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Um manual de História da América para o Brasil

No mesmo ano da chegada de Rocha Pombo no Rio de Janeiro, a Directoria Geral da Instrucção Publica da Capital Federal abriu edital para um concurso que visava a escolha de um manual didático sobre a história da América, a ser utilizado pelas alunas da Escola Normal da então capital federal251. Tal projeto fazia parte de uma série de produções e

medidas correntes na nova república com o objetivo de “fazer despertar no coração e na inteligência da juventude a admiração e o amor pelo continente para o fortalecimento de um espírito americano”252. Segundo Ronaldo Conde Aguiar, a abertura de editais para concursos

como esse era bastante comum no período e caminhava ao lado da apresentação de obras didáticas, por autores renomados ou não, diretamente ao Conselho Superior de Instrução Pública, que avaliava e dava parecer sobre tais manuais e compêndios. Uma vez aprovados, por concurso ou não, esses livros eram publicados por conta do governo do Distrito Federal, muitos deles eram adotados não apenas pelas escolas da capital, como também por outros estados253. Assim, pode-se imaginar que Rocha Pombo, recém-chegado à capital, viu no concurso uma forma de entrar no mercado editorial do Rio de Janeiro, por meio de uma obra que seria editada e distribuída sem custos e pela qual ainda poderia receber um prêmio. No campo das letras os livros e manuais didáticos se apresentavam como um espaço do mercado de trabalho bastante promissor e atraente que, mesmo que financeiramente não trouxesse grandes ganhos, dava grande visibilidade aos seus autores254. Ainda segundo Aguiar, é importante ressaltar que essa visibilidade não estava ligada à ideia de vaidade satisfeita dos

251 Diário Oficial da União DOU de 10/04/1897, Intendencia Municipal, Prefeitura do Districto Federal, Atos do

Poder executivo, Decreto de 9 de agosto de 1897, capítulo IV – Do conselho Superior de Instrucção, Art. 52, §§ 9° e 10°. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1619447/pg-1-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou- de-10-04-1897

252 CARDIM, Elmano. Op. Cit., pp. 30.

253 AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido: Tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro:

Topbooks, 1999, pp. 237.

autores, mas se fazia como “um capital estratégico ser aplicado num campo intelectual em formação, onde as posições de prestígio na ‘hierarquia de relevância’ estavam sendo disputadas, muitas vezes a ferro e fogo”255. Tal importância explica a presença de nomes já

consagrados nos campos das letras entre os autores de materiais didáticos ao longo do primeiro quartel do século XX, como, por exemplo, Olavo Bilac, José Verissimo e Manoel Bomfim.

Sob o pseudônimo Colombo, Rocha Pombo foi o único a apresentar um livro ao Conselho Superior de Instrução Pública do Distrito Federal, o que lhe garantiu o prêmio de 4:000$000 (quatro contos de réis) e a adoção de seu livro como compêndio na escola normal, em contrapartida, o Município adquiria o direito de publicar uma tiragem de mil exemplares para a distribuição entre os “membros do magistério primário, normal e profissional”256.

Como esperado em uma obra produzida a partir de um edital, o texto de Rocha Pombo deveria seguir uma série de regras e trazer em sua totalidade um texto compatível com o grau de instrução de seu público, alunos da Escola Normal. Segundo o edital:

A obra será calculada para o máximo de 80 lições – cada lição realmente susceptível de ser aprendida em uma hora aula, por alumno de capacidade média.

É o seguinte, em linhas geraes, o plano proposto pelo Conselho Superior para o livro a escrever.

I. Periodo pré-colombiano: habitantes primitivos, sua origem, seus costumes e tradições, topografia, flora e fauna da região ocupada.

II. Periodo colonial: quaes os descobridores do território, primeiras explorações; onde se deu submissão, onde assimilação do indígena, como effectuada; consequente dissiminação do europêo na America. Estado da Europa e nomeadamento dos paizes colonizadores na época das descobertas e conquistas da America.

III. Periodo independente: que suas influíram para este termo; que formas de governos adoptaram os povos emancipados, primeiros sucessos da época; consolidação autonômica, caracterisco das nacionalidades americanas. 257

Assim, o primeiro ponto a se observar é a exigência de se seguir uma direção pré-estabelecida pelo Conselho Superior de Instrução Pública do Distrito Federal, fazendo dessa obra não apenas um livro com público alvo específico e pré-definido, como também um livro que devia seguir padrões fixos em sua própria organização. Como veremos Rocha Pombo, na primeira versão apresentada para o concurso, não seguiu totalmente estes padrões.

Segundo Manoel Bomfim258, parecerista do concurso259, quanto ao caráter geral do livro ele continha alguns pequenos defeitos de substância, imprecisões e erros, como

255 Idem, Ibidem.

256 POMBO, José Francisco da Rocha. Compendio de Historia da America... Op. Cit. 257 Idem, V-VIII.

confundir uma revolta na Argentina com a Revolução Chilena260 - pequenos erros que poderiam ser facilmente corrigidos em uma revisão pelo autor. Manoel Bomfim completa sua avaliação dizendo:

Em geral, o livro está dentro do plano formulado pelo Conselho. Mas, na discriminação especial das suas divisões e subdivisões, alguns desacordos se notam, desacordos que devem ser reduzidos, trazendo-se a obra aos termos exactos do Edital, principalmente quando essas modificações nada alteram na substancia do livro, nem lhe tiram um particular merito.

Um dos desacordos que primeiro se notam é quanto ao numero de partes em que esta dividida a obra. O Edital exige tres; o livro apresenta quatro. Mas, essa alteração, da qual o autor se acusa e que procura explicar, não tem importancia, porquanto a primeira e a segunda parte do livro estão nos termos exactos da primeira e da segunda, enunciadas no Edital. A terceira parte é que o autor subdividiu em duas, fazendo a terceira e a quarta parte de sua obra. Elle se justifica e justifica-se bem. Essa terceira parte: ‘Período independente’, comprehende duas phases perfeitamente

258“Bomfim é natural de Sergipe, nasceu em agosto de 1868, iniciou a faculdade de medicina na Bahia aos

dezessete anos de idade concluindo o curso no Rio de Janeiro em 1890. Após 1894 abandonou a medicina por motivo pessoal, passando a se dedicar aos estudos sociais e a educação. Escreveu artigos para jornais sempre voltados ao interesse popular, deu aulas particulares e revisou provas tipográficas. Em1896, Manoel Bomfim foi convidado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Furquim Werneck de Almeida para ocupar o cargo de subdiretor do Pedagogium (Museu pedagógico criado em 1890 na cidade do Rio de Janeiro. Em 1897 o local foi transformado em um centro de cultura superior e em 1906 recebeu o primeiro laboratório de psicologia experimental do Brasil). Em 1897 Bomfim tornou‐se o Diretor Geral do Pedagogium, o que fez com que iniciasse sua atuação no magistério. Dirigiu o local por 15 anos. A partir destas experiências, Bomfim se defrontou com a realidade do ensino público brasileiro que estava em péssimas condições, iniciou estudos sobre as raízes das limitações educacionais e por conseqüência as limitações sociais do Brasil vigente. A sua passagem pela política foi rápida, em 1907 tomou posse do cargo de Deputado Federal substituindo Oliveira Valladão, que havia renunciado ao cargo de deputado para ocupar outra função no poder, a de senador. Posteriormente Bomfim tenta reeleição, mas não obtém êxito nos resultados se desinteressando pela política e se dedicando à produção literária. Bomfim escreveu obras de cunho didático, sociológico, historiográfico, psicológico entre outros. Manoel Bomfim faleceu aos 64 anos, em abril do ano de 1932, no Rio de Janeiro, algumas das obras deixadas à cultura brasileira são: Compêndio de Zoologia geral (1902), O fato psíquico (1904), América Latina: males de origem (1905), Lições de pedagogia (1915), Noções de Psicologia (1916), Lições e leituras para o primeiro ano (1922), Lições e leituras: livro do mestre (1922) e Crianças e homens (1922), Pensar e dizer: estudos do símbolo e do pensamento (1923), Métodos do teste: com aplicações à linguagem do ensino primário (1928), O Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930), O Brasil Nação (1931) e Cultura e educação do povo brasileiro (1931). Além das obras que escreveu juntamente com Olavo Bilac que tiveram influência na formação inicial de várias gerações: Livro de composição para o curso complementar das escolas primárias (1899); Livro de leitura para o curso complementar das escolas primárias (1901) e Através do Brasil: livro de leitura para o curso médio (1910)”. SILVA, Cláudia Virgínia Albulquerque Prazim da; FAÇANHA, Sabrina Carla Mateus. “Contribuição de Manoel Bomfim à educação brasileira”. IX Seminário de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e

Educação do Brail”. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2012, pp. 450-451. Disponível em:

www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/.../PDFs/1.33.pdf; Sobre Maonel Bomfim: AGUIAR, Ronaldo Conde. Op. Cit.; CONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

259 Segundo Manoel Bomfim: “Em 1897, quando o diretor geral de Instrução Pública fez anunciar o concurso de

um compêndio de História da América, solicitei a honra de, na qualidade de membro do Conselho Superior de Instrução Pública, dar o parecer sobre as obras que se apresentassem: tal era o interesse que esse assunto apresentava para mim; e só assim se explica essa pretensão de tratar de matéria fora da minha especialidade, e à qual não podia apresentar nenhum título de competência oficial”. BOMFIM, Manoel. A América Latina: males

de origem. Garnier, 2008 [1905], pp. 03. Disponível em: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas,

www.bvce.org

distinctas: a conquista desta independencia, e a vida posterior da nacionalidade livre. Foi isso o que elle fez... 261

A partir daí segue-se uma sequência de recomendações para que a obra sofra uma revisão e adeque-se ao que era exigido pelo edital e para que o manuscrito utilizado no concurso pudesse ser publicado. Alterações foram realizadas por Rocha Pombo, adequando a sua proposta às exigências do parecerista e do edital e habilitando sua obra para a publicação, em 1900. Entre elas a unificação das partes três e quatro em uma única parte dividida em duas seções. O compêndio de Rocha Pombo conformado segundo tais regras inauguraria uma forma de escrita que se tornaria a marca do autor em seus manuais e compêndios didáticos posteriores, e que pode ser caracterizada por uma linguagem acessível e instrutiva, numa busca por transmitir o maior número de informações de forma concisa e ao mesmo tempo apresentar interpretações do próprio Rocha Pombo para fatos e processos históricos. Outra característica dessa obra, que se faria padrão em seus escritos didáticos posteriores, é trazer conteúdos sintetizados, tanto no corpo do texto quanto ao final dos capítulos, partes ou do livro em forma de pequenos resumos, o que não ocorre em suas obras históricas como O Paraná no centenário e Historia do Brazil (Illustrada). Como podemos ver no exemplo abaixo:

SYNTHESE DOS CAPÍTULOS DA SECÇÃO II DA TERCEIRA PARTE