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CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS: LEITURA E DIFICULDADES DE

3. LEITURA E SISTEMA DE ESCRITA

Nas fases iniciais da aprendizagem da leitura de sistemas de escrita alfabéticos, as crianças descodificam frequentemente as palavras através do mapeamento de cada letra no seu som discursivo correspondente (Vaessen et al., 2010). Este processo de descodificação fonológica requer inicialmente muito tempo e esforço (Vaessen et al., 2010), no entanto, para alcançar o elevado grau de automatização que é a caraterística chave da leitura proficiente, palavras e morfemas completos deverão ser ligados diretamente às suas contrapartes fonológicas ou semânticas (Perfetti, 1985). Consequentemente, a maioria dos modelos de desenvolvimento da leitura descrevem uma mudança da descodificação fonológica, caraterizada por ser lenta, para o reconhecimento automático da forma total da palavra (Ehri, 1995; Share, 1995, 1999).

Para além do estudo de Vaessen et al. (2010), muitos outros estudos realizados tendo como base ortografias transparentes identificaram um declínio da influência da consciência fonológica e, inversamente, uma forte influência da nomeação rápida na fluência de leitura (P.F. de Jong & van der Leij, 1999, 2010; Peter F. de Jong & van der Leij, 2002; K. Landerl & Wimmer, 2008; Lervåg, Bråten, & Hulme, 2009; Nikolopoulos, Goulandris, Hulme, & Snowling, 2006). Comparativamente, estudos realizados na língua inglesa identificaram habitualmente uma influência mais forte e duradoura da consciência fonológica (Swanson, Trainin, Necoechea, & Hammill, 2003; Torgesen,

29 Wagner, Rashotte, Burgess, & Hecht, 1997; Wagner, Torgesen, & Rashotte, 1994) e apenas uma influência modesta da nomeação rápida na leitura (Parrila, Kirby, & McQuarrie, 2004; Powell, Stainthorp, Stuart, Garwood, & Quinlan, 2007; Wagner et al., 1994). Esta discrepância entre ortografias opacas e transparentes poderá indicar que a dinâmica cognitiva da leitura varia em função da consistência ortográfica de uma língua (Vaessen et al., 2010). No entanto, Vaessen et al. (2010) realçam que a avaliação do desempenho de leitura em ortografias transparentes é frequentemente baseada em medidas de fluência, enquanto muitos estudos realizados sobre a língua inglesa se focaram na precisão de leitura. Uma vez que a consciência fonológica é geralmente determinada através de medidas de precisão em todos os tipos de ortografias, a influência da consciência fonológica sobre a fluência de leitura nas ortografias transparentes poderá ser atenuada (Vaessen et al., 2010). Similarmente, a influência da nomeação rápida nas ortografias opacas poderá ser subestimada como resultado da utilização de medidas de precisão de leitura (Georgiou, Parrila, Kirby, & Stephenson, 2008; Share, 2008). De acordo com Vaessen et al. (2010), os estudos realizados com base na língua inglesa que incluíram medidas de velocidade de leitura descobriram com frequência uma forte contribuição da nomeação rápida, indicando que as diferenças entre ambas as ortografias poderá ser menos pronunciada do que frequentemente é assumido.

No entanto, de acordo com Vaessen et al. (2010), a consistência ortográfica poderá influenciar a dinâmica cognitiva do desenvolvimento da leitura. Katz & Frost (1992) desenvolveram The orthographic depth hypothesis (ODH) propõe que as desigualdades na profundidade ortográfica causam diferenças de processamento na nomeação e decisão lexical. Postula, subsequentemente, que as ortografias menos profundas ou transparentes estimulam o uso de processos de descodificação fonológica. Por outro lado, as ortografias mais profundas ou opacas encorajam o leitor a processar as palavras impressas através da sua morfologia, isto é, através da sua estrutura visuoortográfica. Comparativamente, as ortografias opacas suportam o reconhecimento das palavras através da sua estrutura visuoortográfica porque a descodificação grafema-fonema leva frequentemente a resultados erróneos (Vaessen et al., 2010). Uma versão mais fraca da ODH (Frost, 2005) propõe a existência de diferenças relativas entre as ortografias transparentes e opacas, mas ambas as versões da hipótese assumem um envolvimento mais forte das estratégias de descodificação fonológica nas ortografias transparentes. Uma interpretação alternativa, denominada por Ziegler & Goswami (2005) de psycholinguistic grain size theory, postula que as crianças em todas

30 as ortografias alfabéticas utilizam estratégias de descodificação fonológica, no entanto, as crianças imersas na aprendizagem de ortografias mais opacas requerem o desenvolvimento de estratégias de descodificação mais flexíveis não só ao nível do grafema-fonema, como também ao nível de unidades maiores como as sílabas, rimas e/ou morfemas. Apesar desta interpretação partilhar muitas caraterísticas em comum com a hipótese ortográfica profunda, as suas previsões relativamente ao papel do processamento fonológico nas ortografias transparentes e opacas difere, uma vez que assume um envolvimento mais forte ou equivalente do processamento fonológico nas ortografias opacas quando comparadas com as ortografias transparentes (Georgiou, Parrila, & Papadopoulos, 2008; Ziegler & Goswami, 2005).

Investigações empíricas sobre o impacto da consistência ortográfica sobre os preditores cognitivos da leitura revelaram resultados muito contrastantes (Vaessen et al., 2010). Alguns desses estudos (Georgiou, Parrila, Kirby, et al., 2008; Mann & Wimmer, 2002) assinalam que na língua inglesa, a consciência fonológica desempenha o papel mais preponderante na fluência e precisão de leitura enquanto nas ortografias transparentes o preditor mais forte da fluência e precisão de leitura será a nomeação rápida. Outras investigações descobriram fortes influências da consciência fonológica sobre o desempenho de leitura tanto nas ortografias transparentes como nas opacas (Caravolas, Volín, & Hulme, 2005; Patel, Snowling, & de Jong, 2004; Ziegler et al., 2010). Ziegler et al. (2010) num estudo que integra o português, por exemplo, demonstraram que a consciência fonológica era um preditor importante da precisão e velocidade de leitura em todas as ortografias, apesar da preponderância da contribuição da consciência fonológica para o desempenho de leitura sistematicamente variar com o grau de entropia, isto é, o papel da consciência fonológica era relativamente mais forte em ortografias mais opacas.

Os resultados apresentados no estudo de Vaessen et al. (2010) indicam que o desenvolvimento cognitivo da leitura fluente de palavras segue um padrão similar nas ortografias que variam de acordo com a consistência do seu mapeamento grafema- fonema. Nas três ortografias incluídas, português, húngaro e holandês, o peso das contribuições da consciência fonológica, processamento grafema-fonema e nomeação rápida mudava em função do grau de experiência de leitura e tipo e frequência de palavras, sendo que a consistência ortográfica não modulava este efeito geral (Vaessen et al., 2010). No entanto, as contribuições da consciência fonológica e do processamento grafema-fonema eram importantes durante um longo período de tempo nas ortografias opacas, sugerindo que a consistência ortográfica influencia o ritmo com

31 que o sistema de leitura se desenvolve (Vaessen et al., 2010). Devido à natureza ambígua das correspondências grafema-fonema nas ortografias opacas, as crianças imersas nestas línguas terão de desenvolver estratégias de descodificação mais elaboradas e consequentemente as capacidades fonológicas permanecerão importantes por um longo período de tempo (Vaessen et al., 2010). No entanto, os resultados de Vaessen et al. (2010) indicam fortemente que os mesmos componentes cognitivos estão subjacentes no desenvolvimento das capacidades fluentes de leitura nas ortografias opacas e transparentes.

O desenho de investigação ideal para estudar a dislexia de desenvolvimento (DD) seria facultar às crianças disléxicas que estão a aprender a ler em diferentes línguas os mesmos testes de leitura, com material linguístico comparável. É, também, importante acautelar que os participantes sejam agrupados por idade cronológica, nível de desenvolvimento de vocabulário e aptidões intelectuais gerais. Infelizmente, apenas alguns estudos reúnem estes critérios estritos (ver Landerl, Wimmer, & Frith, 1997; Paulesu, 2001) e todavia produzem resultados ligeiramente contraditórios. Os estudos de neuroimagem sugerem uma base universal para a dislexia (Paulesu, 2001). Por outro lado, os estudos comportamentais sugerem que a natureza e a prevalência da dislexia poderá divergir entre ortografias (Karin Landerl et al., 1997).