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III. Os nomes indígenas da freguesia do Brás

III.1. A toponímia de origem indígena no Brasil

III.1.3. O solo, a terra molhada e a atividades humanas

A extensa rede hidrográfica da freguesia do Brás ocasionou a erosão do solo e a formação de barro próprio a diversas produções oleiras. A palavra de origem tupi Boçoroca, por exemplo, hidrônimo de subafluente do Aricanduva, rio chamado Boçoroca

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Registrou-se apenas uma ocorrência para Guaricanduva, nos RTs da freguesia do Brás. Aricanduva significa “o sitio dos airís, ou das palmas airís; onde há abundancia dessas palmas”. (Sampaio: 1928, 160) 76

Segundo Sampaio (1928, 314), Tamanduatey significa “tamanduás em grande numero”, sendo que o sufixo -teí tem adquire sentido de plural, neste caso.

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Tal interpretação poderia ser válida pela própria característica do terreno, cujo barro era, comumente, utilizado em olarias e para criação de utensílios domésticos.

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Sobre diferentes grafias registradas para o topônimo rio Anhembi, ver Dick (1996, 46-49). 79

Sampaio (1928, 224) indica inhuma como variante de anhuma, mas não indica qualquer variação para

(RT 125) / córrego chamado – Boçoroca (RT 16), tem significado que, em português, é equivalente a rasgão80.

Um segundo grupo de designativos tem por base a palavra indígena tuyuca, “o brejo, a lama, o charco, o paul” ( Sampaio: 1928, 332): barraca do Tijuca (RT 112) e Bairro Tijucoçu (RT 38)81; e córrego chamado Tijucal82 (RT 136) e logar denominado - Tijuco Preto83 (ACSP, LXV, 36), sendo que os dois últimos são topônimos híbridos, claramente resultantes da incorporação da lexia tijuca à língua portuguesa do Brasil.

Apesar de o significado de Tijuco Preto ser equivalente ao de Tijucoçu e os documentos apontarem para localidades próximas, ainda são poucas as indicações existentes para concluir se se tratam de denominação de um mesmo elemento geográfico, com tradução parcial do topônimo mais antigo.

Os demais designativos atestam a antiguidade da percepção de características do solo, valorizadas pela colonização. Em ata da Câmara de 1575, evidencia-se a importância da produção de telhas:

Obrigação de cristóvão glz~ pra fazer telha pra esta villa.

(...) ẽ camara hapareseo cristóvão glz~ ora morador nesta vila ẽ prezenca de todos dise q~ elle se queria vir a morar nesta villa e se queria obriguar a fazer telha pra ce cobrirem as moradas desta villa pr ser cousa pra inobrecimento della e ser muito nesesario cőtanto q~ se obrigasẽ a lhe tomar toda a q~ elle fizer e pr os ditos oficiaes verem e a dita telha hera nesesaria pr rezam desta villa estar coberta de palha e corer risquo pr rezam do foguo se cősertaram cő o dito cristóvão glz~ [é feito o ajuste do preço dos serviços a serem prestados] .... e elle a fara de bom tamanho e boma forma q~ fique a dous pallmos e meio depois de cozida... e pra iso q~ lhe avião de dar os ditos sñrs oficiaes a tera olha q~ foi dada a cristovão diniz pa nella fazer o forno e casa ... e eu fruituoso da costa escrivão da camara q~ o escrevi e diguo q~ elles señrs oficiaes diserão q~ lhe davão a dita tera q~ tinhão dado a

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Segundo Sampaio (1928, 169), bossoroca, ubussoroca ou vossoroca é corruptela de yby-soroca é significa “a terra rasgada ou fendida; o rasgão no solo”.

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Ambos os topônimos – Tijuca e Tijucoçu – designam elementos geográficos humanos próximos ao ribeirão da Mooca e à estrada de São Caetano. O sufixo -uçu, encontrado no segundo, significa negro, escuro. 82

Trata-se de afluente do rio Aricanduva. 83

Os únicos registros de Tijuco Preto foram identificados em atas da Câmara de 1879 (ACSP, LXV, 36; 102), possivelmente um pequeno bairro localizado próximo ao ribeirão Tatupé.

cristovão diniz pr coanto o dito cristovão diniz se fora pa o mar e não a querer fazer dita telha de q~ ha dito povo ser nesesidade pr lhe ser dada cő esa condição e mandaram q~ lhe fose feita carta della e q~ fizese sua petição e o asinarão aqui e eu fruituoso da costa tm o escrevi e elle cristovão glz~ se obriguou a comesar da feitura desta a dous mezes e o asinarão aqui – crº † glz~ – antº bequdo – antº cubas – jº frz – mel frz – ãtº preto.” (ACSP, I, 66-8)

O barro branco encontrado no limite do núcleo com a freguesia do Brás dava nome ao local de onde era extraído: tabatinguera, que, segundo Sampaio (1928, 311-2), significa “os barreiros de tabatinga”, a argila branca. Dick (2004a, 49) considera este designativo, entre outros de procedência indígena, a despeito dos que têm por motivação animais e plantas, como indício de um “momento preciso de observação direta”,“o grande laboratório vivo que a terra significava para o europeu em termos de aprendizado do meio”.

Coube ao europeu a incorporação ou não destes conhecimentos adquiridos à rotina dos novos aglomerados. A fixação como designativo, neste caso, atesta a importância da tabatinga para o núcleo, no qual era utilizada para a caiação de casas. De elemento encontrado na terra à designação de todo o arredor, passou a denominar novos elementos geográficos, por processo de translação.

O primeiro deles é próprio caminho aberto. Neste ponto, encontrava-se a mais antiga e importante ponte de São Paulo, sobre o rio Tamanduateí. (Sant’Anna, 1950, 92 e 132) No século XVI, por ser a primeira da região, era conhecida por ponte grande84 ou ponte do rio Tamanduateí85. Transposta a ponte, seguia-se por outro caminho, à esquerda do ribeirão Mooca, cujo designativo, indiretamente, complementa o anterior. Segundo Sampaio (1928, 267), mô-oca significa “faz casa” e, por extensão, “a rancharia, o pouso”.

O caminho, segundo Daniel Issa Gonçalves (apud Campos: 2006, 15-6; 25-7), era o trecho inicial da estrada que ligava o núcleo ao porto de Santos, o qual, até 1598, quando

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Conforme escritura, de maio de 1589, de doação de terras aos carmelitas por Brás Cubas: “o caminho de Santo André para Piratininga vinha do curral de Aleixo Jorge pelo mesmo caminho que vem pela ponte

grande em Tabatinguera dahy atravessava pela villa vindo pela rua direita onde estava o mosteiro dos padres

da companhia (...)” (Campos: 2006, 19). 85

Conforme registrado, em agosto de 1556, pelos camaristas: “obrigados a fazer a ponte do rio tomẽteahi que passa por junto da villa todas as vezes que diso necesidade e por ora ao presente a dita ponte ter necesidade de concertarse mandarão que por todo este mes de agosto deste dito ano concerten a dita ponte” (Sant’Anna, 1950, 92).

substituído pelo caminho do Virapoeira, seguia pela futura freguesia do Brás até proximidade da atual cidade de Ribeirão Pires.

Nota-se variação na designação do caminho à direita do rio Tamanduateí. Na Planta de Carlos Rath, de 1868, anotou-se Caminho da Tabatinguera, para este trecho, e Rua da Tabatinguera, para aquele à esquerda da ponte, no núcleo. O designativo Caminho da Mooca é dado à via perpendicular ao Caminho da Tabatinguera, cujo início é no Caminho do Braz. Na década de 1870, percebe-se a estabilização destes referenciais, sendo Tabatinguera restrito até a ponte, que designa desde a criação de outras no Tamanduateí86, e Mooca, na freguesia do Brás.

O esvaziamento do significado original, conseqüência do desconhecimento da língua indígena, pode ser notado pelo registro, ora no feminino, ora no masculino, da designação da ponte, nas primeiras décadas do século XIX. Na Carta de José Jacques da Costa Ourique (1842), tem-se pte. do Tabatinguera. No Mappa de Bresser (1844-1847), Ponte de Tabatinguera. Dos 63 registros nas atas da Câmara, entre 1870 e 1879, 15 são realizadas no feminino87 (ponte da Tabatinguera) e 48, no masculino88 (ponte do Tabatinguera). Apesar da maior ocorrência no masculino, tal variação mantém-se na década de 1880: [ponte] do Tabatinguéra (ACSP, LXXI, 69) e ponte da Tabatinguera (ACSP, LXXII, 87).

Na designação da ladeira que ligava o núcleo à ponte, nota-se idêntica variação: ladeira do Tabatinguéra (ACSP, LVII, 66), ladeira do Tabatinguera (ACSP, LXV, 23), ladeira da Tabatinguéra (ACSP, LVII, 70) e ladeira da Tabatinguera (ACSP, LXIV, 85). O topônimo logar denominado Tabatinguéra (ACSP, LVI, 136-7) é realizado sem definição de gênero e sem preposição, como no exemplo acima, ou no feminino, ou, ainda, como [ponte] na Tabatinguéra (ACSP, LVIII, 30-1; 99; LIX, 10).

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A ponte do Carmo foi construída entre 1805 e 1808. Até o século XVIII, a ponte da Tabatinguera era a única existente no rio Tamanduateí.

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Trata-se dos seguintes registros: ponte da Tabatinguéra (ACSP, LVII, 66; LIX, 8; 9; 13; 17; 58; 153),

ponte da Tabatinguera (ACSP, LVI, 125; 127; LVII, 70; LIX, 46; LXII, 101; LXIV, 85) e ponte de ferro da Tabatinguera (ACSP, LIX, 64).

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Trata-se dos seguintes registros: pontes do Tabatinguera (ACSP, LVI, 22), ponte do Tabatinguera (ACSP, LVI, 35; 44; 51; 78; 139; LVII, 20; 26; 53; 134; 140; LVIII, 31; 82; 115; 122; 127; 128; 133; 133; 167; 170; LIX, 13; LIX, 117; 161; LXIII, 61-2; LXV, 138) e ponte do Tabatinguéra (ACSP, LVI, 131; 143; LVII, 62; 141; LVIII, 10; 99; 122; 136; 146; 146; 146; 149; LIX, 120; 144; 206; LX, 91; 145; LXII, 35; 69, 77; 83).

No caso do termo Mooca, têm-se as seguintes variações: Caminho da Muóca, na Carta de José Jacques da Costa Ourique (1842); Moóca, no Mapa de Bresser (1844/1847); e Mooca, na Planta de Rath (1868). Predomina, a partir de 1870, a grafia Mooca, após visível período de variação, ainda na década de 1860, nos registros dos camaristas89.

III.2. A formação dos bairros e a atribuição de designativos indígenas originais por