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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

1.3. A tutela do consumidor na trajetória e nas dimensões dos Direitos

Paulo Gustavo Gonet Branco relata que os direitos fundamentais concebidos como princípios jurídico-constitucionais especiais, que concretizam a dignidade humana, surgiram a partir dos séculos XVII e XVIII com a criação do Constitucionalismo, em razão do reconhecimento daqueles nas primeiras normas constitucionais.50

Na concepção inicial, encontravam-se os homens no estado da natureza, em que eram livres e iguais e sua única preocupação era com a sobrevivência. Com a socialização, o homem se torna escravo, mas não se retrai por completo e inicia uma história de lutas. Nesse contexto, observa-se que os direitos fundamentais são frutos de um processo histórico.

Os direitos fundamentais estavam ligados, pois, ao postulado jusnaturalista, ou seja, são direitos inatos preexistentes, que devem apenas ser conhecidos pelo ordenamento jurídico-positivo. Esse processo de positivação se inicia com as Declarações solenes para, posteriormente, serem previstos nas Constituições de cada Estado.51

Assim, a evolução dos direitos humanos é acompanhada por um fenômeno de crise das liberdades52, ou seja, pelas lutas por novas liberdades em face de

49 CUNHA JÚNIOR, p. 549. 50

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 104-107.

51 CUNHA JUNIOR, p. 551. 52 Idem, ibidem, p. 552.

velhos poderes, sempre colocando a dignidade humana como fato que torna todos os homens iguais.

Haveria, então, uma afirmação progressiva ou gradual dos direitos humanos53, remontando à antiguidade, na democracia de Atenas no século VI a. C.,

em que o povo se governou a si mesmo.

Quanto ao direito do consumidor, ainda que recente na doutrina e na legislação, cujo surgimento, como ramo do Direito, deu-se, principalmente, na metade do século passado, apontam-se indiretamente seus contornos, de forma esparsa, em diversas normas, jurisprudências e costumes dos mais variados países. Saliente-se, porém, que o direito consumerista não era concebido como uma categoria jurídica distinta e que, também, não recebia a denominação que hoje se apresenta.

Encontra-se como um dos primeiros instrumentos de que se tem conhecimento em relação à tutela do consumidor, o Código de Hamurabi (2300 a.C.) que protegia o comprador nos casos de serviços deficientes e procurava evitar o enriquecimento sem causa dos vendedores. Também o Código de Manu, vigente na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do século XII a.C., protegia os consumidores indiretamente ao tentar regular as trocas comerciais.54

A Lei das XII Tábuas, por seu turno, já exigia do vendedor uma obrigação de transparência, exigindo que ele definisse as qualidades essenciais dos produtos e proibindo-o de fazer publicidade mentirosa:

Tábua VI - Da propriedade e da posse

1. Se alguém empenhar a sua coisa ou vender em presença de testemunhas, o que prometeu terá força de lei.

2. Se não cumprir o que prometeu, que seja condenado em dobro.”55

Letícia Canut relata que, desde os primórdios, havia manifestações que pretendiam proteger os compradores dos abusos cometidos pelos vendedores56.

No entanto, todas essas manifestações consistiram em iniciativas fragmentadas.

53 CUNHA JUNIOR, p. 553. 54 SOUZA, Déborah, 2008, p. 22. 55

LEI DAS XII TÁBUAS. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm>. Acesso em: 29 out. 2012.

56

CANUT, Letícia. Proteção ao Consumidor no Comércio Eletrônico. 1. ed. Curitiba, Juruá, 2008, p. 77-78.

Voltando para os direitos fundamentais em geral, na época de ouro da República romana, diferentemente da soberania popular ativa da democracia ateniense, o poder político sofria limitações através do sistema de freios e contrapesos entre os órgãos políticos.

Quanto à doutrina antiga do cristianismo, esta é indicada como antecedente básico dos direitos humanos, em razão da mensagem cristã de que a dignidade humana pertence a todos os homens sem distinção, por terem sido estes criados à imagem e semelhança de Deus. As teorias contratualistas do século XVII e XVIII são influenciadas por essa ideia de direito natural do homem que limita o Estado.57

Em seguida vem a Reforma protestante que consolida os direitos fundamentais ao reivindicar o reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto.

Impende mencionar a época das declarações de direitos, que possuem uma tendência jusnaturalista58 e seguiram três etapas: na primeira, surgem como teorias filosóficas, comunicando tão-somente a expressão de um pensamento individual; na segunda passa-se da teoria para a prática dos direitos fundamentais, mas estes valem somente no âmbito dos Estados que os reconhecem e, por fim, na terceira fase, com a Declaração Universal de 1948, os direitos fundamentais ganham caráter universal e positivo, valendo para todos os homens, até mesmo contra o próprio Estado.

Destaque-se que a Carta Magna de 1215, apesar de ser uma carta feudal, a qual pactuava interesses dos barões e homens livres, minorias na Inglaterra à época, foi um importante marco do reconhecimento dos direitos fundamentais e do constitucionalismo, em razão de, pela primeira vez na história, vincular o rei às próprias leis que edita, trazendo, ademais, garantias de judicialidade, de devido processo legal, de proporcionalidade da pena à gravidade da transgressão cometida, etc.

De fato, o devido processo legal e a judicialidade previstos na Carta Magna são considerados os primeiros direitos fundamentais pela doutrina.59

57

CUNHA JUNIOR, p. 556.

58 Idem, ibidem, p. 556-557. 59 Idem, ibidem, p. 559.

Contudo, os direitos declarados na Magna Carta não ostentavam o caráter de autênticos direitos fundamentais, uma vez que foram prescritos com o cunho estamental, para as castas privilegiadas.

Por sua vez, a Petition of Rights de 1628 foi um documento do Parlamento Inglês dirigido ao Rei que previa o reconhecimento de direitos e liberdades para os súditos. Em verdade, rogava a observância pelo Rei dos direitos e liberdades já estabelecidos pela Magna Carta, em troca de recursos financeiros.

O Habeas Corpus Act de 1679 foi a mais sólida garantia de liberdade individual, à época, que suprimiu as prisões arbitrárias.60 Na mesma linha do

habeas-corpus, surgiu o mandado de segurança no Brasil.

O Bill of Rights de 1689, que decorreu da Revolução Gloriosa de 1688, afirmou a supremacia do Parlamento, instituiu a separação dos poderes e criou a monarquia constitucional submetida à soberania popular, eliminando o regime de Estado absolutista, além de fortalecer a instituição do júri e reafirmar os direitos fundamentais de petição e proibição de penas inusitadas ou cruéis.61

O Ato de Sucessão do Trono de 1707 complementou o Bill of Rights, reforçando as limitações à monarquia.

Infere-se que as declarações inglesas ajudaram a consolidar os direitos fundamentais, mas, por se limitarem a reduzir o poder do Rei, protegendo o povo de arbitrariedade e fundando a supremacia do Parlamento, não podem ser consideradas como registro de nascimentos desses, porque não vinculavam o Parlamento.

A primeira Declaração de Direitos no sentido moderno foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 1776, a qual tinha inspiração profundamente jusnaturalista e acolheu o princípio da soberania popular, a separação das funções legislativa, judicial e executiva, entre outros direitos fundamentais. Tal declaração inspirou o surgimento de outras Declarações das ex-colônias inglesas na América, bem como influenciou a própria Constituição norte-americana de 1787 e suas primeiras dez emendas de 1789.62

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, de cunho pedagógico e jusnaturalista, que foi o marco do constitucionalismo liberal por razão

60

MENDES, COELHO; BRANCO, p. 106.

61 CUNHA JUNIOR, p. 562. 62 Idem, ibidem, p. 563-566.

da universalidade de seus princípios, ainda está em vigor na França e tem três caracteres fundamentais: o intelectualismo, fruto de fundamento filosófico e político; o mundialismo, pois tem conteúdo universal, além-fronteiras, e o individualismo por que só prevê liberdades dos indivíduos, não consagrando as liberdades coletivas63.

A doutrina classifica os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem e Direitos do Cidadão, constituindo os primeiros em liberdades (de agir ou não agir independentemente do Estado) e os segundos em poderes (de participar no exercício do poder político).

A declaração francesa confirma a existência do Estado como instrumento por meio do qual o homem satisfaz seus direitos e alcança a felicidade. Logo, a sociedade que não assegura o exercício dos direitos fundamentais nem a separação de poderes não tem constituição.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 foi considerada o principal feito no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos, servindo de fonte de inspirações de diversas cartas constitucionais e diversos tratados internacionais de direitos humanos, e consagrando os três valores fundamentais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, através dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, dos deveres da pessoa para com a comunidade e do princípio de interpretação sempre em benefício dos direitos e garantia nela proclamados.64

De tal modo, os direitos humanos passam, com a criação das Nações Unidade de 1945 e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a deixar de ser uma questão interna de Estados nacionais e tornam-se matéria de interesse de toda a comunidade internacional.

Com a criação de Cortes Internacionais de Direitos Humanos, a questão da soberania é superada por conta da submissão dos Estados às normas internacionais de Direito humanos.

Além disso, com as Declarações acima analisadas, a cidadania ativa e participativa é afirmada, o Estado torna-se o instrumento e o homem o fim, a base do próprio Estado.

Como se depreende dos antecedentes históricos dos direitos fundamentais, a doutrina passa a analisar a evolução desses direitos pelas gerações ou dimensões

63 CUNHA JUNIOR, p. 566-571. 64 Idem, ibidem, p. 571-578.

dos direitos, em razão do movimento histórico de expansão e afirmação progressiva dos direitos fundamentais, que trazem como consequência fundamental a irreversibilidade dos direitos reconhecidos, aliada ao fenômeno da sua complementaridade, ou seja, trata-se de um processo cumulativo, pois as dimensões daqueles não podem ser examinadas isoladamente, uma vez que a certeza e eficácia de umas dependem da certeza e eficácia das demais.

As três dimensões ou gerações dos direitos fundamentais resguardam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, consoante lema da Revolução Francesa. Todavia, hodiernamente, já se fala em quarta geração ou dimensão.

Sobre a expressão geração de direitos, parte da doutrina entende que a mesma é equívoca, sob o argumento de que geração implica a ideia de superação ou substituição gradativa de uma geração por outra.

Comenta Sarlet:

[...] Ressalte-se, todavia, que a discordância reside essencialmente na esfera terminológica, havendo, em princípio, consenso no que diz com o conteúdo das respectivas dimensões e “gerações” de direitos.65

Para Cunha Júnior, o termo dimensões é mais adequado, não pelo motivo acima delineado, mas porque os direitos reconhecidos em uma geração assumem outra dimensão quando em relação com novos direitos gerados posteriormente.66

Como os direitos fundamentais de primeira geração ou direitos civis e políticos foram os primeiros solenemente reconhecidos nas Declarações do século XVIII e nas primeiras constituições escritas, coincidem com a origem do constitucionalismo moderno.

Eles expressam as liberdades públicas dos franceses, os direitos civis à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade, posteriormente contemplando os direitos de expressão coletiva como o direito de reunião e os direitos políticos. Na teoria de Jellinek correspondem ao status negativus. Nesse ponto, fala-se do direito à livre inciativa e à livre concorrência.

Vislumbra-se que o direito do consumidor, apesar de ser um direito classificado como de terceira geração, também abrangeria características encontradas no rol dos direitos de primeira dimensão quando aquele se reporta à liberdade de escolha do consumidor em adquirir o produto ou serviço que desejar e de qualquer fornecedor que preferir.

65 SARLET, p. 45.

No mesmo sentido, Derlayne Detroz assinala que aquele “está inserido no rol dos direitos de primeira dimensão, porque tem como traço linear a liberdade contratual correspondente a não intervenção do Estado, no que tange ao seu direito de escolha”67.

Mais adiante na história, os direitos fundamentais de segunda dimensão ou direitos sociais, econômicos e culturais foram uma resposta às distorções geradas pelo desequilíbrio socioeconômico que o Estado Liberal e a Revolução Industrial causaram. De tal modo, o movimento socialista do século XIX pregou a atuação do princípio da solidariedade social e da responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social.68

Os direitos sociais passam então a ser reconhecidos como direitos fundamentais, de concretização do princípio da justiça social e do princípio da igualdade, que se viabilizam pela execução de políticas públicas destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres.

A caracterização dos direitos de segunda dimensão consiste na sua dimensão positiva, uma vez que não mais objetivam o impedimento da atuação do Estado nas liberdades individuais, mas, sim, a sua intervenção para atender necessidades crescentes dos indivíduos.

São direitos de créditos em que o Estado passa a ser o devedor de prestações sociais, em que não somente a intervenções daquele podem lesar os direitos subjetivos dos indivíduos, como também omissões desse mesmo poder público.

Comenta Claudia Lima Marques sobre este contexto histórico:

[...] para realizar a igualdade material era necessário limitar também a liberdade de alguns, impor uma maior solidariedade no mercado (favor debilis) e assegurar direitos imperativos (indisponíveis por vontade das partes, direitos de ordem pública) aos mais fracos. Era necessário valorizar as desigualdades, as diferenças de poder, de informação, de especialização e de posição entre os sujeitos livres do mercado de consumo, e aplicar normas e princípios, como a boa-fé e a função social da propriedade e dos contratos, que ajudassem a reequilibrar com equidade as situações diferenciadas como as de consumo.69

Esta mudança decorre do fato de que os direitos sociais representam a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e foram reconhecidos na

67 DETROZ, Derlayne. A hipervulnerabilidade e os direitos fundamentais do consumidor idoso no

direito brasileiro. 2011. 153 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdades Integradas do Brasil, UniBrasil, Curitiba, p. 68.

68

CUNHA JUNIOR, p. 583.

69 BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima, BESSA, Leonardo Rosco. São Paulo:

Constituição Mexicana de 1917, na Constituição Russa de 1918, na Constituição da República de Weimar de 1919 e na Constituição de 1934 do Brasil.

Com o Estado Liberal, não poderia haver nenhuma intervenção estatal na economia e na sociedade. Logo, não era assegurada a efetividade da igualdade, ficando restrita a apenas uma igualdade formal, em que iguais eram aqueles que se encontravam numa mesma classe, enquanto que entre as classes da burguesia e do proletariado havia uma desigualdade acentuada.

Desse contexto, despontou a necessidade da formação de um novo modelo estatal, que atuasse no sentido de reduzir as desigualdades sociais, econômicas e culturais. Surgiram, então, o Estado social e a concepção material da igualdade, exigindo uma atuação positiva nas políticas públicas e governamentais, estabelecendo direitos de segunda geração.

Rogério Medeiros Garcia de Lima sintetiza o período das Constituições Sociais que sedimentam o Estado Social:

Diante da crise econômica do primeiro pós-guerra, o Estado foi premido, pela sociedade, a assumir papel ativo, seja como agente econômico (instalando indústrias, ampliando serviços, gerando empregos, financiando atividades), seja como intermediário na disputa entre o poder econômico e miséria (defendendo trabalhadores em face de patrões, consumidores em face de empresários).

A partir das Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), os modernos textos constitucionais incorporaram as novas preocupações: desenvolvimento da sociedade e valorização dos indivíduos socialmente inferiorizados.70

O Estado, consequentemente, torna-se objeto de exigência de uma postura ativa perante a Sociedade, que passa a ser credora de prestações materiais aptas a dar condições ao efetivo exercício dos direitos fundamentais.

Alerte-se, entretanto, que os direitos contidos na segunda dimensão são individualmente considerados, não devendo ser confundidos com os direitos difusos e coletivos da terceira geração.

Como pressuposto da desigualdade constatada na época do nascimento do Estado Social, o consumidor foi considerado parte vulnerável, uma vez que tinha sua liberdade prejudicada diante dos fornecedores com superioridade econômica e técnica.

Já em relação aos direitos fundamentais de terceira dimensão ou direitos de solidariedade ou de fraternidade, estes são recentes, ainda se encontram em fase

70 LIMA, Rogério Medeiros Garcia de. Aplicação do código de defesa do consumidor. São Paulo:

embrionária e resultam das novas reivindicações do homem ante o impacto tecnológico, o estado de contínua beligerância após a Segunda Guerra Mundial e da descolonização que adveio depois desta.71

Nessa dimensão, podem-se relacionar como direitos fundamentais que já foram positivados constitucionalmente, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à paz e o direito à autodeterminação dos povos.72

A tutela do consumidor, parte hipossuficiente da relação de consumo, também se enquadra na terceira dimensão, em razão de assumir a faceta de um direito da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa.

Explica Ingo Wolfgang Sarlet acerca da caracterização dos direitos fundamentais de terceira dimensão:

Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.73

Sarlet acrescenta como direito de terceira geração o direito de informática ou liberdade informática, reconhecido em razão do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual através de bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc, mas que por conta de sua vinculação com os direitos de liberdade, incluindo de expressão e comunicação, e o direito da intimidade e da privacidade, enfrenta dúvidas no seu enquadramento na terceira dimensão dos direitos fundamentais.74

Como direitos de quarta dimensão, a doutrina, com Paulo Bonavides, tem reconhecido o direito à democracia direta e os direitos relacionados à biotecnologia, apesar de não ocorrer, ainda, a positivação corrente nas ordens jurídica interna e internacional.75

Haveria o reconhecimento do direito à paz como direito fundamental de quinta dimensão, retirando-o da terceira dimensão, pois, segundo Silva Neto, a paz merece maior visibilidade e “seria condição indispensável ao progresso de todas as nações”.76 71 SARLET, p. 48-49. 72 CUNHA JUNIOR, p. 591. 73 SARLET, p. 48. 74 Idem, ibidem, p. 49. 75 Idem, ibidem, p. 50. 76 SILVA NETO, p. 592.

Quanto às características dos direitos fundamentais, Silva Neto propõe uma visão crítica dos direitos fundamentais ao conceber que o modelo de Estado liberal se revela incompatível com os direitos e garantias fundamentais hodiernamente consagrados, uma vez que se trata de direitos cuja concretização requer comportamento comissivo do Estado77.

Nesse sentido o autor aponta, como características dos direitos fundamentais, a historicidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a irrenunciabilidade; e esclarece que a doutrina já ultrapassou a teoria dos direitos absolutos e destaca a teoria dos limites imanentes dos direitos fundamentais. Todavia, afirma haver limites para imposição de limites aos direitos fundamentais, pois, segundo ele , “há um conteúdo essencial em todo direito fundamental cuja garantia torna incompatível à constituição qualquer limite que invada o referido conteúdo.”78

Portanto, a proteção do consumidor, como direito de primeira, segunda e terceira dimensões, diante da livre inciativa e da livre concorrência deve ser preservada em seu mínimo, de forma a garantir a própria dignidade humana, dentro da perspectiva de um Estado Social e Democrático.

Diante do enquadramento do Estado no respeito aos direitos fundamentais, a doutrina discute que estes passam a orientar a ordem jurídica estatal e a própria sociedade, reconhecendo neles uma dupla dimensão que instituem o agir tanto das pessoas quanto dos seus governantes. Tal discussão será travada a seguir.