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A titularidade de criação realizada por empregado ou prestador de serviços

No documento A titularidade sobre os bens imateriais (páginas 40-45)

2 A TITULARIDADE SOBRE BENS PROTEGIDOS POR DIREITOS AUTORAIS

2.1 O S DIREITOS AUTORAIS : OS DIREITOS DE AUTOR

2.1.3 A titularidade de direitos sobre as obras literárias, artísticas e científicas de autoria

2.1.3.3 A titularidade de criação realizada por empregado ou prestador de serviços

As obras criadas em decorrência de contrato de trabalho ou de prestação de serviços podem assumir distintas denominações, tais como obras por encomenda e obras por encargo. Esse tipo de obra é muito freqüente, podendo-se extrair exemplos das obras realizadas no campo do periodismo, arquitetura, publicidade, artes aplicadas, dentre outras136.

No ordenamento internacional, tanto o Acordo TRIPS como a Convenção de Berna não estipulam regras para tratar de situações como essa. Nesse sentido, fica a critério dos legisladores nacionais regularem essa matéria137.

Em países que adotam o regime do copyright, no caso de obras realizadas por encomenda (works made for hire), o empregador ou outra pessoa para quem a obra seja realizada é tratado como “autor”, para os efeitos da titularidade (originária) de direitos de autor, salvo convenção expressa ao contrário138.

Em muitos países, no tocante aos direitos de autor, as legislações nacionais são menos favoráveis ao empregador (principalmente se comparadas com as normas relativas às patentes, por exemplo), atribuindo em comum os direitos autorais ao empregador e

134 Sobre a cessão de obras futuras, art. 51, Lei nº 9.610/1998. Sobre a cessão de direito conexos de artistas

interpretes e executantes Lei 6.533/1978, art. 13. (BRASIL. Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978. Dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.senado.gov.br> Acesso em: 10 nov. 2007).

135 Sobre a titularidade derivada Ver VILLALBA, LIPSZYC, 2001, p. 57; LIPSZYC, 1993, p. 125;

ANTEQUERA PARILLI, 2007, 38 e ss.

136 Essas situações supõem que o autor em troca de remuneração cria as obras à medida que o empregador ou

tomador de serviço as solicita (LIPSZYC, 1993, p. 146), ou em razão das atividades pelas quais foi contratado.

137 Considerando as distintas concepções jurídicas, o Projeto de disposições-tipo da OMPI para leis em matéria

de direito de autor (documento OMPI CE/MPC/II 2-1 de 11 de agosto de 1989), em seu art. 37 apresentou duas variantes: a variante A (prevista para países de tradição jurídica latina) que atribui originariamente os direitos patrimoniais ao autor; e a variante B (prevista para países de tradição jurídica anglo-americana) que atribui os direitos patrimoniais originários ao empregador (LIPSZYC, 1993, p. 147).

138 Cf. 17 US Code, § 201 (b) Works Made for Hire (UNITED STATES. United States Code. Disponível em:

empregado, como um modo de reconhecimento da iniciativa pessoal deste139. Esse era o caso

do Brasil antes de 1998, no regime do Código Civil140, de 1916, e da Lei nº 5.988, de 1973.

Em outros países, principalmente nos de tradição jurídica latina, por força da regra da autoria, em que o autor é a pessoa natural que cria a obra, impede-se que a titularidade originária do direito de autor possa ser atribuída ao empregador ou tomador de serviços141.

Assim, ainda que se permita estipulação em contrário, produzindo a transferência imediata em favor do empregador, ela fica restrita aos limites legais, seja em relação a prazo, condições ou direitos que podem ser transferidos.

No Brasil, em relação à obra intelectual produzida em cumprimento de dever funcional, de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, a legislação vigente anterior a 1998 previa que os direitos patrimoniais de autor pertenciam em comum a ambos, empregado e empregador (ou prestador e tomador de serviços), salvo convenção em contrário142.

A Lei nº 9.610, de 1998, suprimiu este dispositivo do seu texto, modificando, assim, a modo de regular a matéria. Segundo Barbosa, a titularidade dessas obras passa a ser regulada pelas regras aplicáveis às obras coletivas: “à luz de tais regras, a organização de obra coletiva, num contexto de relação estatutária, atribui à titularidade dos efeitos econômicos da criação estética ao empregador, independentemente de contrato”.143

Na prática, a questão da titularidade das obras coletivas realizadas em cumprimento de contrato de trabalho ou prestação de serviços foi objeto de análise pelo Superior tribunal de Justiça brasileiro, conforme se analisa em um julgado de 1994. A interpretação desse Tribunal, fundada na legislação autoral de 1973, na análise da titularidade da obra, deteve-se a enfocar a relação contratual de trabalho no âmbito da qual foi criada a obra, atribuindo, assim, a titularidade em comum aos empregados e empregador sobre a obra. As regras relativas à obra coletiva foram absorvidas pelas regras da relação de trabalho, de maneira que a

139 CORREA, Carlos María. Temas de Propiedad Intelectual. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires:

Centro de Estudios Avanzados, 1997, p. 91.

140 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em:

<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 8 nov. 2007.

141 LIPSZYC, 1993 p. 146-147. A legislação argentina não prevê disposição genérica sobre a transmissão da

titularidade das obras intelectuais como conseqüência da relação laboral, como faz em relação às invenções (VILLALBA, LIPSZYC, 2001, p. 62-63).

142 Código Civil de 1916 e Lei nº 5.988/1973, art. 36. Ainda: “Art. 36 [..] § 1º O autor terá direito de reunir em

livro, ou em suas obras completas, a obra encomendada, após um ano da primeira publicação. § 2º O autor recobrará os direitos patrimoniais sobre a obra encomendada, se esta não for publicada dentro de um ano após a entrega dos originais, recebidos sem ressalvas por quem a encomendou”.

143 BARBOSA, 1999. De forma similar, a doutrina francesa declara que o contrato de trabalho não importa

jamais em cessão implícita dos direitos de autor sobre a obra ao empregador, exceto se for demonstrado que a obra do empregado se constitui em uma obra coletiva (POLLAUD-DULIAN, 2005 p. 197). Ver mais detalhes neste trabalho no item que trata das obras coletivas.

possibilidade de se operar a titularidade exclusivamente ao empregador, organizador de obra coletiva144, devido à obra se caracterizar como coletiva, não foi considerada.

Com a Lei nº 9.610, de 1998, uma situação como essa seria analisada de maneira distinta, ou seja, seriam aplicadas as regras da titularidade sobre obra coletiva, ainda que realizada no âmbito de uma relação de trabalho ou de prestação de serviços145.

Outras situações que merecem ser observadas são as que se referem às obras encomendadas e às obras subvencionadas pela União e pelos Estados, Municípios e Distrito Federal146. Quanto ao contrato de encomenda de obra literária, científica ou artística, este se

caracteriza pela obrigação de fazer a obra e, destarte, a entrega da obra materializada. Esse tipo de relação envolve a transferência da obra, como bem material, por exemplo, de um manuscrito. Os direitos de autor sobre a obra, bem imaterial, se não houver disposição expressa, não se transfere147.

Contudo, particularmente no caso de obras encomendadas por meio de contrato de prestação de serviços pelas entidades públicas, há incidência da lei de contratos da Administração pública, Lei nº 8.666, de 1993. Nos termos desta lei, as entidades da administração pública somente podem contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado, desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos, para que a entidade possa utilizar a obra de acordo com o previsto no regulamento de concurso (licitação) ou no ajuste para sua elaboração148. Anota-se que o termo ceder não implica a

transferência total e definitiva dos direitos de autor sobre a obra encomendada.

144 Nesse sentido a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Ementa: Civil e processual civil. Fundação.

Intervenção do Ministério Publico. Direito autoral. Co-propriedade do empregado com o empregador. Obra produzida durante a relação de trabalho e por diversas pessoas. [...] A obra produzida em cumprimento a dever funcional ou durante a vigência da relação de trabalho pertence, em co-propriedade, ao empregado e ao empregador, persistindo mesmo apos a extinção da relação laboral. Recurso provido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 7757 SP (1991/0001452-4). Recorrente: Fundação Padre Anchieta Centro Paulista de Rádio e TV Educativa. Recorrido: Zilda Marina de Oliveira Valle. 1ª Turma. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Julgamento em 16.11.1994. Publicação: DJ 12.12.1994 p. 34320; LEXSTJ vol. 70 p. 90; RT vol. 721 p. 275). Ver ainda: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 7757 SP (1991/0001452-4). Recorrente: Fundação Padre Anchieta Centro Paulista de Rádio e TV Educativa. Recorrido: Zilda Marina de Oliveira Valle. Primeira Turma. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. Julgamento em 07.06.1995. Publicação: DJ 11.09.1995 p. 28788; RDA vol. 201 p. 256; RT vol. 726 p. 179)

145 Neste caso, a titularidade dos direitos patrimoniais seria do organizador da obra, empregador ou tomador de

serviços, resguardando-se os direitos morais aos empregados que participaram da criação da obra (cf. Art. 17, Lei nº 9.610/1998). A titularidade desse tipo de obra será tratada posteriormente.

146 Art. 661, II, e 662, do revogado Código Civil, de 1916; Art. 46, Lei nº 5.988/1973. 147 MIRANDA, 1983, t. 16, p. 82 e ss.

148 Art. 111, Lei nº 8.666/1993 (BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso

XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 10 set. 2007)

Particularmente, a legislação autoral não dispõe expressamente sobre a titularidade em relação às obras por encomenda, porém limita a cessão de direitos sobre obras futuras149.

Com isso, entende-se que, de acordo com a situação, às obras por encomenda podem ser aplicadas as regras relativas às obras coletivas, quando as obras cumpram com os requisitos para tal, ou as regras de cessão de direitos sobre obras futuras150.

No tocante às obras subvencionadas, a elas não se aplica o mesmo tratamento que as obras por encomenda. A legislação estabelece que não são de titularidade da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios as obras por eles simplesmente subvencionadas151.

Com relação às obras criadas no âmbito das instituições de ciência e tecnologia da Administração Pública, a Lei de incentivo à inovação, Lei nº 10.973, de 2004, determina certas normas de atribuição de titularidade de direitos de propriedade intelectual, entretanto, não inclui em seu escopo as obras protegidas por direitos autorais152. Assim, nesse caso, bem

como nos demais em que não há estipulação legal expressa regulando a titularidade das obras realizadas em cumprimento de dever funcional, de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, e por força da regra da autoria, a titularidade da obra é do autor153.

No entanto, pode-se estipular em favor do empregador ou prestador de serviços a transferência dos direitos patrimoniais sobre a obra na ocasião da sua criação, porém, ela fica

149 Segundo o Art. 51, da Lei nº 9.610/1998, “a cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no

máximo, o período de cinco anos”.

150 Art. 17 ou art. 51, respectivamente, da Lei nº 9.610/1998.

151 Art. 6º, Lei nº 9.610/1998. Nesse sentido, essas entidades também não se responsabilizam pela obra, bem

como por eventuais danos que ela possa causar a terceiros, conforme manifesta a decisão do Tribunal Regional Federal da Segunda Região: “Ementa: Administrativo. Propriedade intelectual. Responsabilidade civil do Estado. Patrocínio de livro. Alegação de autoria de texto indevidamente omitida. Omissão estatal. Inexistência. Honorários. CPC, ART. 20, §4º”. “I – Não se cogitando de faute du service, não pode a entidade pública que se dispõe a financiar cultura, patrocinando edição de livro contendo roteiros de cineasta brasileiro renomado no plano internacional, ser responsabilizada por danos materiais e morais ditos sofridos por quem não foi indicado, na obra, como autor de argumento utilizado como base de um dos textos cinematográficos publicados [...]”. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Apelação Cível nº 198851010053628 RJ. Acordão nº 401314. Quinta Turma Especial. Relator Juiz Mauro Luis Rocha Lopes Rio de Janeiro, 5/9/2007. Doc. TRF200170463. DJU, 18.09.2007, p. 232. Disponível em: <www.trf2.gov.br>. Acesso em: 15 jan. 2008).

152 Esta norma define: “criação: invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, programa de computador,

topografia de circuito integrado, nova cultivar ou cultivar essencialmente derivada e qualquer outro desenvolvimento tecnológico que acarrete ou possa acarretar o surgimento de novo produto, processo ou aperfeiçoamento incremental, obtida por um ou mais criadores” (Art. 1º, II, Lei nº 10.973/2004 (BRASIL. Lei nº 10.973 de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2007).

153 LIPSZYC, 1993, p. 146-147. Nesse sentido, a legislação argentina não prevê disposição genérica sobre a

transmissão da titularidade das obras intelectuais como conseqüência da relação laboral, como faz em relação às invenções (VILLALBA, LIPSZYC, 2001, p. 62-63).

restrita aos limites previstos na legislação autoral, como, por exemplo, ao prazo estipulado de cessão de obras futuras154.

Em relação à legislação aplicável, cumpre observar que se aplicam as normas e os princípios previstos na legislação trabalhista, para os contratos de trabalho, e na legislação civil e administrativa, para os contratos prestação de serviços, porém, sempre que elas não contrariarem as disposições e princípios estabelecidos na legislação autoral brasileira155.

2.1.3.4 A transferência da obra literária, científica ou artística

No que se refere à transferência de obras literárias, científicas ou artísticas, importa esclarecer que com a aquisição de uma obra (por exemplo, um livro ou uma tela), ao adquirente transfere-se a coisa, não transferindo, em regra, quaisquer direitos de autor a ela inerentes (bem imaterial), salvo convenção expressa em contrário ou estipulação expressa em lei156.

Os direitos sobre a obra adquirida, por exemplo, a tela, não se confunde com os direitos sobre a obra intelectual (bem imaterial), ambos são distintos e inconfundíveis. Enquanto aquele tem por objeto a tela, esse tem por objeto a criação artística expressada na tela.

Particularmente em relação à obra de arte plástica, a lei determina expressamente que ao alienar o objeto em que ela se materializa, o autor transmite ao adquirente o direito de expô-la, salvo convenção em contrário. Contudo, assinala-se que os demais direitos não lhe são transferidos, devendo ser respeitados pelo adquirente da obra157.

154 “Art. 51. A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos

(Lei nº 9.610/1998)

155 Ver sobre o tema VILLALBA, LIPSZYC, 2001 p. 60.

156 Lei 9610/1998 Art. 37. Sobre o tema, ver MIRANDA, 1983, t. 16, p.28 e ss, e p. 66. Assegura-se ao autor o

direito de seqüência nos termos do artigo Art. 38, da Lei nº 9.610/1998.

157 Art. 77 e 78, Lei nº 9.610/1998. “Ementa: Civil. Responsabilidade civil. Direitos autorais. Retirada de

esculturas confeccionadas sob encomenda para adornar agências bancárias. Violação da integridade física das obras. Ausência de prévia autorização do artista. Violação do direito moral do autor. Dano. Indenização. [...] A propriedade intelectual não se transfere, de modo que a aquisição de original não confere ao adquirente os direitos patrimoniais de utilizar, fruir e dispor da obra, sem a prévia autorização do autor, nos moldes dos arts. 24, IV, 28 e 29, VIII e X, da Lei nº 9.610/98. A retirada das obras escultóricas, especialmente criadas para compor o projeto arquitetônico das agências bancárias da CEF, em São Leopoldo e Porto Alegre/RS, sem a prévia comunicação do artista, bem como a destruição de uma das esculturas, quando da sua retirada do espaço original, sem o seu prévio conhecimento, configuram a violação de direito moral do autor, implicando o ressarcimento pelos danos causados” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Apelação Civel nº 199971000291870 RS. Quarta Turma. Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior. Porto Alegre, 26.6.2001. Doc. TRF400081165 Publicação: DJU, 25.07.2001, p. 407. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br>. Acesso em: 15 jan. 2008).

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