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3 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL

3.1 Breve histórico educacional brasileiro

3.1.1 Concepções sobre a Educação do Campo

Conforme Parecer CNE/CEB nº 36/2001, Educação do Campo incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, acolhendo pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. A legislação brasileira vê o campo como possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana.

Para Cavalcante (2010) a Educação do Campo não visa resgatar o romantismo do ruralismo pedagógico presente na década de 1920, mas negociações acerca das formas de

organização e condição de vida que se quer ter no campo, as relações com o ambiente, com o trabalho no/do campo e a renda ou possibilidade de renda que advém deste meio.

Há concepções de que o campo é um lugar de desenvolvimento em atraso, secundário e provisório. É esta visão urbanocêntrica que direcionou algumas políticas públicas da educação no Estado brasileiro. Vê-se aspirações urbanas para que a Educação do Campo favoreça o desenvolvimento urbano-industrial. Acredita-se que as pessoas residentes nas áreas do campo, percebidas como áreas subalternas, ligadas a condições de pobreza, nas quais crianças e adolescentes necessitam de auxílio na condução (transporte) até os espaços escolares, apresentam motivações e interesses iguais às crianças e adolescentes que residem nas áreas urbanas. Vê-se também, que a questão educacional é voltada para uma vida futura no âmbito da cidade, estabelecendo uma relação de inferioridade da vida no campo. Não se estabelece com tais aspirações a relação complementar entre campo e cidade, visto que ambos possuem o mesmo valor. Esta é uma questão a ser superada. (BRASIL, 2007)

Segundo Mançano (2002 apud SILVA; MORAIS; BOF, 2006, p. 73), a Educação do Campo emergiu da articulação de movimentos sociais em contraposição a uma visão tradicional do sistema educacional desenvolvido nas áreas agrárias. Para ele, “do campo” é uma expressão designada a “[...] um espaço que possui vida em si e necessidades próprias, que é „parte do mundo e não aquilo que sobra além das cidades‟”. Portanto, a educação destinada a esta população, deve refletir seus interesses e suas necessidades de desenvolvimento. Nesta perspectiva, as escolas das áreas rurais deveriam considerar os conhecimentos provindos das experiências nestes espaços, desenvolver habilidades específicas desta área, valorizar a vida no campo e caracterizar a identidade rural (SILVA; MORAIS; BOF, 2006).

Conforme afirma Souza (2008), a Educação do Campo pressupõe uma educação pública que proporcione a valorização da identidade e a cultura de seus sujeitos, com a perspectiva de promover o desenvolvimento do ser humano e de um local sustentável, sob os princípios estruturantes dos movimentos sociais do campo.

Caldart (2003) salienta que a partir da I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998, algumas ideias-força foram estabelecidas por considerar que o Campo no Brasil está em movimento. Uma destas ideias está no cerne das organizações e movimentos dos trabalhadores da terra, que vem estabelecendo novas visões acerca da vida no campo e seus sujeitos. Com este novo olhar para o contexto do campo, a Educação Básica do Campo tem sido repensada como “[...] um movimento sociocultural de humanização das pessoas que dele participam” (CALDART, 2003, p. 61). Com tais respaldos,

a prática nas escolas do Campo vem sendo repensada na intenção de potencializar as diversidades do contexto, num trabalho de sensibilização consciente dos professores para que suas intervenções auxiliem o processo de humanização e de reafirmação dos sujeitos do campo, possibilitando que sejam autores de sua história.

A questão da formação do profissional docente para trabalhar com e na Educação do Campo é uma pertinência nas aspirações do MST. Para estes propósitos, os movimentos sociais requerem do Estado o desenvolvimento de programas de oferta de educação pública e da formação de professores para atuarem nas escolas do campo. Souza (2008) enumera em seus estudos os projetos de formação para professores do campo. O Programa de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) compreende projetos que incluem a licenciatura em Educação do Campo e a Pedagogia da Terra como formação inicial, e a formação continuada com especialização lato sensu em Educação do campo e cursos de Letras, História, Geografia e Agronomia.

Zárate (2011) esclarece que o curso de Pedagogia da Terra é a atual Licenciatura do Campo. Segundo a autora, trata-se de uma proposta inovadora e uma possibilidade de formação docente para atuar no campo. Tem por fins a docência, com sólida formação acadêmica, científica e cultural, objetivando o desenvolvimento de formação crítica de gerações que primem para melhorias na educação básica e que construam sua identidade profissional.

Segundo Gadotti (2005), a Pedagogia da Terra compreende uma abordagem curricular, um movimento pedagógico, social e político, que tem por finalidade promover a aprendizagem acerca do sentido das coisas que integram o cotidiano, e que possibilite um novo modelo de civilização pautada em princípios sustentáveis, inclusive em âmbitos ecológicos.

Neste contexto, o MST em busca da Reforma Agrária no Brasil, tem sido a grande força propulsora de mudanças nas dimensões da Educação para o campo.

De acordo com Caldart (2003), o MST possui também como objetivo a luta pelo direito à Educação, junto à luta pela terra. No percurso deste movimento social, a mobilização pelo direito à escola teve seu início na década de 1980, na intencionalidade de desenvolver uma educação significativa para os filhos dos integrantes do movimento. A partir desta mobilização, o MST junto às famílias e professores, passou a ter pretensões de organizar uma proposta pedagógica que se adequasse às especificidades do campo; e para atender tal demanda, obter uma formação que capacitasse os profissionais para atuarem nesse contexto. Em 1987, o MST instituiu um Setor de Educação dentro do movimento, iniciando suas

reflexões às quatro primeiras séries da Educação Básica, estendendo-se posteriormente da Educação Infantil à Universidade, e à alfabetização de jovens e adultos.

Caldart (2003) explica que a escola para o MST é vista como um direito social consolidado, isto é, não há acampamento ou assentamento sem escola. Esta, é considerada como integrante na formação dos sujeitos e deve estar vinculada às preocupações do Movimento. A partir destas premissas, a escola precisa ter uma pedagogia que conheça e respeite o contexto, os saberes e as maneiras particulares do processo de aprender e de ensinar de seus alunos. Forma e conteúdo da escola é que devem ajustar-se aos educandos, conforme já estabelecido pela legislação constitucional.

Tais considerações levam a pensar em um modelo de escola próprio para a Educação do Campo, o que é um equívoco. A Educação pensada para o campo, nas reflexões instituídas pelo MST, não vincula-se a um modelo próprio, mas ao desenvolvimento de uma pedagogia aberta ao movimento social e da história, o que altera diretamente na postura dos professores que atuam neste contexto. Uma escola do campo precisa considerar as práticas e ações sociais de sua população. “Somente as escolas construídas política e pedagogicamente pelos sujeitos do campo, conseguem ter o jeito do campo, e incorporar neste jeito as formas de organização e de trabalho dos povos do campo” (CALDART, 2003, p. 66).

Caldart (2003) faz referência a uma série de reflexões que o MST apresenta ao processo educativo. O movimento do Campo precisa da expansão da educação, de um projeto popular de desenvolvimento, da escolarização estendida para todos. A escola é percebida como um importante agente de formação da consciência das pessoas, uma fonte constitutiva de bases culturais necessárias ao processo de mudanças sociais. Por este motivo, a escola precisa estar articulada a sujeitos engajados nestas lutas; aos povos do campo em “[...] diálogo com outros sujeitos da práxis pedagógica”. Na análise do MST, a Educação do Campo se produz em perspectiva, ou seja, na relação com os outros sujeitos sociais, com o próprio movimento e sua história.

Uma escola do campo não é, afinal, um tipo diferente de escola, mas sim é a escola reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito (CALDART, 2003, p. 66).

A luta do MST pela educação da população do campo tem vínculos com questões culturais, com a constituição de uma identidade, com perspectivas para o futuro, com uma dimensão social. Visa desenvolver sujeitos comprometidos com sua própria formação e de serem capazes em combinar o direito à educação com o dever de estudar.

Sob a ótica dos movimentos de luta pela terra, a escola configura-se como um espaço de formação humana. Na análise de Caldart (2003, p. 72), todas as ações do cotidiano escolar estão vinculadas a um projeto que contribui ou não na humanização de pessoas. Para a pesquisadora, nas reflexões dos docentes sobre as opções pedagógicas e sobre o ser humano que pretendem formar, se assumem como “trabalhadores do humano”, e por este motivo, as famílias constituem o processo. Enxerga-se nesta perspectiva, a educação “[...] como uma relação entre sujeitos” que constituem a base do ambiente da escola.

Para Caldart (2003, p. 72), são “as pessoas que fazem as transformações sociais, embora sejam condicionadas pelo formato material das relações sociais em que se inserem, e que não determinam pessoalmente”.

Mediante as determinações legais e a seguinte afirmação de Cavalcante (2010, p. 560), é possível estabelecer proposições ao trabalho dos docentes que atuam nas áreas rurais, o que se objetiva de sua formação e estabelecer analogias sobre as estratégias de ensino propostas às suas usuais. “A compreensão da educação rural que se transforma (em tese), na educação do

campo, é inevitavelmente o resultado de um olhar politicamente referendado, que, na busca

pelos direitos sociais, debruça-se na análise da trilogia educação, sociedade e

desenvolvimento” (grifos do autor).

Ao considerar esta tríade, os preceitos da educação a ser desenvolvida no campo são subjacentes a uma educação a ser compreendida como “ponte de acesso à complexidade da sociedade moderna” (MARTINS, 2004-2005, p.33), pois, “[...] O campo deixou de ser o passado para ser o contemporâneo e sua diferença deixou de ser o atraso para ser o singular e diferente num mundo de diferentes e do direito à diferença [...]”. Ou seja, é preciso reconhecer no espaço do campo, um espaço de desenvolvimento.

Com o referencial de Cavalcante (2010), no que se refere à trilogia, estabeleceu-se os demais aportes teóricos desta pesquisa: a questão da competência como elemento do processo educativo, em destaque para a formação e atuação do professor para atender às demandas sociais de sua profissão, e a Teoria das Representações Sociais, cujo objetivo é compreender alguns aspectos do desenvolvimento da profissão docente.

Tendo em vista a competência como objeto do estudo das representações sociais de professores que atuam em escolas rurais, a considerar a política educacional que rege a Educação do Campo, tornou-se necessário o levantamento de tais documentos legislativos no intento de conhecer as normativas e competências previstas para o professor que atua nas modalidades da Educação Básica do campo.