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CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS: LEITURA E DIFICULDADES DE

4. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DA LEITURA

4.1. P ERTURBAÇÕES ESPECÍFICAS DA LEITURA DISLEXIA

4.1.4. Nível neurocognitivo

4.1.4.1. A teoria visual e magnocelular

Na origem do estudo das dificuldades de leitura em crianças, há aproximadamente um século, muitos investigadores atribuíram a etiologia da dislexia a um défice visual que provocaria uma perceção anómala das letras (Coalla & Vega, 2012). Passados cem anos, continua a existir um interesse contínuo em que o fator etiológico da dislexia seja atribuído a incapacidades existentes nos níveis básicos do sistema visual (Handler & Fierson, 2011). A teoria magnocelular é uma generalização da teoria visual que defende que a disfunção magnocelular não se limita às vias visuais mas que se pode generalizar a todas as modalidades sensoriais, designadamente visual, auditiva e tátil (Ramus, Rosen, et al., 2003; Stein & Walsh, 1997). Esta teoria unificadora surgiu com o intuito de integrar o papel que o processamento fonológico desempenha na dislexia (Ramus, Rosen, et al., 2003), a qual obteve diversas confirmações em estudos experimentais (Breitmeyer, 1983; Lehmkuhle, Garzia, Turner, Hash, & Baro, 1993; Livingstone, Rosen, Drislane, & Galaburda, 1991; Stein, 2001; Stein & Walsh, 1997). Apesar da vasta acumulação de dados a favor da natureza fonológica da dislexia, a crença de que os problemas precetivovisuais são responsáveis pelas dificuldades de leitura em crianças disléxicas é muito forte (Coalla & Vega, 2012).

Ramus et al. (2003) defende que a teoria visual não exclui a existência de um défice fonológico, enfatizando o papel da visão nos problemas de leitura, pelo menos em alguns indivíduos com dislexia. Esta teoria (Livingstone et al., 1991; Stein & Walsh, 1997) reflete deste modo outra tradição constante no estudo da dislexia, postulando a existência de uma incapacidade visual na génese das dificuldades no processamento de letras e palavras (Ramus, Rosen, et al., 2003). De acordo com esta abordagem, na base destas dificuldades poderão estar fixações binoculares instáveis, fraca vergência (Cornelissen, Munro, Fowler, & Stein, 1993; Eden, Stein, Wood, & Wood, 1994; Stein & Fowler, 1993) ou aumento da aglomeração visual (Martelli, Filippo, Spinelli, & Zoccolotti, 2016; Spinelli, De Luca, Judica, & Zoccolotti, 2002).

Do ponto de vista biológico, a etiologia proposta para a disfunção visual baseia-se na divisão do sistema visual em duas vias paralelas distintas, as quais possuem diferentes funções e propriedades: as vias magno e parvocelulares (Breitmeyer, 1983; Ramus, Rosen, et al., 2003). O sistema magnocelular responde a frequências temporais elevadas e a objetos em movimento. Por outro lado, o sistema parvocelular é sensível a frequências temporais baixas e a detalhes espaciais finos (Breitmeyer, 1983). O

46 componente magnocelular do sistema visual é importante para temporalizar eventos visuais e controlar os movimentos oculares durante a leitura (Breitmeyer, 1983; Stein, 2001). Postula-se ainda que o sistema magnocelular suprime o sistema parvocelular durante o tempo de cada sacada (Handler & Fierson, 2011). Esta supressão inibe o sistema parvocelular de forma a evitar que a atividade desencadeada durante uma fixação caia sobre a próxima fixação (Handler & Fierson, 2011). Sem esta inibição, a atividade parvocelular proveniente de diferentes fixações seria confundida, o que resultaria na incapacidade de separar a atividade neuronal gerada durante diferentes fixações (Handler & Fierson, 2011).

A teoria defende ainda que a via magnocelular está seletivamente interrompida em alguns disléxicos, provocando deficiências no processamento visual e, através do córtex posterior parietal, provoca alterações do controlo binocular e da atenção visuoespacial (Hari & Renvall, 2001; Stein & Walsh, 1997). O suporte para a teoria magnocelular provém de estudos anatómicos que revelam alterações das camadas magnocelulares do núcleo geniculado lateral (Livingstone et al., 1991), de estudos psicofísicos que evidenciam diminuição da sensibilidade na amplitude magnocelular (Cornelissen, Richardson, Mason, Fowler, & Stein, 1995) e de estudos de imagiologia cerebral (Eden et al., 1996).

De acordo com esta abordagem, crianças com DD têm uma alteração no componente transitório (magnocelular) do sistema visual especializado no processamento de informação temporal (Facoetti et al., 2003; Facoetti, Lorusso, Cattaneo, Galli, & Molteni, 2005; Facoetti, Paganoni, & Lorusso, 2000; Hari & Renvall, 2001). Durante o processo de leitura, a informação proveniente da retina é elaborada pelo sistema magnocelular (Marzocchi et al., 2009). Posteriormente os dados passam para o Córtex Parietal Posterior (CPP) cuja principal função é controlar a atenção visuoespacial (Marzocchi et al., 2009), particularmente os processos visuoespaciais fundamentais para a leitura fluente: a visão periférica, as fixações e os movimentos oculares (Stein & Walsh, 1997). A teoria magnocelular não exclui o papel que o cerebelo desempenha na leitura uma vez que esta estrutura, recebendo um input massivo de vários sistemas magnocelulares do cérebro, é igualmente afetado pelo defeito magnocelular geral (Stein, 2001).

A literatura corrobora o comprometimento da atenção visuoespacial em crianças com dislexia, suportando a hipótese de que a DD poderá estar associada a uma disfunção atencional (Marzocchi et al., 2009). Alguns autores defendem que as crianças disléxicas poderão manifestar dificuldades em focar e sustentar a atenção (Facoetti, Paganoni,

47 Turatto, Marzola, & G., 2000), em selecionar e inibir os estímulos externos relativos ao foco atencional (Facoetti & Molteni, 2001) e em distribuir os recursos atencionais (Facoetti & Molteni, 2001; Facoetti, Paganoni, & Lorusso, 2000).

A importância da atenção visuoespacial na leitura foi descrita por Facoetti et al. (2006). De acordo com estes autores o processo de leitura envolve 5 propriedades atencionais: 1) dirigir a atenção ao longo da linha de texto em direção a uma área específica do campo visual; 2) movimentos sacádicos para focar a atenção num grafema específico; 3) inibir o processamento de grafemas adjacentes; 4) manter a atenção no mesmo grafema durante o período de tempo necessário para o correto processamento de informação; 5) desprender a atenção de um ponto do texto e movê-la e ancorá-la para a parte seguinte do texto.

Facoetti, Paganoni, & Lorusso (2000) mostraram que um défice no sistema magnocelular não permite às crianças com dislexia focar a atenção no texto e, simultaneamente, inibir os estímulos irrelevantes. Facoetti et al. (2010) demonstraram que as crianças disléxicas apresentam uma distribuição assimétrica dos recursos atencionais em ambos os hemicampos visuais, caraterizada por mini negligência no hemicampo esquerdo. Este défice poder-se-á dever a uma alteração no córtex parietal direito superior, que é a principal região aferente do sistema magnocelular (Marzocchi et al., 2009). Facoetti & Molteni (2001) encontraram um défice na capacidade de inibir informação irrelevante, quando esta se encontra no hemicampo direito. No hemicampo visual direito, as crianças com dislexia não eram influenciadas pela excentricidade do estímulo, mostrando uma excessiva distribuição de recursos atencionais. Esta distração excessiva poderia explicar a antecipação e as inversões de letras observadas em crianças com DD (Marzocchi et al., 2009).

Utilizando outra terminologia, Facoetti et al. (2010) fazem menção à existência de um défice multissensorial da atenção espacial na DD, com um componente visual e auditivo. Para estes autores esta hipótese oferece uma explicação mais plausível do que aquela proposta por Ramus et al. (2003) de apenas um défice no processamento do domínio visual-ortográfico ou auditório-fonológico. O défice multissensorial da atenção espacial terá um efeito prejudicial nos processos de segmentação dos componentes provenientes dos sinais auditivos (discurso) e dos inputs visuais (cadeia de letras) (Facoetti et al., 2010). Estudos computacionais revelaram claramente que a montagem fonológica depende do parsing eficiente em unidades de grafema e fonema (Nickels et al., 2008; Perry et al., 2007).

48 Facoetti et al. (2010) identificaram o envolvimento de áreas cerebrais conhecidas como desempenhando um papel importante na orientação da atenção em estudos neuroimagiológicos de desenvolvimentos típicos e atípicos da leitura. De uma forma geral, é provável que a rede atencional exerça influências modulatórias quer no processamento visual-ortográfico das áreas occipitotemporais, quer no processamento auditivo-fonológico na junção temporoparietal (JTP) esquerda.

Apesar das teorias auditivas e visuais terem sido apresentadas separadamente, os seus apoiantes concordam presentemente que as perturbações visuais e auditivas presentes na dislexia fazem parte de uma disfunção magnocelular mais generalizada (Ramus, Rosen, et al., 2003).