• Nenhum resultado encontrado

A titularidade do programa de computador criado por empregado ou prestador

No documento A titularidade sobre os bens imateriais (páginas 88-93)

2 A TITULARIDADE SOBRE BENS PROTEGIDOS POR DIREITOS AUTORAIS

2.3 O DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DE PROGRAMA DE COMPUTADOR

2.3.2 O modo de aquisição de direitos

2.3.2.5 A titularidade do programa de computador criado por empregado ou prestador

A titularidade de programa de computador criado no marco de contrato de trabalho, de prestação de serviços ou vínculo estatutário é prevista expressamente na Lei nº 9.609, de 1998, não havendo, contudo, qualquer disposição a esse respeito na lei de direitos autorais.A lei de programa de computador estabelece um regime próprio de atribuição da titularidade em seu art. 4º, aplicando-se ademais as disposições previstas na lei de incentivo à inovação, Lei nº 10.973/2004.

Em termos gerais, fala-se aqui do empregado, no entanto, as mesmas regras são aplicadas ao prestador de serviço, trabalhador autônomo ou estagiário e à empresa contratante. Com relação à criação (programa de computador) ocorrida durante contrato de trabalho, pode ela se caracterizar como “criação de serviço”, “criação livre” ou “criação comum”. Essa terminologia não é utilizada pela lei, mas pela doutrina que trata dessa matéria (principalmente em patentes), a qual não utiliza de maneira uniforme.

As “criações livres” são aquelas ocorridas durante o contrato de trabalho, mas que não decorrem deste contrato, nem do uso de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador. Nessa hipótese, a titularidade dos direitos sobre o bem é atribuída exclusivamente ao empregado408.

No caso das criações decorrentes do contrato de trabalho, elas se caracterizam como “criações de serviço”. A legislação estipula que a titularidade dos direitos patrimoniais sobre a

406 Art. 2º, Lei n. 9.609/1998 c/c cf. Art. 17, § 3º, e Art. 88, I a IV, Lei nº 9.610/1998.

407 Art. 2º, Lei n. 9.609/1998 c/c Art. 2º, § 1º, Lei nº 9.609/1998; Art. 17, § 1º, Lei nº 9.610/1998. 408 Art. 4º, § 2º, Lei n. 9.609/1998.

criação é do empregador (contratante) nos casos em que: ela decorrer de contrato de trabalho ou prestação de serviços que tenha por objeto a pesquisa e desenvolvimento ou a atividade inventiva; ou quando ela resultar da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado409.

No caso de criação de serviço, a retribuição do empregado pela criação limita-se à remuneração ou ao salário convencionado, salvo ajuste em contrário410. Porém, no tocante aos

pesquisadores-autores de criações decorrentes de contrato com instituições científicas e tecnológicas da Administração Pública há regras específicas regulando a matéria. A instituição a quem será conferida, pela ordem jurídica, a titularidade dos direitos de propriedade intelectual sobre a criação deverá assegurar ao autor uma participação, mínima de cinco por cento e máxima de um terço, nos ganhos econômicos auferidos pela entidade. Esses ganhos podem resultar de contratos de transferência de tecnologia ou de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração da criação protegida411.

Assinala-se que em relação às “criações de serviço”, a legislação admite que as partes, contratante e contratado, convencionem de forma distinta, seja no tocante à titularidade, ao exercício de direitos e/ou à remuneração. Assim, exemplificativamente, pode o empregador:

ƒ Garantir ao empregado uma remuneração adicional, além da remuneração ou do salário convencionado;

ƒ Assegurar ao empregado contratado o exercício de direitos patrimoniais (e.g. por meio de licença), que pode se limitar a algumas das modalidades de exercício, como o uso ou exploração do programa de computador, invenção ou modelo de utilidade;

ƒ Estipular uma quota ideal do direito, constituindo-se um regime de co-titularidade entre empregado e empregador; ou

ƒ Ceder seu direito sobre a criação412.

409 Art. 4°, caput, Lei nº 9.609/1998. Observa-se, em relação às invenções e modelos de utilidade, que esses

contratos geram efeitos para além do prazo que eles são terminados. Consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou o modelo de utilidade cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a extinção do vínculo empregatício, ressalvada prova em contrário (Art. 88, § 2°, Lei nº 9.279/1996). No que se refere aos programas de computador não há disposição nesse sentido, de forma que dependerá de disposição contratual expressa em contrato.

410 Art. 4º, § 1º, Lei nº 9.609/1998. 411 Art. 13, Lei nº 10.973/2004. 412 Ver art. 11, Lei nº 10.973/2004.

No que se refere aos direitos morais, asseguram-se ao autor do programa de computador o direito de reivindicar a autoria e o de ser nomeado e qualificado, podendo requerer a não divulgação de sua nomeação413. Esses direitos pertencem ao autor (empregado

contratado), na medida da sua participação na criação intelectual. Esses direitos são irrenunciáveis e inalienáveis, não se transferindo ao empregador, sendo nula qualquer cláusula contratual em que o empregado renuncie ou ceda esses direitos414.

Quanto às “criações comuns”, Ainda que não haja previsão expressa em lei regulando essa situação, no tocante aos programas de computador, entende-se pela leitura do art. 4º e seus parágrafos que é possível à aplicação das regras previstas em relação às patentes, por analogia. Essas criações se referem àquelas que resultam da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, informações, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, ressalvada expressa disposição contratual em contrário. Os direitos sobre essas criações pertencerão em comum, em partes iguais, ao empregado e empregador, constituindo uma situação de co-titularidade (e não de co-autoria entre empregado e empregador)415. Ainda que se caracterize a co-titularidade, a lei assegura ao empregador o

exercício do direito exclusivo de licença de exploração, garantindo ao empregado justa remuneração416.

A situação é diferenciada em relação aos empregados, autores de criações, de órgãos ou entidades da Administração Pública. A eles se garante a remuneração na forma e condições previstas no estatuto ou regimento interno da entidade, a qual deve prever, na forma de premiação, a remuneração ao autor de invento, uma parcela do valor das vantagens auferidas com o pedido ou com a patente, a título de incentivo417.

Ainda, quanto aos programas de computador realizados no âmbito das instituições científicas e tecnológicas da Administração Pública, do mesmo modo que em relação às criações de serviço, ao autor garante-se a participação mínima de cinco por cento e máxima de um terço nos ganhos econômicos auferidos pela instituição. Esses ganhos econômicos referem-se a “toda forma de royalties, remuneração ou quaisquer benefícios financeiros resultantes da exploração direta ou por terceiros, deduzidas as despesas, encargos e obrigações legais decorrentes da proteção da propriedade intelectual”, resultantes de contratos

413 Art. 2º, § 1º, Lei nº 9.609/1998. 414 Art. 24 e 27, Lei nº 9.610/1998. 415 Art. 91, Lei nº 9.279/1998. 416 Art. 91, § 2°, Lei nº 9.279/1998. 417 Art. 93, p.u. e art. 88, Lei n. 9.279/1996.

de transferência de tecnologia ou de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração do invento418.

Assim, a partir dessa análise os programas de computador criados durante contrato de trabalho, conforme o caso, elas se caracterizam como “criações de serviço”, “criações livre” ou “criações comuns”, correspondendo à titularidade ao empregador, ao empregado ou em comum ao empregado e empregador, respectivamente. Ainda que haja um tratamento diferenciado na lei em relação aos empregados de entidades da administração pública no tocante à remuneração, as regras de atribuição da titularidade se aplicam igualmente, salvo estipulação em contrário.

Cumpre observar, ainda, que, conforme a relação que o empregador ou prestador de serviços tiver com terceiras pessoas, pode ocorrer de a titularidade ser transmitida sucessivamente a outras pessoas. A situação torna-se mais complexa quando passa a envolver pessoas jurídicas de direito público.

2.3.2.6 A titularidade do cessionário

A transferência do programa de computador por cessão é expressamente admitida por lei, de modo que o cessionário adquire a titularidade sobre ele. Cumpre recordar que a transferência do programa de computador (bem material), não implica a transferência dos direitos de propriedade intelectual sobre ele (bem imaterial).

Somente o titular pode ceder os seus direitos, seja por meio de representante ou diretamente. Em relação à cessão dos direitos patrimoniais sobre programa de computador, aplicam-se às mesmas regras previstas em relação às obras literárias, previstas na lei de direitos autorais, conforme analisado anteriormente419.

Nesse caso, para se operar a transferência da titularidade por cessão, deve ser feito o registro junto ao INPI, para que produzam efeitos em relação a terceiros420. Para se realizar esse registro, é obrigatória a entrega, por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, a documentação completa, principalmente o código-fonte comentado, o memorial descritivo, as

418 Art. 13 e § 2º, Lei nº 10.973/2004; Art. 93, p.u, Lei nº 9.279/1996. 419 Art. 50, da Lei nº 9.610/1998; Art. 3º, Lei nº 9.609/1998.

especificações funcionais internas, os diagramas, os fluxogramas, assim como os demais dados técnicos necessários para a transferência da tecnologia421.

Cumpre recordar que a cessão não se confunde com a licença. Enquanto a cessão transfere o direito, a licença, seja exclusiva ou não, não implica na transferência da titularidade.

2.3.2.7 O licenciado e a titularidade

Em relação ao programa de computador, este pode ser objeto de licença de uso e/ou de exploração. Quaisquer desses atos não ensejam a transferência da titularidade ao licenciado. Quanto à licença ou autorização de uso conferida aos usuários de programa de computador422,

ela não tem como efeito a transferência dos direitos de propriedade intelectual, somente se confere o exercício de uso do programa nos termos do contrato. No caso de não haver contrato escrito, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia do programa servirá para comprovação da regularidade do seu uso423.

No que se refere à licença de exploração programa de computador, por meio dela se confere o direito de comercializar o programa, e não a sua titularidade424. Nesses tipos de licenciamento, quando de origem externa, deve-se fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, quem tem a responsabilidade pelos respectivos pagamentos e estabelecer a remuneração do titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior425. São nulas as cláusulas que restrinjam a produção, a distribuição ou a comercialização, em violação às disposições legais em vigor. Do mesmo modo, são nulas as

421 Art. 11, p.u., Lei nº 9.609/1998

422 “Art. 7º O contrato de licença de uso de programa de computador, o documento fiscal correspondente, os

suportes físicos do programa ou as respectivas embalagens deverão consignar, de forma facilmente legível pelo usuário, o prazo de validade técnica da versão comercializada” (Lei nº 9.609/1998).

423 Art. 9º, Lei nº 9.609/1998.

424 “Art. 8º Aquele que comercializar programa de computador, quer seja titular dos direitos do programa, quer

seja titular dos direitos de comercialização, fica obrigado, no território nacional, durante o prazo de validade técnica da respectiva versão, a assegurar aos respectivos usuários a prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do programa, consideradas as suas especificações. Parágrafo único. A obrigação persistirá no caso de retirada de circulação comercial do programa de computador durante o prazo de validade, salvo justa indenização de eventuais prejuízos causados a terceiros” (Lei nº 9.609/1998).

425 Art. 10, Lei nº 9.609/1998. Observa-se que “serão nulas as cláusulas que: I - limitem a produção, a

distribuição ou a comercialização, em violação às disposições normativas em vigor; II - eximam qualquer dos contratantes das responsabilidades por eventuais ações de terceiros, decorrentes de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor (Art. 10, § 1º, Lei nº 9.609/1998).

disposições que exima qualquer dos contratantes das suas responsabilidades por eventuais ações de terceiros, em decorrência de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor426.

No documento A titularidade sobre os bens imateriais (páginas 88-93)