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SYNTHESE DOS CAPÍTULOS DA SECÇÃO II DA TERCEIRA PARTE LXIX – 1.Estados Unidos da América do Norte – Washington dirigiu a

2. Uma História do Brasil para os historiadores do futuro

2.1 O caldeamento: o complexo étnico e a formação da raça histórica

2.1.1 O elemento aborígene

O estudo de Rocha Pombo sobre os indígenas está dividido em quinze tópicos que vão das preliminares, em que será tratada a pré-história da América, até uma análise sobre o valor dos indígenas, num capítulo que se constitui mais da metade do volume464. Para

461 ROCHA, José Francisco da Rocha. Historia do Brazil (Illustrada). vol. II. Op. Cit., pp. 19. 462 Idem, pp. 20.

463 Idem, pp. 22.

464 O capítulo 2 abrange 365 das 643 páginas do livro. Conta com os seguintes tópicos: 1. Preliminares; 2. O

homem americano; 3. O caminho das migrações; 4. Distribuição das grandes famílias da America oriental; 5. Metamorphose regressiva operada na America Oriental; 6. O que representam os tupys; 7. Condições politico- sociais e estado de cultura; 8. Crenças, lendas e tradições; 9. Economia indigena; 10. Costumes – na paz e na

construir a sua história dos indígenas, Rocha Pombo fará uso de um grande número e trabalhos produzidos no Brasil e no exterior, dentre os quais terão grande destaque em sua obra os relatos de viajantes, trabalhos de arqueólogos, de cronistas etc. Logo de início Rocha Pombo chama a atenção para o importante trabalho da arqueologia no trato e descobrimento de materiais que ajudassem a construir uma “história da pré-história”, principalmente da arqueologia norte americana. Destaca o trabalho de Latouche-Tréville, de quem empresta conceitos, considerações e interpretações. Sobre a pré-história da América, Rocha Pombo conclui que o homem americano possuía perfeita unidade de origem, o que seria comprovado cientificamente pelo descobrimento e estudo de um homem fóssil pelos arqueólogos e que a esse deveriam ser estabelecidas relações com os egípcios e as populações do sul da Ásia e Oceania. Assim, o ameríndio não era uma raça ou raças isoladas, mas teria além de um ancestral comum, diverso daquele do homem branco, entrado em contato com outras raças e efetuado caldeamentos anteriores. Antes de tratar especificamente do aborígene encontrado em terras que se constituiriam na América Portuguesa, Rocha Pombo discorrerá intensamente sobre as populações da América como um todo, construindo um indígena generalizado. A raça aborígene poderia ser vista pelo leitor de Rocha Pombo:

guerra; 11. Instituições fundamentais; 12. Linguas indígenas; 13. Ensaio de uma filologia americana; 14. Influencia dos indigenas – na lingua, nos costumes, nas industrias; 15. Valor do elemento indígena, e protestos da raça contra a conquista.

Figura 3. O Homem Americano, Historia do Brazil (Illustrada)

Fonte: POMBO, José Francisco da Rocha. História do Brazil (Illustrada). vol. II. Rio de Janeiro: J. F. Saraiva editor, 19--, pp. 82. Col. Particular.

A figura acima é uma das muitas constantes na obra de Rocha Pombo e nesse momento específico do texto tem como papel apresentar ao leitor a fisionomia do elemento indígena. Assim como as outras imagens encontradas nos 10 volumes da Historia do Brazil (Illustrada) além da legenda, não há qualquer indicação de fonte, descrição da imagem ou

análise da mesma pelo autor, em alguns casos há uma indicação do autor. Seu papel, segundo o nome do livro é ilustrativo, mas da forma como se coloca a composição da obra assume um objetivo de extrema importância: deve ajudar a registrar na memória do leitor uma determinada imagem daquilo que se fala, neste caso daquilo que se constituía um índio, uma categoria geral, sem diferenciações ou especificidades de grupos, culturais, físicas etc. Aqui é importante ressaltar que, embora Historia do Brazil (Illustrada) não seja um livro didático, ele é voltado para o grande público e como os didáticos suas páginas são formadas por textos multimodais, compostas de textos escritos e imagens. A relação entre estes tipos de textos cria a possibilidade de um sistema de comunicação em que um acaba por complementar o outro465, no capítulo 3 será realizada uma análise mais aproximada desse elemento da obra didática de Rocha Pombo.

Para estabelecer o que seria o homem americano, Rocha Pombo se propõe a analisar os dois grandes “impérios do Pacífico”, Peru e México. Assim, discorre sobre a religião, a organização social, a economia, a língua, arte e outros aspectos desses dois grupos de ameríndios. Ao adentrar no estudo específico das populações indígenas do território da América Portuguesa, seu foco é posto sobre o estudo das migrações e o nomadismo, voltando aos dados estatísticos sobre tribos e línguas466, concentrando-se mais uma vez em analisar mais aproximadamente aqueles tomados pelos etnógrafos e historiadores do período, com base especialmente na obra de Gabriel Soares de Souza467, como os maiores grupos tupi, tapuia e tupinambá468 e seus subgrupos, contudo, o grupo que receberá o maior destaque em sua análise seria o tupi.

Reconhece a existência da influência dos indígenas na língua, nos costumes e nas indústrias, mesmo que para a evolução física, moral e biológica da nova raça criada pelo caldeamento não tivesse contribuído com elementos positivos. Segundo Rocha Pombo:

465 Idem, Ibidem. 466 Idem, pp. 81-98.

467 SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. Rio de janeiro: Typografia de João

Ignácio da Silva, 1879. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/node/495

468 Aqui tomamos os termos utilizados pelo autor sem perder de vista que esses nomes são genéricos e que,

segundo John Monteiro, é preciso atentar para o processo de formação das identidades indígenas e a maneira como elas têm sido observadas e tratadas de forma cristalizadora pela historiografia. Herda-se uma leitura feit no século XIX, principalmente a partir da obra de Gabriel Soares de Souza, copilada por Varnhagen, que classifica os grupos ainda na conquista da América em categorias genéricas, conferindo-lhes uma identidade afastada do processo de colonização. No processo da conquista e colonização dar nomes e classificar os indígenas dentro de grupos aliados ou inimigos fazia parte política de domínio do conquistador, mas aceitar essa classificação e se colocar de um lado ou de outro foi parte da estratégia dos grupos nativos para a sobrevivência e manutenção de sua identidade. MONTEIRO, John Manuel. Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de história indígena e do

indigenismo. Tese de Livre Docência, área de Etnologia, Unicamp, 2001. Disponível em:

(...) o valor de uma raça tem de medir-se, antes de tudo, pelo seu poder de resistencia e immunidade ao contacto de outras raças (...) Aqui no Brazil, como em toda a America, o encontro das duas raças deu-se em condições differentes e até contrarias. A força e a cultura estavam aqui do mesmo lado. De sorte que não seria legítimo comparar os resultados, desde que os factores são diversos. Mas esta disparidade de coefficientes tem de ser descontada aos americanos. Si uma civilização mais alta, que se deixa agredir só porque não tem mais força, consegue triumphar afinal sobre aquelles mesmos que a venceram, é evidente que mais completo triumpho alcançaria si não tivesse perdido a capacidade de defesa. Si a simples cultura resiste à preponderância da força, a força e a cultura superiores impõem dominio absoluto e imune. E foi o que se deu no Brazil, como em toda a America, mais ou menos. Aqui houve invasão e conquista, e a conquista determinou uma absorpção mais ou menos integral da raça conquistada, conforme o gráo de repulsão dos invasores pelos indigenas, e as qualidades mais resistentes que estes apresentavam. – É natural, que principalmente na America oriental fosse muito limitada a influencia do indio na sociedade historica, dasa as condições em que se fez a conquista469.

Assim, os aborígenes teriam contribuído de forma bastante difusa e superficial para o resultado do caldeamento, pois, conforme já foi aqui demonstrado, o indígena seria o grande beneficiado com a mistura com o branco e, em decorrência da sua inferioridade enquanto raça e sua total ausência de instituições que lhe garantissem a vitória sobre elementos mais fortes, mais preparados e mais civilizados, fora totalmente subjugado e o pouco que deixava como influência na sociedade que se constituíra no Brasil eram indícios para a compreensão de seu real papel no caldeamento. Nesse sentido, Rocha Pombo construirá uma análise que estabelecerá como principal contribuição do indígena para a formação da raça história seria a sua altivez e para isso partirá, de certa forma, em defesa do indígena, mesmo que em vários momentos de seu texto argumentos e conclusões se tornem totalmente contraditórios quando observados e relacionados às suas conclusões ao analisar o processo de miscigenação. Sobre o valor do elemento indígena:

Accusa-se de indolencia o nosso selvagem. Nesse ponto estão todos os autores de accordo. Quando o indio preferia a vida livre e descuidosa do sertão é porque não se mostrava disposto a viver a ida sedenta dos gremios, onde a natureza não mais lhe offerecia de graça os dons de as munificencia. Desde que fixasse ao solo, seria já necessario recorrer ao trabalho para supprir às grangearias, tão faceisao selvícola despreocupado e errante470.

Para Rocha Pombo, a ideia de que seria o não preparo ou o não querer trabalhar, ou seja, a aversão ao trabalho por parte do indígena o, que imperava no contato, demonstra que nos dois primeiros séculos de colonização, mesmo com a introdução do negro no mundo do trabalho no Brasil, o índio fora sempre um grande auxiliar para o colono471. Foi

469 ROCHA, José Francisco da Rocha. Historia do Brazil (Illustrada). vol. II. Op. Cit., pp. 347-349. 470 Idem, pp. 370.

principalmente o perder a soberania sobre a vastidão do território, da floresta e o ser “jogado” repentinamente à condição de escravo, prática a que não estava habituado – ao contrário do africano – é que havia gerado a resistência, que era expressa principalmente pela recusa ao trabalho com a fuga para o mato.

Eis ai como o indio se fez, aos olhos do europeu, a raça caracterizada pela indolencia, pela aversão ao trabalho e cada vez mais amando mais apaixonadamente a vida do sertão. – Outras sentenças que se crearam, e correm contra os nosso incolas, os fazem passar por inconstantes, falsos, desleais, perfidos, levianos, estúpidos, covardes e quanta coisa mais. A inconstância do indio é uma das grandes

calumnias de que com tanto ardor defendem algumas testemunhas insuspeitas de

actos e provas as mais irrecusaveis em contraste cm semelhante increpação. Foram talvez alguns missionarios que se convenceram de tal falha moral do indigena à vista da facilidade com que este recebia hoje a abandonava, às vezes no dia seguinte, os ensinamentos da nova Religião472.

Embora dê ao indígena possíveis justificativas para a sua indolência e tente desconstruir uma leitura da anterior e da época – que se perpetuaria no decorrer do século XX – o índio de Rocha Pombo estava construído nas mesmas bases daquele de 1897-1898: bárbaro, fugidio, indomesticável, trazendo para o amalgamamento a característica que um espírito altivo quebrado. Rocha Pombo conclui sua apresentação do indígena reproduzindo trechos de um texto de D. J. G. de Magalhães, publicado no tomo 23 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro “Os indigenas do Brasil perante a Historia”, de 1860:

“a importancia da parte indigena na população do Brazil, e que menos razão ha ainda para que apaixonados declaremos contra selvagens que por direito natural defendiam a sua liberdade,a sua independencia e as terras que occupavam no momento em que aqui chegamos. Pacificos e hospitaleiros ao principio, provocados depois enfureceram-se e retribuíram o mal com o mal. Assim fazem todos os homens. Os erros, os crimes, as crueldades que aqui se commetteram não nos espantam, si bem que os lamentamos; pois a historia das nações civilizadas da Europa nos habituou a maiores horrores e atrocidades, de que pasmariam os nossos mesmos selvagens, não atormentados pela sede da cubiça e do mando, que perverte e corrompe o coração do homem. Entre os que matam para escravisar, dominar e enriquecer-se, e os que matam e morrem pugnando pela propria vida e liberdade, pende a justiça em favor dos segundos, que mais despertam o sentimento do bello moral, nunca de sobra no afan vulgar da vida. Por isso é que os feitos dos indigenas oferecem argumentos sympathicos à nossa poesia nacional (...) Não cessávamos de admirar a intelligencia e perspicacia desse selvagem tão senhor de si, que por nenhum acto parecia estranho à sociedade em que pela primeira vez se achava. Em geral os nossos indios são dotados de grande instinto de observação e de imitação; com facilidade aprendem todas as artes; são muito affeiçoados e tendem sempre a ligar-se comnosco; e sem a perseguição a ferro e fogo que os afugente dos centros civilizados, estariam logo todos fundidos na nossa população”473

472 Idem, pp. 380-383.

473 MAGALHÃES, D. J. G. de. “Os indigenas do Brasil perante a Historia”. Revista do Instituto Histórico e

A apropriação da interpretação, de certo modo positiva, que Magalhães faz do elemento aborígene por Rocha Pombo reforça o caráter contraditório de sua forma de estabelecer o indígena e seu papel na construção do brasileiro. Por um lado, a altivez que seria a grande característica do indígena e que aqui aparece destacada, não se fazia presente na descrição do principal agente autóctone da mistura, a mulher indígena. Por outro lado, o mesmo indígena de alma solapada pela escravidão imposta a aqueles que foram subjugados não carregava mais a altivez. Esse traço, conforme o autor e seus interlocutores ressaltam seria bastante característico no indígena que resistia e que se embrenhava no sertão e que exatamente por esse motivo não fazia parte do caldeamento.

Rocha Pombo constrói seu indígena num contraponto com leituras diversificadas e muitas vezes opostas. O produto final é um indígena caracterizado pela altivez e ousadia, mas ainda um selvagem. É um indivíduo que reage à vilania sofrida, que contribui com aspectos culturais, mas que é indiscutivelmente inferior – numa enorme distância ainda a percorrer – ao branco, mesmo aquele vilanizado e deturpado pelo ambiente. Entra no caldeamento e ajuda a construir o nacional, mas sua participação é sempre minorizada por sua própria deficiência em contribuir para o melhoramento da raça.