações da natureza.228

Nesse ponto, Rocha Pombo identifica o que falta à humanidade e a necessidade de que se pense num projeto de educação boa. Trata-se de uma proposta de educação com caráter civilizatório, que deveria ser observada não apenas no Brasil, mas em todas as nações, na medida em que o progresso que se via nas nações do século XIX, era fruto apenas do empenho pessoal de alguns homens que fizeram uso do esforço intelectual na busca por um ideal e que com isso venceram os limites e criam conhecimentos, ciência e artes. Nas palavras de Rocha Pombo:

O que são todos esses homens que aperfeiçoão machinas, que rasgam linguas immensas de terra, que perfuram montanhas, que despertam emoções divinas n’alma, que estudão as regiões do globo? Elles representão a intelligencia humana, uma como ella é. O que eles teem de mais é o exforço individual produzido pelo ideal que se creárão. Com esse exforço, qualquer homem, de qualquer nação, de qualquer raça, de qualquer familia, de qualquer parte do mundo, seria Beethowen, Sommeiller, Hugo, Lesseps, ou Darwin.229

Dessa forma, o que careciam as nações era a existência de uma educação que permitisse a união do esforço intelectual e do ideal, um ideal que funcionaria como norte para a utilização do esforço e que, assim sendo, permitiria que o progresso se estendesse e se efetivasse não apenas como resultado da atuação de alguns indivíduos, mas da humanidade como um todo.

Pode-se estabelecer que Supremacia do ideal não apenas é uma exposição didática sobre suas impressões e interpretações de leituras e novas teorias, mas uma proposta de educação ampla, evolucionista e civilizatória. Uma proposta que toma como base a ideia de

227 DARWIN, Charles Robert. A origem das espécies – por meio da seleção natural ou a preservação das raças

favorecidas pela luta pela via. Tomo I. André Campos Mesquita (trad.) São Paulo: Escala, 2008 [1859].

228 POMBO, José Francisco da Rocha. A Supremacia do Ideal... Op. Cit., pp. 28. 229 Idem, pp. 40.

que a formação do indivíduo deveria ter início dentro do lar, com a sua iniciação no mundo das artes e do belo, e que parte da necessidade de se reformar a instrução pública, que para Rocha Pombo era cheia de vícios e chegava a um indivíduo já danificado pelos desleixos do lar, pouco concorrendo para seu bem estar, nas palavras do autor:

Ainda que ella apresente algumas vantagens relativas, essas vantagens nascem da propria condição da sociedade actual, formada por essa instrucção. Toda individual, toda egoistica, ella só apresenta a conveniencia de armar mais os individuos para as luctas tremendas em que eles vivem.230

É importante destacar que para Rocha Pombo há um distanciamento entre a instrução, especialmente a pública, e aquilo que ele descreve como educação. A instrução era limitada e não acessível a todos231, mas se o fosse a forma como ela chegava aos indivíduos – incompleta, mal direcionada e sem ideal – apenas ampliaria as lutas por quais os indivíduos passavam. Por ser incompleta, egoísta e seletiva a instrução criava muito mais sofrimento na medida em que ela criava e reforçava a desigualdade. Para Rocha Pombo, menos sofrimento haveria se ninguém a recebesse, pelo fato de que “de saberem para si todos os que sabem, e que sabendo sem ideal, sem terem educados de acordo com as condições e fins da humanidade, dao-se o direito de saber contra os ignorantes”. Dessa forma a humanidade pouco ou nada lucrava com a instrução escolar.232

Uma instrução que recebia um menino entre 8 ou 9 anos, que nada sabia, a quem nada fora ensinado, que por seus pais foram abandonados no vazio da ignorância. Do vazio recebido no seio familiar, a escola acabava de lhe entortar a alma, uma vez que ali se tornava inimigo e competidor de seus companheiros de estudo, não os reconhecendo como indivíduos integrantes de seu próprio mundo. Ao mestre cabia uma ingrata missão, em uma escola que “é uma prisão cheia de sacrifícios”233, é o carcereiro temido, mas não amado, que doma em vez

de continuar a embelezar a alma do aluno234.

230 Idem, pp. 322-323.

231 Aqui há uma clara crítica à instrução pública realizada pelo Estado, que também era alvo de discussões,

críticas e projetos variados, especialmente na capital do Império. Cf.: PERES, Tirsa Regazzini. “Educação Brasileira no Império”. In.: PALMA FILHO, J. C. Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – História da