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Funcionamento neuropsicolinguístico de crianças com dislexia

CAPÍTULO II – ESTUDO EXPERIMENTAL: ESTUDOS DE PERFIS

2. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA DOS SUJEITOS

2.4. R ESULTADOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLINGUÍSTICA

2.4.4. Discussão

2.4.4.1. Funcionamento neuropsicolinguístico de crianças com dislexia

acharam-se apenas alterações ao nível da memória de trabalho verbal, designadamente na atenção auditiva e capacidade de retenção a curto-prazo (subteste “memória de dígitos” da WISC-III). As limitações encontradas neste domínio, na ausência de défices ao nível da memória visuoespacial a curto-prazo, são compatíveis com outros estudos

113 que utilizaram medidas iguais ou equivalentes (Bacon et al., 2013; De Clercq- Quaegebeur et al., 2010; Jeffries & Everatt, 2004; Kibby & Cohen, 2008; Lima et al., 2013; Moura et al., 2017). Quase todos os estudos que investigaram a memória verbal de trabalho documentaram reduções da capacidade de armazenamento de material verbal mnésico em crianças com dislexia do desenvolvimento, o que poderá ser causado por mecanismos de armazenamento limitados (Kibby, 2009). Outra causa para esta redução poderá ser a diminuição das capacidades de armazenamento provocadas pela alocação de recursos para tarefas de decifração com recurso a subvocalização, isto é, o uso excessivo de recursos subvocais poderá ser a fonte explicativa da baixa MTV. A memória verbal a curto-prazo é frequentemente considerada um componente do processamento fonológico (Boets et al., 2010), o qual, de acordo com Baddeley (1986, 1990) é um elemento da memória de trabalho. Este componente desempenha um papel importante em diversos parâmetros de leitura, tais como, descodificação, fluência, compreensão e ortografia (Lima et al., 2013; Moura, Simões, et al., 2015; Nevo & Breznitz, 2011).

Relativamente à avaliação específica da atenção, Lima et al. (2013) encontraram resultados inferiores em DD em todos os subtestes da WISC-III que exigem esta capacidade, especificamente em tarefas que envolvem atenção visuoespacial, raciocínio quantitativo, velocidade de processamento e memória verbal a curto-prazo. A este respeito, os nossos resultados suportam apenas a existência de defeitos ao nível da memória de trabalho. A ausência de outros défices cognitivos, designadamente da perceção visual, sugere que as crianças com dislexia exibem um maior defeito em medidas que requerem maiores exigências das capacidades verbais (Moura et al., 2017). Num estudo realizado com crianças disléxicas, no qual se utilizou o teste de

Reversal, que avalia a perceção e a memória visual, concluiu-se que aquelas não

apresentavam dificuldades visuopercetivas quando lhes era pedido que processassem e discriminassem estímulos visuais sem contaminação verbal. Estes dados sugerem que, tanto os disléxicos como os controlos, têm um rendimento idêntico na hora de detetar estímulos visuais diferentes, já que a diferença entre o número de acertos de um e outro grupo não foi estatisticamente significativa (Coalla & Vega, 2012). Numa segunda fase do mesmo estudo mencionado anteriormente, no qual combinaram perceção visual e recuperação fonológica para avaliar a discriminação visual e os processos de acesso ao código alfabético numa tarefa que mede tempos de reação, concluíram que as crianças disléxicas se comportam de forma diferente nesta tarefa quando comparadas com as crianças normativas, sendo que as últimas exibem tempos

114 de reação mais rápidos. No entanto, esta diferença deu-se apenas nas condições em que intervém o código fonológico, sem recurso à via ortográfica. Segundo este resultado, as crianças disléxicas não tiveram problemas em detetar e discriminar figuras grafo-percetivas (letras), manifestando pelo contrário, dificuldades na correspondência grafema-fonema. Para Coalla e Vega (2012) este achado corrobora a teoria que considera que o défice apresentado pelos disléxicos é fonológico, ainda que, de acordo com os mesmos autores, em alguns casos poderia haver algum problema percetivovisual, assim como problemas atencionais, evidência igualmente corroborada pelo presente estudo. Acresce igualmente que os nossos dados são suportados pelos de Ramus, Rosen, et al. (2003), que concluíram que os disléxicos, comparativamente ao grupo de controlo, apresentavam piores resultados em todas as provas fonológicas, identificando a presença de um défice visual em apenas dois participantes com dislexia. Reforçou-se, deste modo, a prevalência de fatores fonológicos na origem da perturbação disléxica.

No seguimento do seu estudo, Coalla e Vega (2012) afirmaram que as provas que medem perceção e discriminação visual não são adequadas para o diagnóstico de problemas de leitura, ao não existir uma relação entre as aptidões visuais e o nível de leitura, ressalvando, no entanto, a possibilidade de encontrar crianças disléxicas com problemas percetivos. De acordo com os autores supramencionados, poder-se-á concluir que não existe uma relação direta entre a perceção-discriminação visual de figuras e o nível de leitura, o que é suportado também pelo nosso estudo através dos resultados obtidos na Figura Complexa de Rey (FCR).

Em termos de rendimento cognitivo, alguns autores concluíram que as crianças com DD registam QI’s verbais, de realização e totais inferiores aos das crianças normoleitoras (De Clercq-Quaegebeur et al., 2010; Lima et al., 2013). Estes achados não foram corroborados pelo presente estudo, suportando os resultados de outras investigações que apontaram no mesmo sentido (ver C. G. W. de Jong et al., 2009; Humphries & Bone, 1993; Kavale & Forness, 1984). Quanto ao Índice de Velocidade de Processamento (IVP) da WISC-III, os subtestes que o compõem são medidas mais objetivas de atenção visual sustida, apesar de requererem capacidade visuomotora, escrutínio visual e resposta grafo-motora rápida e repetitiva (Lima et al., 2013). Os resultados destes últimos autores sugerem que crianças com DD apresentam dificuldades na atenção sustida visuoespacial, à semelhança das crianças com PHDA-I (Shanahan et al., 2006). O presente estudo corrobora apenas a presença de diferenças estatisticamente significativas entre crianças normativas e crianças com PHDA-I ao nível do IVP.

115 Bonifacci & Snowling (2008) apuraram, adicionalmente, que o desempenho das crianças com DD é idêntico ao das crianças com níveis de inteligência na zona limítrofe da normalidade em tarefas de velocidade de processamento.

Quanto ao desempenho linguístico e comparativamente às crianças normativas, as crianças disléxicas exibem maiores dificuldades no âmbito da: 1) extração de informação explícita no texto; 2) fluência e precisão de leitura; 3) consciência fonológica, nos seguintes parâmetros: consciência epilinguística da rima, capacidade de recodificação fonológica e memória de trabalho verbal e, do 4) processamento da palavra escrita (leitura de palavras consistentes). Estes resultados da análise inferencial revelam que a capacidade para discriminar, compreender e manipular os sons das palavras faladas, o acesso rápido à informação fonológica armazenada no léxico mental e a capacidade para codificar informação fonologicamente para o armazenamento temporário na MTV estão significativamente perturbados nas crianças com dislexia, o que é consistente com outros estudos realizados em diferentes ortografias (Boets et al., 2010; Caravolas et al., 2005; Jiménez et al., 2009; Lima et al., 2013; Moura et al., 2017; Moura, Moreno, et al., 2015; Ramus, Rosen, et al., 2003; Ramus et al., 2013; Willburger, Fussenegger, Moll, Wood, & Landerl, 2008). Os nossos dados, assim como aqueles do estudo de Vaessen et al. (2010) corroboraram também que a precisão da consciência fonológica, a velocidade de processamento fonológico, a nomeação rápida e a precisão da associação grafema-fonema são todos atributos que contribuem substancialmente para a fluência da leitura. No entanto, referem que, contrariamente aos nossos resultados, a MTV exerce um contributo modesto ou insignificante.

Para a discussão dos nossos resultados, a conclusão mais importante do estudo de Vaessen et al. (2010) foi a constatação de que a precisão da consciência fonológica, a nomeação rápida e a precisão da associação grafema-fonema são modeladas pelo efeito da escolaridade, cujo efeito é mais evidente para palavras de alta-frequência e menos pronunciada para pseudopalavras. Apesar do efeito da escolaridade não ter sido controlado no nosso estudo, é provável que as crianças que compõem a nossa amostra, todas elas a frequentar o 4.º ano, tenham a via lexical mais desenvolvida que os seus pares em anos anteriores, o que explica os dados de Vaessen et al. (2010).

Adicionalmente, assinalaram que as contribuições da precisão da consciência fonológica e da associação grafema-fonema declinam à medida que a experiência de leitura aumenta, enquanto o contributo da nomeação rápida para a fluência de leitura aumenta de forma semelhante em todas as três ortografias estudadas, designadamente

116 húngaro, holandês e português. Estes resultados sugerem que as contribuições cognitivas para o desenvolvimento da leitura não dependem da profundidade ortográfica porque as três ortografias mencionadas têm níveis de profundidade ou de transparência variáveis entre si, não suportando as reivindicações de que os leitores nas ortografias transparentes utilizam estratégias de leitura cognitivamente diferentes daquelas utilizadas nas ortografias opacas. Os dados do estudo de Vaessen et al. (2010) apontam para que a leitura fluente recrute os mesmos processos cognitivos em diferentes ortografias, mas o padrão de desenvolvimento cognitivo é influenciado pelas caraterísticas ortográficas inerentes a cada língua, tais como a transparência. Nas ortografias opacas é mais difícil discernir o princípio básico da estrutura alfabética de uma ortografia porque as correspondências grafema-fonema são ambíguas e as crianças que aprendem a ler numa ortografia opaca têm provavelmente de desenvolver estratégias de descodificação fonológica mais elaboradas. Consequentemente, poderá levar mais tempo a formar conexões estáveis entre os padrões ortográficos e os códigos fonológicos, por exemplo, passar para uma fase alfabética (Ehri, 1995). A leitura fluente desenvolve-se a um ritmo mais lento nas ortografias opacas (Karin Landerl et al., 1997; Ziegler et al., 2003) o que implica que o processamento fonológico e as capacidades de descodificação estejam envolvidas na aquisição da leitura durante um maior período de tempo. A consciência fonémica é igualmente importante em ambas as ortografias, mas em diferentes fases do desenvolvimento (Share, 2008). O aumento gradual da relação entre a nomeação rápida e a fluência de leitura reflete possivelmente um incremento da eficácia do papel do emparelhamento da informação visual/ortográfica e fonológica na leitura fluente (Berninger, Abbott, Billingsley, & Nagy, 2001; Bowers & Ishaik, 2003; Vaessen, Gerretsen, & Blomert, 2009). A precisão da consciência fonológica contribui mais fortemente nas ortografias opacas, enquanto a velocidade da consciência fonológica parece ser mais importante nas ortografias transparentes. Uma possível explicação para o envolvimento mais forte da velocidade da consciência fonológica nas ortografias transparentes poder-se-á dever ao facto desta somar importância quando certos níveis de leitura são alcançados. Deste modo, é possível que certas capacidades, como a eficiência da descodificação fonológica e a rápida recuperação de informação fonológica, assumam especial importância quando a velocidade de leitura se torna uma caraterística mais saliente da capacidade de leitura. Nas ortografias opacas, esta fase do desenvolvimento da leitura poderá ser alcançada numa fase mais tardia comparativamente às ortografias transparentes, explicando por que razão a velocidade de processamento fonológico na leitura foi, no estudo de Vaessen et al. (2010), mais

117 fraca nos participantes portugueses, principalmente nos primeiros anos de escolaridade. Esta evidência não foi confirmada pelo nosso estudo dado que o recurso à via ortográfica se torna mais proeminente no 4.º ano de escolaridade.

Por último, à semelhança dos estudos realizados por diversos autores (Moura et al., 2017; Moura, Moreno, et al., 2015; Vaessen et al., 2010), neste estudo as crianças com dislexia exibem um defeito grave em todas as medidas de precisão e fluência de leitura e, no processamento fonológico. Todavia, contrariamente aos estudos conduzidos por Moura et al. (2017), Moura, Moreno et al. (2015) e nos quais foram utilizados instrumentos diferentes para avaliação do processamento da palavra escrita, não foram encontradas dificuldades específicas na leitura de pseudopalavras nas crianças disléxicas no nosso estudo, o que poderá ser justificado pela dimensão da nossa amostra e pelo instrumento que selecionamos. Importa referir que Sucena & Castro (2011), autoras do referido instrumento – ALEPE – encontraram diferenças entre controlos e DD na leitura de pseudopalavras no seu estudo normativo com 303 crianças entre o 1.º e 4.º ano escolar.

A DD pode assim ser considerada uma perturbação composta por múltiplos défices em diferentes níveis, de natureza fonológica, os quais afetam diretamente a leitura.

2.4.4.2. Funcionamento neuropsicolinguístico de crianças com PHDA-I