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III. Os nomes indígenas da freguesia do Brás

III.2. A formação dos bairros e a atribuição de designativos indígenas originais por translação

III.2.2. A fixação do topônimo bairro da Mooca

Pela análise dos Registros de Terras, percebe-se que as designações de localidades a partir de hidrônimos remetiam às terras localizadas às margens de pequenos córregos, àquelas encontradas no entorno da cabeceira do curso d’água, local onde se poderia desfrutar das águas sem as desvantagens do espraiamento destas, e aos aglomerados constituídos próximo às passagens por pontes, ao longo dos principais caminhos.

Uma complexa rede de repetidos processos de translação toponímica levou à fixação do topônimo bairro da Mooca para a região a sul da igreja do Senhor Bom Jesus do Brás, limitada a oeste pelo núcleo.

A trilha tupiniquim para o litoral quinhentista partia do núcleo pelas atuais ruas do Carmo e Tabatinguera e, transpondo a ponte do rio Tamanduateí, posteriormente conhecida como da Tabatinguera ou da Mooca, seguia pelo caminho da Mooca, como informa o Padre Anchieta em carta de 1579100. Daniel Issa Gonçalves (apud Campos: 2006, 15-6) afirma que este caminho “continuava pela Rua do Oratório, pela Avenida Vila Ema e por trechos da Avenida Sapopemba, já fora dos limites do município até atingir a cidade de Ribeirão Pires”.

Este trajeto, contudo, deixou de ser utilizado pelos viajantes, em 1593, após decisão dos camaristas pela abertura de um traçado direto entre o caminho de Virapoeira e as bandas do Ipiranga, dando origem à atual rua da Glória101. O caminho da Mooca recebeu este nome em decorrência de seguir, margeando o curso d’água pela margem direita, até as proximidades da cabeceira do ribeirão homônimo. A designação Mooca a partir do hidrônimo, portanto, refere-se ao fato de se atingir a sua nascente, sendo, na realidade, caminho para a Mooca.

Outros fatos relevantes são: o trecho inicial da rua da Mooca não margeia o ribeirão da Mooca que, por ser afluente do córrego das Vacas, nem deságua no rio Tamanduateí; o córrego à direita do trecho inicial da rua da Mooca, por sua vez, não é o córrego das Vacas, mas um pequeno curso d’água utilizado como limite, a norte, das terras de Raphael Pais de Barros (Mapa de chácaras), cujo nome não é mencionado na documentação analisada; e a estrada da Penha começava, no século XVIII, diante da igreja do Senhor Bom Jesus do Brás, já que o trecho inicial, na várzea do Carmo, só foi viabilizado no início do século XIX, quando foi construída a ponte do Carmo.

A designação bairro da Mooca segue, portanto, os seguintes processos denominativos:

A) ribeirão da Mooca > estrada para a Mooca > bairro da Mooca (próximo à nascente) – designativos formados a partir de translação toponímica do hidrônimo;

100

Outra opção era navegar pelo rio Tamanduateí até o atual município de Mauá e, daí, seguir o caminho terrestre.

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Este caminho atravessava o córrego Lavapés, passando pela Várzea do Cambuci. A alteração deste caminho só ocorreu novamente entre 1862 e 1863, quando o fazendeiro e comendador José Vergueiro decidiu abrir uma estrada em suas propriedades, criando um novo atalho que deu origem a atual rua Vergueiro. Foi a partir da criação deste atalho que a rua da Liberdade passou a ser o trecho inicial da estrada de Santos. (Campos: 2006, 26-7)

B) estrada para a Mooca > bairro da Mooca (próximo ao núcleo) – designativo formado a partir de translação toponímica do nome do caminho.

Estas denominações já se encontravam consolidadas em 1837. Na Carta de Frederico H. Gonçalves, lê-se Mooca como designativo das terras entre os caminhos para a capella de N. S. da Penha e para a Mooca. Na Planta de Rath, de 1868, o trecho inicial do caminho da Mooca é designado Caminho da Tabatinguera, e o Caminho a Mooca parte do Caminho do Braz, diante da igreja do Senhor Bom Jesus.

Nos Registros de Terras, a estrada da Mooca é designada no seu trecho inicial, até a primeira bifurcação, de onde seguia a estrada que segue para São Caetano (RT 123), como rua / estrada / caminho da Mooca, simplesmente, e, também, como

elemento

geográfico caminho / estrada [geral] / rua topônimo

propriamente dito

{que [de São Paulo] -- segue / vai -- [de São Paulo]} [para -- a / o lugar chamado / o bairro da--] / [do bairro da] Moóca102

Verifica-se, portanto, a noção do sentido original da designação do caminho (estrada para) e da existência de um bairro da Mooca como destino – estrada geral que vai para a Moóca (RT 18) e estrada que segue para o bairro da Moóca (RT 87), por exemplo. Por outro lado, as indicações do nome de localidade em propriedades existentes na parte inicial da estrada revelam que, igualmente, era conhecida pelo hidrônimo: Com frente para a mesma rua ou estrada [da Tabatingüera] e fundos para a Moóca (RT 153). O mesmo observa-se para as poucas terras localizadas a sul da cabeceira do Tatuapé, eqüidistante da foz e nascente, que indicam Mooca como designativo da localidade.

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Foram utilizados os seguintes registros para traçar o esquema de elementos máximos do topônimo:

estrada geral que vai para a Moóca (RT 18); estrada que segue para o lugar chamado – Moóca (RT 26A); estrada da Moóca (RT 39); caminho da bairro da Moóca (RT 53); Estrada da Moóca (RTs 54A e 54B); estrada que vai para a Moóca (RT 61); estrada da Moóca (RT 64); caminho que vai de São Paulo para a Moóca (RT 69); caminho da Moóca (RT 71); estrada que de São Paulo segue para o bairro da Moóca (RT

72); estrada que vai para a Moóca (RT 73); Rua da Moóca (RT 108); rua que vai para a Moóca (RT 113);

rua da Moóca (RT 119); caminho da Moóca (RT 130); Estrada da Moóca (RT 134); rua da Moóca (RT

137); Estrada que segue para a Moóca (RT 139); Rua da Moóca (RT 140); Rua da Moóca (RT 145);

O único diferencial é que algumas das propriedades próximas à nascente do ribeirão da Mooca indicam o predicamento do aglomerado humano, e outras, a toponimização do termo geográfico, certamente com intuito de precisar a localização, enquanto, para as demais, refere-se apenas a Mooca como nome da localidade:

Trecho inicial

(entre ponte da Tabatinguera e primeira bifurcação da estrada)

Moóca (RTs 64, 111, 112, 120, 121B e 123)

Trecho intermediário

(a sul da cabeceira do ribeirão do Tatuapé)

Moóca (RT 17 e 110)

Trecho final

(cabeceira do ribeirão da Mooca)

Bairro da Moóca (RT 1, 3, 4, 31 e 122) Móoca (RT 1, 15, 32, 92 e 142B) Cabeceira da Moóca (RT 34)

Cabeceira do ribeirão Moóca (RT 41)

A designação bairro da Mooca fixa-se no trecho inicial da estrada da Mooca a partir da década de 1870, nos registros dos camaristas:

Os abaixo assignados, membros da Commissão de datas, passando a examinar o pequeno terreno que pede o supplicante Dr. Rafael Tobias de Aguiar, para o fechamento de fundos de seu chacara, é de parecer que lhe seja concedido esse terreno, visto que para mais ninguem póde servir a não ser para o supplicante por se achar mystico com os seus terrenos, pois que a estrada de ferro que por ali passa inutilisou esse terreno e para mais nada serve, e dado ao supplicante não só a Camara fez justiça, como tambem serve para embellesamento do Bairro da Moóca. Paço da Camara Municipal, 1. de junho de 1871 - Joaquim Fernandes Cantinho - Alves Pereira - Approvado. (ACSP, LVII, 65-6)

Na década seguinte, a cartografia indica o topônimo bairro da Mooca apenas como designação do entorno do trecho inicial da estrada da Mooca. Neste caso, é nítido que a urbanização influenciou tanto a redefinição do espaço que deve ou não ser valorizado, quanto propiciou o acomodamento de antigos designativos, destacando a referencialidade do designativo Mooca para a região mais próxima ao núcleo e que, mais rapidamente, foi ocupada.