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5 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

5.2 A Teoria das Representações Sociais

Arruda (2002) ressalta que o conceito de representação social não é de uma área específica, considera que este conceito ultrapassa os limites das ciências humanas, fundamentando-se originalmente na sociologia, com traços da antropologia e na história das mentalidades. A teorização da representação social tem seu desenvolvimento em Serge Moscovici e aprofundamento com os estudos de Denise Jodelet. A autora aponta que nos anos 1960, ocorreu grande motivação e preocupação em explicar os fenômenos do domínio simbólico, utilizando as noções de consciência e imaginário. A partir disso, por volta dos anos 1980, as noções de representação e memória social também integraram as tentativas de explicar tais fenômenos. Mesmo com sua origem sustentada pela sociologia de Durkheim, é na psicologia social que a representação social é sustentada como teoria, pois a aborda no âmbito relacional – indivíduo-sociedade – e cognitivo.

Na intenção de fazer referências às contribuições da psicologia social, Jovchelovitch (2004) a entende como uma ciência do “entre”. A autora caracteriza o psicossocial como uma “zona nebulosa e híbrida” que incorpora as relações entre indivíduo e sociedade. Seu enfoque está no espaço relacional destas duas unidades. A representação é uma categoria que reside no psicossocial, bem como outras enumeradas por Jovchelovitch (2004), a identidade, o eu, o discurso e as ações, e que são produzidas no “entre”. A partir desta concepção, a autora salienta que a psicologia social possibilita diálogos interdisciplinares:

A representação é uma construção ontológica, epistemológica, psicológica, social, cultural e histórica. Ela é todas estas dimensões ao mesmo tempo e cada um destes atributos só pode ser entendido em relação a todos os outros, já que do ponto de vista fenomênico eles são dimensões simultâneas do sistema representacional (JOVCHELOVITCH, 2004, n.p.).

Spink (1993) faz referência à contribuição da Psicologia Social para o estudo das representações sociais. De acordo com a autora a contribuição mais valiosa se encontra na ênfase ao processo de elaboração de representações oriundas das práticas sociais, que as

definem ou são definidas por elas. É a contribuição de possibilitar o estudo do particular como uma expressão do universal, em contextos históricos e sociais.

Doise (2002) reforça a relevância dos estudos de Moscovici acerca da psicologia social numa corrente na qual as relações entre os âmbitos individual e social, apesar das distinções, possuem ligações, intervém o outro na construção da realidade. Neste ponto, o autor destaca as representações sociais como constituintes da realidade social. Doise (2002) faz referência à construção da psicologia societal. Defende esta ideia, ao retomar as representações sociais e imbricar o estudo da cognição no nível individual e o estudo dos sistemas relacionais e societais. “O estudo das representações sociais preconizado por Moscovici necessita que se coloque em relação aos sistemas cognitivos complexos do indivíduo com os metasistemas [sic] de relações simbólicas que caracterizam uma sociedade” (DOISE, 2002, p. 30).

Ao apontar tal definição de representações sociais, Doise (2002) em conjunto com Clémence e Lorenzi-Cioldi, propõem uma articulação teórico-metodológica para o estudo quantitativo das representações. Três hipóteses constituem as representações sociais, nesta perspectiva. A primeira hipótese é que em dada relação social, os diferentes membros da população partilham de certas crenças comuns. “As representações sociais (RS) se constróem [sic] nas relações de comunicação que supõem referentes ou pontos de referência comuns aos indivíduos ou grupos implicados nessas trocas simbólicas” (DOISE, 2002, p. 30). Como segunda hipótese, está a explicação de como e por que os indivíduos apresentam diferenciações nas relações com as representações, isto é, nas variações de tomada de decisões individuais. E por último, considerar “[...] a ancoragem das tomadas de posição em outras realidades simbólicas coletivas, como as hierarquias de valores, as percepções que os indivíduos constroem das relações entre grupos e categorias e as experiências sociais que eles partilham com o outro” (DOISE, 2002, p.30).

De acordo com Santos (2005, p. 21), a expressão representações sociais refere-se simultaneamente à teoria e ao objeto por ela estudado. “Falar em representações sociais é remeter-se ao conhecimento produzido no senso comum. Porém, não a todo e qualquer conhecimento, mas a uma forma de conhecimento compartilhado, articulado, que se constitui uma teoria leiga a respeito de determinados objetos sociais”.

Spink (1993) define tal teoria como estudo das formas de conhecimento prático, e que pressupõe uma ruptura com teorias clássicas do conhecimento, que abordam especificamente o conhecimento formalizado. A autora salienta os esforços do estudo das representações sociais como superação da “clivagem entre ciência e senso comum, tratando ambas as manifestações como construções sociais sujeitas às determinações sócio-históricas de épocas

específicas” (SPINK, 1993, p. 302). Corrobora, portanto, na incorporação do social, as relações de objetividade e à ampliação do olhar, concebendo o conhecimento do senso comum como forma legítima, válida de conhecimento e como produtor de transformações sociais, isto é, criação da realidade social.

O objetivo da teoria das representações sociais é a tentativa de compreensão de como o conhecimento científico se apresenta na consciência dos indivíduos e dos grupos. Para Berger e Luckman (1985) o estudo da representação, as origens de universos simbólicos, é a busca de compreensão do processo de construção da realidade. Tais autores consideram a sociedade como produto humano e como uma realidade objetiva, e o homem como produto desta

Santos (2005) explica que a representação social não é a reprodução do sujeito sobre um objeto, mas uma construção e reconstrução a partir de informações que o indivíduo recebe de e sobre o objeto. De forma sistemática e esquematizada, com certa coerência, as informações acerca do objeto de representação social são filtradas e guardadas na memória, processo este que permite a compreensão e a ação do indivíduo sobre o mesmo.

De acordo com Chaves; Silva (2013), as RS estabelecem conexões entre as abstrações do saber e crenças, e a concretude da vivência do indivíduo nos processos interativos com os outros, por isto, são elaboradas na fronteira entre o psicológico e o social. Estas conexões são estabelecidas de acordo com o processo de ancoragem e de objetivação.

“A ancoragem é o processo de reconhecimento de objetos não familiares com base em categorias previamente conhecidas” (CHAVES; SILVA, 2013, p. 424). Ou seja, o indivíduo integra o objeto estranho aos seus sistemas particulares, pois, apresenta certo distanciamento ou resistência para falar ou posicionar-se diante de algo que desconhece. É dar uma identidade àquilo que não estava identificado.

“A objetivação, por sua vez, é o processo em que conceitos abstratos são materializados em realidades concretas” (CHAVES; SILVA, 2013, p. 425). É converter o objeto em uma imagem, aproximando o objeto a um elemento da realidade.

Dois universos de pensamento são destacados por Moscovici: os universos reificados e os universos consensuais. Chaves; Silva (2013) explicam que estas classes promovem a compreensão de que a teoria das representações sociais não se aplica a todas as formas de conhecimento que são produzidas e mobilizadas em âmbito social.

Nos universos reificados, “[...] a sociedade se vê como um sistema com diferentes papéis e categorias, onde o grau de participação na produção de conhecimento é determinado exclusivamente pelo nível de qualificação” (CHAVES; SILVA, 2013, p. 427). Há um

objetivo de caráter lógico e metodológico, junto a uma teorização abstrata para caracterizar a ciência, o pensamento erudito.

A construção de realidades consensuais tem como matéria-prima o saber cotidiano e o conhecimento dos universos reificados. Os universos consensuais são as atividades intelectuais da interação social cotidiana (CHAVES; SILVA, 2013). Dessa forma, as RS surgem da interação constante desses dois universos, numa constante tensão e ruptura entre as representações, o conhecimento científico e cotidiano.