• Nenhum resultado encontrado

A tomada da freguesia do Brás: do largo do Brás à rua da Concórdia

IV. A descrição no processo de formação de designativos

IV.4. A Descrição do ambiente e a ampliação de referenciais

IV.4.2. A tomada da freguesia do Brás: do largo do Brás à rua da Concórdia

Os aglomerados tinham suas ruas de comércio local denominadas pela atividade desenvolvida. As ruas da Quitanda, das Casinhas e a do Comércio, sendo este último a que se firmou com a verdadeira rua comercial da região central, representavam o espaço destinado à compra e à venda no núcleo. A primeira (atual rua Álvares Penteado) era onde as negras vendiam legumes e miudezas (Dick: 1996, 236-9).

A rua das Casinhas, inicialmente sete, número posteriormente aumentado, era o designativo de logradouro com pequenas lojas de variedades, demolidas em 1873. Estas faziam contraponto com as casinhas da ladeira do Carmo, local conhecido como Barracão. Ainda no núcleo, houve também o Mercado de São João ou Mercadinho, entre 1890 e 1914 (Dick: 1996, 236-9)124.

124

Estes mercados, contudo, não eram suficientes para o atendimento da população. A construção de um mercado de verduras, por exemplo, é reclamada pela população por mais de 30 anos. Cogitou-se construí-lo em diversos pontos da cidade, mas os camaristas sempre alegam falta de fundos para a sua efetivação. Ver, especialmente, ACSP, XLVI, 85-6; LIX, 47 e 188; LX, 27-8; LXV, 136-7; LXVII, 45; LXX, 33, 82, 149, 186; LXXII, 39, 100, 177, 254; LXXIV, 9 e 13.

Na rua do Comércio da Luz (atual avenida Tiradentes), concentrava-se o comércio da região a norte do núcleo. Tratava-se da parte mais larga do antigo caminho do Guaré, entre o Jardim Público (atual Jardim da Luz) e a Igreja da Luz, tanto que os camaristas indicavam-no também como largo do Commercio da Lús (ACSP, LVIII, 154).

Na freguesia do Brás, conforme visto anteriormente, havia no Marco da Meia Légua um mercado (ACSP, LVI, 166). No Brás, lê-se, na Carta de Frederico H. Gonçalves, de 1837, Largo do Commércio do Braz, para o espaço diante da igreja do Bom Jesus. Na década de 1860, não há mais registros deste largo. O espaço destinado ao comércio é denominado Largo do Brás e encontrava-se não mais diante da igreja, mas um pouco além, à esquerda da estrada da Penha.

Esta alteração gera estranhamento, especialmente porque, nas freguesias, ainda mais no Brás, cuja função principal era a de parada rumo à Penha, esperava-se que o largo da igreja se mantivesse como local em destaque. A explicação para a transferência encontra-se no princípio da ocupação do planalto e, posteriormente, na distribuição de datas de terras.

A única ponte existente entre o núcleo e a freguesia do Brás era a da Tabatinguera, no começo da rua da Mooca. Com a construção da capela de Nossa Senhora da Penha, os romeiros seguiam pela rua da Mooca e, na altura da igreja do Brás, tomavam um atalho perpendicular ao primeiro logradouro (traçado aproximado da atual rua Piratininga), até atingir a estrada da Penha.

A primeira orada de José Brás certamente tinha função de oratório público. A escolha de novo local para a construção da capela, em 1800, não foi aleatória; marcava o trecho inicial da estrada da Penha, já que se iniciaram as obras da ponte de pedra do Carmo apenas em 1805, concluídas três anos depois (Campos: 2006, 30). Nota-se, portanto, que a construção da orada ao Senhor Bom Jesus atendia antes à necessidade de uma primeira parada durante as peregrinações do que aos moradores do entorno.

A oferta sem planejamento de datas de terra ao redor da igreja fez com que, ao ser aberto o trecho da rua na várzea do Carmo, o espaço restante se tornasse insuficiente. O único local disponível, segundo Torres (1969, 95), era junto à chácara do doutor Inácio José de Araújo, o qual se tornou a parada de romeiros e ponto comercial da freguesia.

Nos Registros de Terras, verifica-se que o terreno anexado à igreja era de propriedade do monsenhor Andrade (RTs 58B e 146). Nenhuma referência se faz, contudo, a existência do espaço que, dez anos depois, tornar-se-ia o largo do Brás. Duas são as propriedades declaradas por Inácio José de Araújo: a primeira, à direita da estrada da Penha, já que pelos fundos com a várzea devoluta que olha para o caminho da Moóca, era um terreno todo valado e cercado de espinhos, concedido por carta de data, na Ponte Preta (RT 130).

A segunda propriedade era um terreno todo circulado: em parte de valos e espinhos e em parte de taipas, ao lado esquerdo da estrada da Penha, já que se limita com os terrenos do major Mateus Fernandes Cantinho e José Pereira Mendes e com uma rua que vai dar nos valos do terreno pertencente aos herdeiros de dona Ana Vicência (RT 141). Ana Vicência era a mãe do Barão de Iguape, o qual declarou possuir uma chácara na Igreja do Brás, da ponte preta até um beco comprido que acompanhando este a direção do Pari (RT 47), possivelmente a futura rua Maria Marcolina, ou caminho aproximado.

A chácara do Barão de Iguape tinha a frente para a estrada da Penha; o segundo terreno indicado por Inácio José de Araújo, ao contrário, não a margeava, sendo que o caminho diante de sua propriedade – rua que vai dar nos valos (...) – era paralelo a estrada da Penha. Trata-se possivelmente daquele que limitaria o largo do Brás ao fundo.

Em maio de 1856, quando Inácio José de Araújo realiza a declaração de sua propriedade, o terreno posteriormente ocupado pelo largo do Brás era, provavelmente, considerado devoluto e, por ser o primeiro depois da igreja do Brás não ocupado, passou a abrigar os romeiros que cruzavam a estrada da Penha.

As designações igreja do Brás e largo do Brás deviam causar constantes confusões, visto que se esperava que os dois fossem contíguos. Em 1865, o camarista Malaquias Rogério de Salles Guerra propõe que se substituam as designações de logradouros sem significação alguma, e até menos conviniente, antes da colocação de placas de nomes das ruas e dos números das casas. Dois meses depois, apresenta um plano com os logradouros que considerava merecerem alteração, o qual foi aprovado e executado ainda naquele ano.

Salles Guerra sugere, entre outros, a alteração de Largo do Braz para Largo da Concórdia. O novo designativo, segundo o Dicionário de Ruas125, integra homenagens às vitórias brasileiras na Guerra do Paraguai: Tanque do Zunega para Praça do Paissandú, pela batalha de Paissandu, no Uruguai, decisiva para a aliança entre Uruguai e Brasil; Largo do Braz para Largo da Concórdia, em referência ao acampamento da Concórdia, na Argentina, onde se reuniram os exércitos uruguaio, argentino e brasileiro; e largo do Bexiga e rua da Caza Santa para largo e rua do Riachuelo, em homenagem à batalha de Riachuelo, primeira grande vitória da Tríplice Aliança.

Esta foi a primeira alteração oficial de designativo na freguesia do Brás e a única nos próximos dez anos. Interessante notar que a interferência das autoridades restringiu-se a local cuja referencialização era importante para os moradores de São Paulo de forma geral.

Nas atas da Câmara, a próxima menção a este designativo ocorre somente após a inauguração da ferrovia que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, a partir da freguesia do Brás. A estação da estrada de ferro foi estabelecida próxima ao largo da Concórdia, visto que este se tornou um reconhecido ponto comercial de São Paulo.

A rua da Concórdia, logradouro à esquerda do largo homônimo, era utilizada como acesso ao Bairro do Pari, antes da construção das ferrovias. Em 1880, começam os trabalhos no sentido de prolongá-la à direita da estrada da Penha, sendo designado este novo trecho como a rua que segue junto a estação da estrada de ferro do Norte ate a da Moóca (ACSP, LXV, 152), a rua da Concordia para a da Moóca (ACSP, LXVII, 190) e a rua que, da Concordia na Freguesia do Brás, vai á Moóca (ACSP, LXVII, 211). Após conclusão das obras, no final de 1881, passa a ser designada, definitivamente, como rua da Concordia (ACSP, LXVII, 223).