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SYNTHESE DOS CAPÍTULOS DA SECÇÃO II DA TERCEIRA PARTE LXIX – 1.Estados Unidos da América do Norte – Washington dirigiu a

2. Uma História do Brasil para os historiadores do futuro

2.1 O caldeamento: o complexo étnico e a formação da raça histórica

2.1.3 O elemento europeu

Ao terceiro e último elemento do caldeamento Rocha Pombo reserva o menor espaço dentro do volume II. Embora o autor opte por apresentar o elemento português e os imigrantes em dois tópicos separados aqui eles serão considerados como elementos da raça

516 RABELLO, Sylvio. Op. Cit.

517 SCHWARCZ, Lilia K. M. O Espetáculo das raças... Op. Cit., pp. 203.

518 ROCHA, José Francisco da Rocha. Historia do Brazil (Illustrada). vol. II. Op. Cit., pp. 557. 519 Idem, Ibidem.

branca que em momentos diversos possuem o mesmo papel de raça superior que conferiu e conferiria a herança civilizadora ao resultado da miscigenação no Brasil. A eles estão reservados seis tópicos - quatro tópicos para o elemento português e dois tópicos para o que Rocha Pombo chama de “elementos secundários” – distribuídos num total de 54 páginas521, o

elemento branco, vetor de inteligência e civilidade, é apresentado nos seguintes termos:

Das tres raças principais que entraram na formação da raça historica, é à portuguesa que cabe o papel mais importante. Pela superioridade relativa da sua cultura, ella teve a direcção da sociedade nova que aqui se constituia, e naturalmente imprimiu nella, mais ou menos fundo, o seu caracter de povo. Sem estudal-a, perfunctoriamenteque seja, não seria possivel ter um idéa siquer das consequências que decorrem da fusçao geral e que se prender, antes de tudo, às relações em que ficaram as raças caldeadas522.

A apresentação dos portugueses e mesmo dos outros europeus para cá imigrados segue o mesmo “roteiro” utilizado para as outras duas raças, primeiro é feita uma tentativa de reconstrução das origens dos povos e o estabelecimento de seu tronco racial, para depois se realizar uma descrição de ondas migratórias e caldeamentos anteriores, especulando quais as características que permitiriam identificar a raça em questão como uma, mesmo que fenotipamente diversa. É interessante notar que para esse elemento ao contrário de indígenas e negros, não há nenhuma ilustração que faça conhecer a sua cultura, seus hábitos ou mesmo seu pretenso aspecto físico, o que aponta para a possibilidade de o autor,e/ou editor, não ver necessidade de apresentar aos olhos de seu leitor o elemento que maior papel possuía no caldeamento e na própria formação do espírito nacional.

O elemento português se constitui como uma raça histórica bastante complexa, uma vez que a Ibéria recebera um variado e incessante movimento de populações, incluindo povos africanos. O seu diferencial em relação, por exemplo, à Argélia, que recebeu igualmente raças opostas em profusão e à própria Espanha, com quem Portugal partilha a península, é que ali as várias raças fundiram-se de forma a existir uma unidade de língua, um espírito nacional e de temperamento, em outras palavras o caldeamento se dera de forma completa, o que não acontecera nos dois países com histórico de invasões semelhantes523. Aliado ou em contraponto a essa profusão de povos fora sido a bitola romana que se

521 O elemento Português: 1. O portuguez que emigrou para o Brazil; 2. Costumes e caracteristicas em geral; 3.

Causas que atuaram sobre a indole do portuguez; 4. O portuguez no Brazil hoje. Elementos secundarios: 1. Os mais valiosos elementos secundarios; 2. Contribuição dos elementos secundarios: na lingua, nos costumes, nas artes e industrias.

522 ROCHA, José Francisco da Rocha. Historia do Brazil (Illustrada). vol. II. Op. Cit., pp. 573. 523 Idem, pp. 574.

destacara, firmando o caráter português e o contato com os mouros pouco deixara, podendo ser sentido somente na parte oriental da península.

O resultado desse caldeamento seria um povo que, embora guardasse os “mais genuínos elementos fundamentais da raça iberica ou primitiva”524, não pode se esquivar ao

contato e direto com seus invasores e que representa “sob a forma que lhes deu a assimilação latina, todas as raças que figuram no occidente”525. Assim, o português diferentemente do norte europeu ou do asiático oriental (chinês e japonês) não possuía uma unidade étnica, sendo impossível ao simples olhar identificá-lo como integrante de seu povo. A sua identificação como português é possível somente ao se observar a existência de compartilhamento dos mesmos caracteres morais, da índole, das tendências dominantes, dos defeitos e virtudes do povo526. O que para Rocha Pombo apresentava-se como verdadeiro patrimônio histórico da raça. Essa construção do português abre precedente para uma proposta de brasileiro que também, mesmo depois de séculos e séculos de evolução e completo caldeamento, seria constituído pelas características que o descrevem e o identificam como povo muito mais que por uma pretensa unidade física, o que pelo texto de Rocha Pombo se fazia impossível quando povos tão diversos se relacionam e se fundem. Assim, pode-se estabelecer que Rocha Pombo também empresta de Sílvio Romero sua visão culturalista, que via no Brasil uma continuação de Portugal, por sua tendencia à miscigenação e herança histórica527.

Assim como proposto no Compendio de Historia da America, aqui Rocha Pombo apresenta o colonizador, agora especificamente o português, como oriundo de dois grupos ou espécies: o degradado, pobre, criminoso e o português normal. Seria a esse segundo grupo que Rocha Pombo daria destaque e estabeleceria como elemento branco participante do caldeamento. Segundo ele:

O portuguez normal e esse que veiu espontaneamente, tangido de ambições e de ideaes, e muitos ate de motivos superiores de ordem moral (...) As grandes qualidades que trazia o immigrante portuguez são as que elle herdou das raças cujos sangue tem nas veias e cujo influxo moral tem no caracter; são mais as que lhe resultaram das longas colisões sustentadas naquele pequeno retangulo da peninsula, contra povos e nações, contra avalanches de invasores, tão vários, tão poderosos, tão insistentes; são ainda as que decorreram da contingencia em que se sentia ao cado dessas luctas. Grave, simples, ingenuo; encarando a vida como uma grande tarefa; quase machinal no seu dever; laborioso, grangeador como um troglodyta; humilde, obediente, fiel com o seu superior; obsecado nos velhos habitos e usanças;

524 Idem, pp. 575. 525 Idem, Ibidem. 526 Idem, Ibidem.

supersticioso (tendo acima de tudo a superstição da autoridade); pouco caso fazendo da vida civil, mas afeiçoando-se à tradição do seu povo e principalmente à terra; amoroso, docil, e pacifico; resignado, tranquilo e igual; sem tristezas e acabrunhamentos, acceitando a existencia, as vicissitudes, a condição social, a propria desgraça como fatalidades inevitaveis do destino, mas nunca até o ponto de renunciar no fundo do coração à esperança de vencel-o um dia (...)528

Características que foram alteradas na plenitude da América. O português normal, uma vez longe da placidez da península perde logo de saída o seu tradicionalismo, sua submissão à hierarquia, seu instinto de obediência e até aquele “cego respeito à autoridade que o levava a tudo sancionar sem exame desde que vinha de cima”529. Essas mudanças se

fazem positivas na medida em que o português também se liberta de sua desilusão fatalista desde o momento em que avistou o colossal território.

Ao construir seu elemento branco Rocha Pombo resgata o português, demonstrando como a guerra, a conquista e principalmente a terra, fazem dele não apenas um vilão embrutecido, mas também um herói que usa as armas necessárias para vencer e se estabelecer em um mundo extremamente hostil e monumental, mas que também guarda no “fundo da alma victoriosa uma reserva de atributos Moraes para a obra da nacionalidade sobre a base de uma leal conciliação, de um perfeito congraçamento com os proprios subjugados”530. O autor alega opor-se, em sua consciência, aos meios utilizados na conquista e ressalta a importância de não se calar em apresentá-los, contudo, alerta que não se pode julgar aqueles homens com a consciência de seus dias. Propõe não apenas o afastamento do olhar, mas a busca por inserir aqueles indivíduos em seu próprio contexto e tempo, conferindo-lhes o status e desbravadores nos mesmos moldes daqueles da Antiguidade. Chama ainda a atenção para a necessidade de se compreender que o Brasil se constituída como uma terra deserta, abandonada e conquistável, já que o indígena não era considerado homem perante a lei, assim sendo, essa não se aplicaria no trato com eles ou sobre eles.

Sobre o outro conjunto que comporia o elemento branco, mas não colonizador, Rocha Pombo busca construir uma breve apresentação dos principais grupos que para cá imigraram e a importância desse contato para o aprimoramento da raça histórica. Alguns como os chins, os ciganos, os sírios e os turcos, são tratados de forma bastante depreciativa, na medida em que nada poderiam contribuir para a melhora pelo caldeamento. A em sua análise há marcação da existência de uma esperança de que esses novos elementos brancos

528 ROCHA, José Francisco da Rocha. Historia do Brazil (Illustrada).vol. II. Op. Cit., pp. 578. 529 Idem, pp. 579.

inseridos no país desde o século XIX, fizessem cada vez mais parte do processo de caldeamento acelerando a evolução.

Feita a apresentação, análise e demonstração de como cada uma das três raças contribui para a formação do elemento nacional o autor aponta para a importância desses estudos para compreender a forma como se dá a formação do espírito nacional. Estabelece claramente a preponderância da influencia da raça branca, superior sobre as outras, mas alega:

Constitui um vasto assumpto de estudo, e do mais alto interesse para a nossa historia sem duvida, a influencia que as duas grandes raças subalternas exerceram na nossa formação nacional. Não se poderia dizer com pela segurança qual dos dois elementos – o indígenas e o africano – entrou em mais largas proporções no complexo da raça historica, e deixou de si vestegios mais fundos e indeleveis. Mesmo pondo de aldo a acção imediata de cada um desses factores na economia geral da antiga colonia, seria necessario saber a qual deles compete a preponderancia, tanto na nossa constituição ethnica, como no caracter, nos costumes, nas tendências, no espirito do povo brasileiro. Seria preciso, em summa, estudar o typo physico do mestiço e a sua alma, para ver depois, em confronto com as duas raças ainda immunes o grau de influencia de cada uma delas. Por muitas razões é claro que semelhante trabalho é por enquanto mais talvez do que difícil; sendo principal a que consiste no fato de se estar ainda fazendo o caldeamento: não temos um typo fixo e definido, mas apenas typos em transição. Esses typos não variam sómente com as diversas zonas, de modo a poder-se-lhes explicar a variedade só pela respectiva mesologia: pelos contrario, o que autoriza a concluir pela mobilidade externa, pela instabilidade desses typos – e a diferença que se lhes nota na mesma zona, dentro dos mesmos paralelos, à medida que se vai das regiões maritimas para o interior. – Isto quer dizer que, si não é ainda possível decidir quanto à acção das duas raças sobre o organismo da sociedade historica, pelo menos já podemos marcar a zona da influencia preponderante de cada um dos dois elementos: o valor do africano foi muito maior nos centros populosos da costa e duma certa faixa contigua ao litoral; emquanto que no interior preponderou incontestavelmente a raça aborigena531.

Assim, não há para Rocha Pombo uma influencia maior de negro ou de indígena, ou pelo menos essa diferenciação não poderia ser ainda feita devido à falta de estudos sistemáticos sobre o tema, mas é importante registar que essa questão desaparecerá na construção de seus materiais didáticos, onde os três elementos serão apresentados a partir de suas principais heranças, mas como raças que contribuíram de maneira desigual para a constituição da pátria brasileira.