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A temporada dos sócios bonecreiros (1761-1762)

PARTE I – O TEATRO DO BAIRRO ALTO E A HISTORIOGRAFIA

II.1. Fundação da Casa da Ópera do Bairro Alto Os primeiros anos

II.1.3. A temporada dos sócios bonecreiros (1761-1762)

O teatro, segundo as Contas do Teatro do Bairro Alto, começou a ser construído em Outubro de 1760, no mês em que se assinou a escritura de arrendamento (CTBA, f. 1) e terá sido edificado em quatro meses, pois abriu as suas portas ao público oito dias antes do Carnaval de 1761 (3 de Fevereiro), ou seja, a 26 de Janeiro (CTBA, f. 1). Apesar de toda a expectativa que terá gerado a abertura do novo teatro em Lisboa, as informações que chegam até nós sobre o repertório e sobre a primeira equipa artística da

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sala de espectáculos da Rua da Rosa são escassas e decorrem apenas da análise dos dois contratos assinados pelos empresários do teatro e os sócios bonecreiros, já aqui analisados na sua vertente financeira. Pela leitura do primeiro contrato (ADL 2), sabemos que José Duarte e João Pedro Tavares ficavam incumbidos de transportar a sua «ópera de bonecos» do Teatro da Rua dos Condes para o da Rua da Rosa, que incluía «bastidores, figurados, vistas, pinturas, óperas, solfas», sob autorização do empresário Agostinho da Silva. A obrigação de levar «solfas» (partituras) sugere que a música iria acompanhar a representação das «figuras artificiais» ou, como também se pode ler, das «óperas artificiais»42. Na lista de condições contratuais, admitia-se a possibilidade de serem representadas «comédias portuguesas ou castelhanas ou outro qualquer divertimento, em que possam também entrar algumas danças», sendo para isso contratadas «pessoas representantes», ou seja, actores e bailarinos de carne e osso. Caducado este contrato, entrou em vigor o segundo acordo, em que os empresários do Teatro do Bairro Alto passaram a ignorar as directrizes artísticas para se centrarem em exigências pragmáticas relativas à abertura da primeira temporada: para o primeiro dia de Páscoa devia dançar «Chequi[n]a»43 e os «dois bufas da Ópera da Estrela» deviam apresentar os seus entremezes, tudo «com as vistas que são precisas, de pintura e vestuário novo, tanto para as figuras, como para as danças e entremezes, tudo com muito asseio e primor» (ADL 3). Mas esta é a única menção de carácter artístico, sendo incerta a convivência entre «figuras vivas» e «figuras artificiais» na Casa da Ópera do Bairro Alto. Nada mais se sabe sobre a equipa artística que poderá ter actuado no Teatro do Bairro Alto em 1761 – quem seriam os marionetistas ou como seriam as marionetas que haviam pertencido a José Duarte. A «ópera de bonecos» terá sido o meio mais prático e barato para pôr a casa da ópera em rápido funcionamento, pois os sócios, por um lado, encarregavam-se de apetrechar o teatro de materiais cénicos e, por outro, podiam prescindir das contratações, mais complexas e dispendiosas, de actores, cantores e bailarinos44.

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Na carta já citada de 23 de Janeiro de 1755, dirigida a Pedro José da Silva Botelho, faz-se a crítica «sobre a má digestão da harmonia da Ópera dos Bonecos que, por esse tempo, se representava na Casa do Divertimento do Bairro Alto», sendo descrito um espectáculo operático composto por árias e recitativos na tradição das óperas de António José da Silva.

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Grafado «Chequita», deverá ser «Chequina», nome que volta a aparecer nas Contas do Teatro do Bairro Alto.

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Na escritura de 18 de Maio de 1753, onde José Duarte aparece como sócio de Agostinho da Silva e responsável pela contratação de uma companhia espanhola para o Teatro da Rua dos Condes, os bonecos de José Duarte são mencionados numa cláusula como recurso do empresário para manter a actividade da casa, caso houvesse impedimentos para outro tipo de representação: «[C]aso que por algum incidente ou

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Durante a primeira temporada do Teatro do Bairro Alto, e incluindo a pré- temporada de oito dias, fizeram-se apenas 86 récitas devido a um tremor de terra, no dia 31 de Março, que assustou a população, levando as pessoas para fora de Lisboa (CTBA, f. 2). O sismo obrigou o teatro a fechar durante dois meses, mas no final da temporada, e feitas as contas, a casa ganhou 676$845 réis – correspondente à terça parte do rendimento líquido –, aos quais se acrescentaram os 348$000 réis provenientes das rendas das casas. No total, os empresários ganharam 1.024$845 réis, mas, segundo o relato de João Gomes Varela, Teotónio José Duarte e João Pedro Tavares não tinham capital suficiente para satisfazer as despesas do teatro, tendo sido necessário que o caixa «suprisse e interessasse com os ditos para ver se podia fazer com que a casa da ópera trabalhasse, e com efeito, se continuou, mas muito mal sucedidos, porque o caixa não só supria per si mas pelos companheiros de fora» (CTBA, f. 1v). Segundo as declarações de Varela, o próprio teve de cobrir as perdas em 1.443$847 réis (CTBA, f. 3), tendo a dívida sido carregada no campo das despesas do teatro, ao qual se acrescentaram os pagamentos da renda ao conde de Soure (288$000) e do imposto da Décima (6$400). O total da despesa ficou em 1.738$247 réis. Em conclusão, o saldo final da primeira temporada do Teatro do Bairro Alto foi negativo e Varela tornou-se credor da sua própria empresa em 713$402 réis.

Em 1762, João Pedro Tavares e José Teotónio Duarte retiraram-se da sociedade, provavelmente falidos. João Gomes Varela pagou a dívida de Duarte e comprou toda a «fábrica» dos bonecreiros, transacção realizada por escritura de venda com data de 8 de Janeiro de 1762 (ADL 4). Os materiais de cena, que haviam passado de José Duarte para a viúva e desta para o cunhado, foram vendidos ao caixa e empresário do Teatro do Bairro Alto pelo preço de 292$800. Regista-se apenas a venda dos «trastes e figuras» e dos «bonecos como de tudo o mais que se achar na referida casa de ópera a ele [Teotónio José Duarte] pertencente», não havendo uma descrição mais detalhada do espólio (idem). Nas Contas do Teatro do Bairro Alto afirma-se que João Gomes Varela passou a ser proprietário de todo o «recheio e fábrica do teatro pela compra que tinha feito aos ditos sócios de fora» (CTBA, f. 1v).

ordem real se impeça o exercício das representações de comédias na dita casa, e nela se haja de fazer óperas de bonecros [sic], ou outros alguns divertimentos públicos, nelas continuarão esta sociedade pelo tempo e condições referidas» (ADL, 1.º B Cartório Notarial de Lisboa, liv. 675, ff. 49-51; transcrição de Licínia Ferreira, que desenvolve a tese sobre o Teatro da Rua dos Condes).

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