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Autorregulamentação do comércio eletrônico: proteção ao consumidor e competitividade positiva na Constituição de 1988

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO. DÉBORAH BARRETO DE SOUZA. AUTORREGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO: Proteção ao consumidor e competitividade positiva na Constituição de 1988. SÃO CRISTÓVÃO/SE 2013.

(2) ii. DÉBORAH BARRETO DE SOUZA. AUTORREGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO: Proteção ao consumidor e competitividade positiva na Constituição de 1988. Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Sergipe.. Orientadora: Prof.ª. Drª. Carla Eugênia Caldas Barros. SÃO CRISTÓVÃO/SE 2013.

(3) iii. FOLHA DE APROVAÇÃO. DÉBORAH BARRETO DE SOUZA. AUTORREGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO: Proteção ao consumidor e competitividade positiva na Constituição de 1988. Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Sergipe.. APROVADO: EM: _____/_____/_____. CONCEITO:__________. MEMBROS DA BANCA __________________________________________ Orientadora Prof.ª Dra. Carla Eugenia Caldas Barros __________________________________________ Prof. Dr. Otávio Augusto Reis de Souza __________________________________________ Prof. Dr. Fábio Periandro de Almeida Hirsh. SÃO CRISTÓVÃO/SE 2013.

(4) iv. Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação de Mestrado em Direito. ________________________________ Prof.ª Dr.ª Carla Eugenia Caldas Barros.

(5) v. É concedida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Sergipe permissão para disponibilizar e reproduzir cópias desta dissertação. _________________________________ Déborah Barreto de Souza Autora – PRODIR-UFS. _________________________________ Prof.ª Dr.ª Carla Eugenia Caldas Barros Orientadora – PRODIR/UFS.

(6) vi. Dedico este trabalho à minha família querida: Rosana, Emílio, Bárbara e Henrique..

(7) vii. AGRADECIMENTOS. Manifesto meus agradecimentos aos meus eternos exemplos meus pais Emílio e Rosana, minha querida irmã Bárbara e ao meu filho amado Henrique pela compreensão e pelo apoio incondicional nos momentos cruciais desta jornada acadêmica. À Universidade Federal de Sergipe, em especial ao Pró-Reitor da POSGRAP Marcus Eugênio Oliveira Lima e ao Coordenador da Pós-Graduação Carlos Alexandre Borges Garcia, pela oportunidade de realização deste curso. A todos os professores do mestrado, em especial à Dra. Constança Marcondes Cézar, ao Dr. Otávio Augusto Reis de Souza, ao Dr. Lucas Gonçalves da Silva, e às colegas do mestrado e queridas amigas Maria Lúcia, Mariése, Eunices e Catiuscha, pela companhia alegre, pela ajuda e momentos agradáveis proporcionados. Ao professor Dr. Fábio Periandro de Almeida Hirsh e ao professor Dr. Otávio Augusto Reis de Sousa, mais uma vez, pela disponibilidade de participar da banca examinadora desta dissertação, brindando-a com suas valiosas contribuições. À Professora Doutora Carla Eugenia Caldas Barros pela preciosa orientação na elaboração deste trabalho e pelas valiosas lições. Para mim, é uma honra tê-la como orientadora e, por isso, preciso registrar minha admiração pela pessoa gentil, acessível e sábia que me foi durante todo o mestrado e graduação, tornando a tarefa árdua da academia mais agradável e instigante. Agradeço, por fim, a toda a minha família e amigos, em especial meus avós Francisco (in memoriam), Lindinalva, Lídia (in memoriam) e Cosme (in memoriam), e ao meu primo Ricardo Alexandre Andrade Santos, que sempre me incentivaram a estudar..

(8) viii. “A força do direito deve superar o direito da força”. Rui Barbosa.

(9) ix. RESUMO. A presente dissertação tem como desígnio investigar a autorregulamentação do comércio eletrônico à luz da constitucionalização do direito do consumidor e do direito de empresa. Busca-se analisar como a nova hermenêutica constitucional pode resolver a colisão do princípio da defesa do consumidor com o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência no e-commerce diante do multiculturalismo da sociedade moderna, o qual exige políticas sociais protetoras de grupos excluídos e hipossuficientes da sociedade, principalmente em função da globalização hegemônica. Será proposto que a autonomia da vontade, ou seja, a liberdade de contratar não é absoluta, pois encontra limitação no Direito do Consumidor e no fato de que o risco da atividade deve ser assumido pelo fornecedor, como contrapartida da livre iniciativa. Entretanto, será também discutido que a tutela do consumidor não pode afastar totalmente a livre iniciativa, sob pena de impossibilitar o desenvolvimento econômico da própria coletividade. Nesse sentido, as diretrizes para resolver os conflitos de consumo virtuais serão encontradas através de uma visão principiológica contida nos preceitos constitucionais, consoante uma metodologia operacional e interpretativa reflexa da Lei Fundamental. Como foco específico, será abordada a harmonização da tutela do consumidor com a busca da competitividade positiva no comércio eletrônico, em razão dos princípios basilares da dignidade humana e da função social da propriedade e da empresa. A solução dos conflitos consumeristas no meio virtual requer a compreensão de que o constitucionalismo global caminha para a necessidade de orientar o agir que possibilite o bem-estar no mundo, uma vez que o homem se encontra no limiar dos verdadeiros diálogos, em que indivíduos, sociedade e cultura precisam resolver seus problemas com base na ética e no respeito ao outro. Por fim, este estudo pretende demonstrar que a concretização da proteção ao consumidor e do direito fundamental à liberdade de comércio nas relações sociais formadas no âmbito das negociações virtuais exigem uma postura de fiscalização e de intervenção do Estado para garantir este diálogo e a preservação do interesse da coletividade e do bem-estar geral. A resolução das lides de consumo virtuais exigirá, portanto, a ponderação das normas constitucionais da defesa do consumidor e da livre iniciativa, com base no postulado da proporcionalidade. Palavras-chave: Comércio eletrônico; Multiculturalismo; fundamentais; Diálogo; Princípio da proporcionalidade.. Colisão. de. direitos.

(10) x. ABSTRACT. The present dissertation has as purpose to investigate the self-regulation of ecommerce in the light of consumer and business law’s constitutionalization. It seeks to analyze how the new constitutional hermeneutics can solve the collision of consumer protection’s principle with the principles of free enterprise and free competition in e-commerce, regarding modern society’s multiculturalism, which requires protective social policies to the excluded and hyposufficient groups, mainly due to hegemonic globalization. It will be proposed that the autonomy of the will, or else, freedom of contract, is not absolute, as it is narrowed by Consumer Law and the fact that the risk of the activity must be assumed by the supplier, as free enterprise’s counterpart. However, it will also be argued that the consumer’s protection cannot rule out entirely the free initiative, under penalty of nullifying the collectivity’s own economic development. Accordingly, guidelines for resolving consumer’s virtual disputes will be found through a principles’ vision contained in constitutional rules, as an operational methodology and interpretive reflex of the Fundamental Law. The specific focus that will be addressed is the harmonization of consumer protection with the pursuit of positive competitiveness at e-commerce, in regard to the fundamental principles of human dignity and the social function of property and enterprise. The solution of consumers’ virtual conflicts requires the understanding that global constitutionalism calls the demand to guide the action that enables the well-being in the world, since man is on the threshold of true dialogue, in which individuals, society and culture need to solve their problems based on ethics and respect for others. Finally, this study aims to demonstrate that the implementation of consumer protection and the fundamental right to freedom of trade in social relations, formed in the negotiations that take place in the internet, requires a position of supervision and intervention of the State to ensure this dialogue and the preservation of the community’s interests and general welfare. The resolution of the virtual consumption’ conflicts therefore requires the balancing of the constitutional norms of consumer protection and free enterprise, based on the principle of proportionality. Keywords: E-Commerce; Multiculturalism; Collision of Fundamental Rights; Dialogue; Principle of Proportionality..

(11) xi. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13. 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR .................... 18 1.1. Definição da proteção ao consumidor como direito fundamental ................... 18 1.2. Conteúdo dos Direitos Fundamentais e a proteção ao consumidor ............... 24 1.3. A tutela do consumidor na trajetória e nas dimensões dos Direitos Fundamentais ....................................................................................................... 30 1.4. Da dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ......................... 39 1.5. Da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas ........................ 42. 2.. O. MOVIMENTO. DE. CONSTITUCIONALIZAÇÃO. DO. DIREITO,. CONSTITUCIONALISMO GLOBAL, MULTICULTURALISMO E SEUS IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO CIBERNÉTICAS. ................................................ 46 2.1. Origem da constitucionalização do direito ...................................................... 46 2.2. Conceito de constitucionalização do direito .................................................. 53 2.3. Multiculturalismo, Constitucionalismo Global e seus impactos nas relações de consumo cibernéticas............................................................................................ 58. 3. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO CIBERNÉTICAS NO BRASIL E A AUTORREGULAMENTAÇÃO ............................. 70 3.1 Constitucionalização do Direito do Consumidor .............................................. 70 3.2 Ciberespaço e comércio eletrônico ................................................................. 93 3.2.1. . Breve histórico da Internet e do Comércio Eletrônico ......................... 95 3.2.2. . Conceito e Modalidades do Comércio Eletrônico ............................... 97 3.2.3. . Compras Coletivas no Comércio Eletrônico ..................................... 103 3.3. Regulação e Autorregulamentação do Comércio Eletrônico: livre iniciativa e livre concorrência versus proteção do consumidor ............................................. 104.

(12) xii. 4. MÉTODOS DE AUTORREGULAMENTAÇÃO DOS CONFLITOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: UMA PROPOSTA HERMENÊUTICO FILOSÓFICA ...................... 111 4.1. A justiça e a proporcionalidade na relação consumerista multicultural do comércio eletrônico ............................................................................................. 113 4.2 O diálogo na relação consumerista cibernética: ética, mediação, arbitragem e conciliação de interesses .................................................................................... 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 131 REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS ......................................................................... 134.

(13) 13. INTRODUÇÃO. A presente dissertação, cujo tema é Autorregulamentação do Comércio eletrônico: proteção ao consumidor e competitividade positiva na Constituição de 1988, tem como desígnio investigar a constitucionalização do direito do consumidor no ambiente virtual, sob o contexto da Constituição Federal de 1988. Na doutrina jurídica brasileira, o tema da constitucionalização do direito infraconstitucional tem recebido destaque, mormente na seara do direito privado. Diante deste fato, é frequente a argumentação de que o fenômeno em comento seria uma manifestação da publicização do direito privado, havendo, portanto, uma atenuação da dicotomia existente entre o público e o privado. Todavia, é necessário esclarecer que publicização não se confunde com constitucionalização, pois aquela significa a subordinação do Direito Privado ao Direito Público, sendo que tal conceito é mais adequado para designar a intervenção estatal própria do Estado Social. Portanto, o fenômeno da constitucionalização, em verdade, tem a ver com a submissão do direito positivo infraconstitucional aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos. A partir do processo de constitucionalização, a Constituição, agora com força normativa reconhecida e garantida pela jurisdição, passa a condicionar efetivamente a validade do direito infraconstitucional, exigindo a conformação deste último com as regras e princípios extraídas da Lei Maior. Nesse diapasão, busca-se analisar como a hermenêutica pode resolver a colisão do princípio da defesa do consumidor inserto no art. 5º, XXXII, e no art. 170, V, ambos da Constituição Federal, com o princípio da livre iniciativa ou da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, da CF. Será proposto que a autonomia da vontade, ou seja, a liberdade de contratar, não é absoluta, pois encontra limitação no Direito do Consumidor e no fato de que o risco da atividade deve ser assumido pelo fornecedor, como contrapartida da livre iniciativa. A hermenêutica constitucional fornece as diretrizes para resolver os conflitos de. consumo. virtuais,. os. quais. consistem. em. um. problema. de. ordem.

(14) 14. infraconstitucional, através de uma visão principiológica contida nos preceitos constitucionais, consoante uma metodologia operacional e interpretativa reflexa da Lei Fundamental. Esta dissertação, portanto, trata do aparente conflito entre dois princípios constitucionais: a defesa do consumidor e a livre iniciativa ou livre concorrência, mais especificamente no âmbito das relações de consumo virtuais. Com efeito, a defesa do consumidor constitui norma fundamental desde sua inserção no art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988, ocasionando uma imposição ao Estado de tutelar os direitos do consumidor, como forma de garantia da própria dignidade da pessoa humana. No entanto, não se pode olvidar da previsão do princípio da livre concorrência no art. 170, IV na CF/88, no tocante aos princípios da ordem econômica. Tal princípio não possui valor absoluto, uma vez que o legislador constitucional prescreveu a defesa do consumidor no inciso seguinte, como limite à atividade capitalista. Diante da possível colisão entre o princípio da livre concorrência e o da defesa do consumidor, a hermenêutica constitucional tem que intervir no sentido de resolver qual princípio deve prevalecer. Todavia, já se acena, pela própria dinâmica constitucional de proteção à dignidade humana, que a conduta do fornecedor nunca poderá atentar contra os direitos básicos dos consumidores, por se tratar de um direito fundamental. A questão aventada torna-se mais evidente quando se analisa o direito do consumidor no Comércio Eletrônico. O Direito do Consumidor no âmbito digital é situação relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro, que ainda não possui uma codificação ampla até o presente momento. A previsão legal sobre o consumo no comércio eletrônico foi promulgada recentemente no decreto nº 7.962, de 15 de Março de 2013, que regulamentou o Código de Defesa do Consumidor, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, trazendo em seu bojo regras com clara tendência principiológica ao prescrever que os contratos virtuais devem observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços de acordo com prazos, quantidade,.

(15) 15. qualidade e adequação. Outros aspectos importantes são o atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento. Ademais, registre-se a notícia de que provavelmente haverá inúmeros dispositivos legais sobre o assunto numa futura reforma do Código de Defesa do Consumidor1, bem como no Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da Internet, o PL 2126/2011, em tramitação no Congresso Nacional. De fato, o consumidor atual já é digital e as normas do mundo real são obviamente aplicáveis ao ambiente virtual, com as devidas adaptações. Portanto, a discussão que aqui se trava é fundamentalmente de interpretação. jurídica. e. não. de. defesa. de. uma. atuação. do. legislador. infraconstitucional para elaborar um código de comércio eletrônico. Em realidade, a base do problema corresponde a uma simples questão de contratos entre fornecedores e consumidores e a ponderação de qual princípio constitucional deve prevalecer: a livre iniciativa ou a defesa do consumidor. O problema de colisão de princípio existe porque a própria defesa do consumidor como princípio da ordem econômica infiltra-se como valor na iniciativa privada e na intervenção estatal no domínio econômico, de maneira que se torna indissociável à atividade econômica. Destarte, o intérprete não pode aplicar cegamente o princípio da defesa do consumidor em todo caso concreto, sob pena de inviabilizar a livre iniciativa, igualmente protegida como princípio constitucional. Propõe-se, assim, neste trabalho de análise acerca colisão dos princípios da livre concorrência e a defesa do consumidor no comércio eletrônico, buscar modos de harmonizá-los por meio da nova hermenêutica constitucional, uma vez que se defende que ambos, como princípios da ordem econômica, são fundamentais para se alcançar um Estado Social e Democrático de Direito. Inicialmente, nesta pesquisa, será tratado o tema dos direitos fundamentais e da constitucionalização do direito do privado, mais especificamente da proteção ao consumidor e da função social da empresa, ou seja, a aplicabilidade de tais normas fundamentais ao Comércio Eletrônico. 1. Agência Senado. Anteprojeto de Reforma do Código de Defesa do Consumidor é apresentado no Senado. Revista Eletrônica Ultima Instância. Disponível em: <www.ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/55375/anteprojeto+de+novo+codigo+de+defesa+ do+consumidor+e+apresentado+ao+senado.shtml.> Acesso em 02.02.2013..

(16) 16. Em sequência, será abordado o comércio eletrônico como um fenômeno jurídico que é regido pelas leis vigentes no Direito Brasileiro, apesar de sua contratação se dar por um meio novo: o virtual. Em outras palavras, defender-se-á a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor integralmente, pelo simples fato de que, restando caracterizada uma relação de consumo, o fornecedor não pode se afastar dos princípios e normas de proteção ao consumidor. Posteriormente, será desenvolvido um contraponto da regulação com o tema da autorregulamentação negocial do comércio eletrônico, em que os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa entram em colisão com o direito do consumidor, também princípio constitucional. Dentro desta perspectiva, a nova hermenêutica constitucional dará as diretrizes para uma resposta ao problema aqui apresentado, qual seja, a de que será no caso concreto que se encontrará qual princípio deve prevalecer, mas sempre atento à necessidade de se preservar minimamente a dignidade humana do consumidor e o interesse da coletividade quando este for mais relevante frente a um direito particular de um consumidor isoladamente considerado. Ao final, será abordado que a autorregulamentação, como forma de resolução de conflitos em razão do movimento de constitucionalização do Direito Infraconstitucional da Constituição Brasileira de 1988, a qual trouxe todo o aparato necessário para o intérprete resolver o caso concreto, é um fenômeno mundial resultante da tendência do constitucionalismo global, do multiculturalismo e do movimento de globalização do comércio, como no caso da União Europeia, em que a doutrina e tribunais se socorrem do sopesamento de princípios para melhor resolver os conflitos que se dão no comércio eletrônico. Em outras palavras, a questão da colisão dos princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência com o direito do consumidor, numa relação de consumo virtual, é analisada pela operação de sopesamento, em que o princípio da proporcionalidade apontará a solução que melhor se adequa à sistemática do ordenamento jurídico. Nesse sentido, a hipótese que se quer defender neste trabalho é a de que, com a nova hermenêutica constitucional, será provado que o fenômeno da relação de consumo virtual já traz consigo seu próprio modo de compreensão, em que a autorregulamentação é fruto da ponderação, do sopesamento, porque há, hodiernamente, uma tradição e uma pré-compreensão mais diferenciada do que.

(17) 17. aquela simples tratativa negocial comum, contratual, em que o pacto sunt servanda imperava, antes da mudança de paradigma de interpretação constitucional. O. tema. trabalhado. nesta. dissertação. decorre. da. experiência. da. pesquisadora como advogada da seara consumerista, área em que se especializou e cujo interesse surgiu, inclusive, na época da elaboração da monografia de graduação, na própria Universidade Federal de Sergipe, em que tratou do direito de arrependimento nas compras virtuais, com a alegria de ter sido também orientada pela Professora Doutora Carla Eugênia Caldas Barros. Por fim, justifica-se a escolha do tema do presente estudo em razão do fenômeno da constitucionalização do direito infraconstitucional, que evidencia a intervenção estatal própria do Estado Social, impondo ao Direito do Consumidor, como direito positivo infraconstitucional, a busca de seus fundamentos de validade nos preceitos constitucionais, inclusive quando o consumidor está inserido no ambiente virtual..

(18) 18. 1.. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. No plano da fundamentação teórica, como se assinalou na introdução, o presente estudo trabalhará com três vertentes: a constitucionalização do direito do consumidor na Constituição Federal de 1988, considerando o Código de Defesa do Consumidor como norma fundamental atribuída; o estudo da autorregulamentação das relações de consumo em face da livre concorrência e da livre inciativa, sob o contexto do comércio eletrônico, e a nova hermenêutica constitucional, como substrato de interpretação e aplicação mais apto a guiar tal autorregulamentação, que se pauta numa ética contratual cibernética, em que o parâmetro de justiça guiará as relações de consumo. Antes de discutir o direito do consumidor na perspectiva do processo de constitucionalização do direito privado e no comércio eletrônico, é necessário, entretanto, analisar a proteção ao consumidor dentro de uma teoria geral de direitos fundamentais, para que se compreenda a trajetória e o estado atual do tratamento jurídico dispensado às relações de consumo no Brasil, e sua relação de colisão com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, com o consequente reflexo no âmbito das relações sociais.. 1.1. Definição da proteção ao consumidor como direito fundamental. Os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da proteção ao consumidor,. esta. última. nos. textos. constitucionais. mais. recentes,. são,. profusamente, considerados direitos fundamentais, uma vez que suas previsões estão consagradas em grande parte das constituições do mundo pós-moderno. Para melhor compreender a tutela constitucional do consumidor em face da livre iniciativa e a relação de colisão entre eles, inclusive quando este embate acontece no contexto do comércio eletrônico, é necessário, incialmente, estudar como e por que razão a tutela do consumidor, em igual relevância com a liberdade de comércio, transformou-se em preceito fundamental..

(19) 19. Importante delimitar que a noção de direitos fundamentais, apesar de estar, historicamente, relacionada ao Direito Natural, com este não se confunde, uma vez que, segundo Norberto Bobbio, os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual2. Somente a partir da inserção em Constituições e Códigos é que os Direitos Fundamentais começaram a impregnar o Direito Positivo. A proteção constitucional do consumidor é um fenômeno recente que somente foi inserida em algumas Constituições a partir da década de 70 do século XX.3 Adolfo Mamoru Nishiyama4 relata que não há referências a esse respeito nas Constituições dos Estados Unidos, da França e do Japão e esclarece, ainda, que a Constituição espanhola de 1978 foi a primeira a prescrever a matéria, em seu art. 515. Em contraponto, José Afonso da Silva6 afirma que a Constituição Portuguesa de 1976 teria sido a primeira a acolher, em seu art. 110, normas de natureza consumeristas: ARTIGO 110.º (Comércio externo) Para desenvolver e diversificar as relações comerciais externas e salvaguardar a independência nacional, incumbe ao Estado: a) Promover o controlo das operações de comércio externo, nomeadamente criando empresas públicas ou outros tipos de empresas; b) Disciplinar e vigiar a qualidade e os preços das mercadorias importadas e 7 exportadas. 2. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. - Nova ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. – 7ª reimpressão, p. 5. 3 SOUZA, Déborah Barreto de. Proteção ao consumidor brasileiro nos contratos de venda on-line e o direito de arrependimento. São Cristóvão, SE, 2008. Monografia (Graduação em Direito) Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2008, p. 3. 4 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 69. 5 Articulo 51. 1. Los poderes públicos garantizaran la de defensa de los consumidores y usuários, protegiendo, mediante procedimentos eficaces, la seguridade, la salud y los legítimos intereses economicos de los mismos. 2. Los poderes públicos promoveran la informacion y la educacion de los consumidores y usuarios, fomentaran sus organizaciones y oiran a estas en las cuestiones que puedan afectar a aquellos, en los terminos que la ley establezca. 3. En el marco de lo dispuesto por los apartados anteriores, la ley regulara el comercio interior y el regimen de autorizacion de productos comerciales. ESPANHA. Constitución Española de 1978. Disponível em: <http://www.map.es/documentacion/legislacion/constitucion.html>. Acesso em: 01 março. 2013. 6 SILVA, Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed.São Paulo: Malheiros, 2006, p. 262. 7 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa de 1976. Disponível em: <http://debates.parlamento.pt/r3/dac/constituicao/c_76-4.aspx>. Acesso em: 07 mar. 2013..

(20) 20. No Brasil, as Constituições anteriores à Lei Fundamental vigente não previam o tema “proteção ao consumidor”. Nishiyama8 esclarece que foi com a promulgação da Constituição de 1988 que essa figura jurídica passou a ter destaque no campo do direito. Com a incorporação desse direito à Constituição, de onde se deriva toda a legislação, não resta dúvida de que a proteção ao consumidor faz parte do rol de direitos fundamentais, que consistem em normas jurídicas. Nessa toada, Dirley da Cunha Júnior considera que a ideia de democracia constitucional está vinculada, nuclearmente, ao reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais, uma vez que é por meio destes parâmetros axiológicos e referenciais obrigatórios que se legitimam todos os poderes constituídos, com a redução de discricionariedade Estatal, impondo-se a este deveres de abstenção, ou seja, de não dispor contra direitos fundamentais, e deveres de atuação, de dispor ativamente para sua efetivação.9 Quanto à delimitação conceitual dos Direitos Fundamentais, não há consenso doutrinário sobre as variadas expressões, que vão desde liberdades públicas, direitos subjetivos, direitos públicos subjetivos, direitos humanos, direitos do homem, entre outros. A expressão liberdades públicas, surgida, inicialmente no singular, na França do século XIII, significa o conjunto de direitos de defesa do homem contra qualquer interferência do Estado. Trata-se de um termo limitado, porque não abrange os direitos sociais e econômicos. Riccardo Guastini concorda aduzindo que: Por otro, existen derechos fundamentales cuyo contenido es una omisión (una abstención) del Estado; es el caso de los derechos de libertad (libertés publiques ), como la libertad personal, la libertad de reunión, la libertad de asociación, etcétera.10. Quanto à expressão liberdades fundamentais, seria esta ainda mais restrita, conferindo às pessoas apenas alguns tipos de liberdades.11. Nesse sentido, Manoel Jorge e Silva Neto discorda da nomenclatura liberdades públicas, segundo a qual as leis possuem o duplo objetivo de determinar NISHIYAMA, p. 83 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, 3ª Edição, Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 532-533. 10 GUASTINI, Riccardo. Estudios de teoría constitucional. Primeira edición. México: Doctrina jurídica contemporânea, 2001, p. 223. 11 CUNHA JUNIOR, p.533. 8. 9.

(21) 21. as obrigações do Estado e de fixar as garantias ao seu cumprimento, em razão de que, no Brasil: [...] “não podem propriamente ser considerados ‘liberdades públicas” direitos de cariz patrimoniais incluídos no conjunto de direitos fundamentais, como é o caso do direito individual à herança (art. 5º, XXX, CF).12. Entretanto, Uadi Lammêgo Bulos sugere o uso da expressão “liberdades públicas em sentido amplo”, a qual, consoante ele, projeta-se nas dimensões: civil, quanto aos direitos da pessoa humana, política, ou seja, o direito de participar na ordem democrática, e econômico-social.13 Direitos individuais, por sua vez, é uma expressão pouco correta, porque é associada ao indivíduo isoladamente considerado, indicando o afastamento dos direitos civis dos direitos políticos e sociais. 14 Por seu turno, a expressão “direitos subjetivos”, originada da técnica jurídica, vem sendo abandonada pela doutrina dos direitos fundamentais e está ligada às prerrogativas outorgadas ao indivíduo em conformidade com certas regras do ordenamento jurídico. A partir dela, seus titulares podem dispor de seus direitos, livremente, até para renunciá-los. 15 Como direitos subjetivos, esses direitos são passíveis de desaparecimento através de transferência ou prescrição. Tal definição, então, não se compatibiliza com a noção de direitos fundamentais que seriam inalienáveis e imprescritíveis. Em relação aos direitos públicos subjetivos, esta categoria foi criada pela dogmática alemã de direito público no final do século XIX para situar os direitos do homem em um sistema positivo de relações jurídicas entre o Estado e os indivíduos, de modo a autolimitar o Estado em benefício de certos interesses privados. Tal nomenclatura foi superada pela própria evolução dos direitos fundamentais, que passou a cobrar uma atuação positiva estatal em face de qualquer de seus direitos16.. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional: atualizado até a EC nº 67, de 22 de dezembro de 2010 e Súmula Vinculante nº 31 de 17/02/2010: (com comentários às Leis nº. 11.417/06, Súmula Vinculante, e 11.418/06 – Repercussão Geral de Questões Constitucionais. 7.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011., p. 590. 13 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: SARAIVA, 2011, p.516. 14 CUNHA JUNIOR, p. 534. 15 Idem, p. 534-535. 16 Idem, ibidem, p. 535.. 12.

(22) 22. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, todavia, defendem a definição dos direitos fundamentais como direitos públicos-subjetivos, mas a trabalham no sentido de ampliá-la: Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.17. Outra expressão mais comumente utilizada é a de “direitos humanos”, que segundo Ingo Wolfgang Sarlet: [...] guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem aos ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).18. Direitos humanos, deste modo, diferem de direitos fundamentais, uma vez que estes se referem a posições jurídicas reconhecidas na esfera do direito interno, enquanto aqueles consistem em prerrogativas estendidas ao ser humano, em escala de direito internacional e independentemente de vinculação a uma ordem jurídica positiva interna. No tocante aos “direitos do homem”, alerta Cunha Junior que subsistem neste termo dificuldades para fixar uma definição material precisa dos direitos fundamentais uma vez que constitui uma expressão muito vaga.19 Por seu turno, grande parte da doutrina opta pela expressão “direitos fundamentais” porque se encontra sedimentada na doutrina brasileira bem como na Constituição de 1988. Comenta Silva Neto: [...] a designação de ‘fundamentais’ é dedicada àquele conjunto de direitos assim considerados por específico sistema normativo constitucional, ao passo que ‘direitos ‘do homem’ ou ‘direitos humanos’ são terminologias 20 correntemente empregadas nos tratados e convenções internacionais.. Em outras palavras, Silva Neto esclarece que os direitos podem se transformar em direitos fundamentais “desde que cada ordenamento jurídico DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 40. 18 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2009, p. 29. 19 CUNHA JUNIOR, p.535. 20 SILVA NETO, p. 587. 17.

(23) 23. implante a norma internacional sobre direitos humanos, incorporando-a ao sistema nacional, conferindo-lhe, assim, natureza de Direito fundamental”.21 Quanto ao direito do consumidor e, inclusive, a liberdade de comércio, a nomenclatura mais apropriada realmente não pode se restringir àquelas dos direitos subjetivos, liberdades ou direitos individuais, pois a tutela destas prerrogativas é estendida para toda a coletividade. Todavia, conforme Robert Alexy, para uma teoria relacionada ao direito positivo não é recomendável assumir que direitos fundamentais e normas de direitos fundamentais seriam sempre dois lados da mesma moeda, em razão de que, nas disposições do catálogo de direitos fundamentais, existem normas que não correspondem diretamente a nenhum direito subjetivo. Recomendável, então, tratar o conceito de norma fundamental de forma mais ampla que o conceito de direito fundamental, como foi aventado.22 Na Teoria de Direitos Fundamentais de Robert Alexy, as normas fundamentais, dentro das quais se encontram os direitos fundamentais, seriam constituídas de dois tipos: aquelas normas de um determinado ordenamento jurídico ou de uma determinada Constituição, que são consideradas estabelecidas diretamente pelo texto constitucional, e as normas de direitos fundamentais atribuídas, ou seja, aquelas consideradas válidas quando possível uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais que a sustentem.23 Nesse sentido, pode-se argumentar que o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, quando traz em seu texto dispositivos de ordem principiológica que tutelam o direito fundamental de proteção ao consumidor previsto no inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal de 1988- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor24- a referida lei infraconstitucional seria um direito de norma fundamental atribuída. Por este motivo, a ciência jurídica passa a discutir qual seria o conteúdo dos direitos fundamentais que permite delimitar suas fronteiras conceituais, tema este trabalhado a seguir.. 21. SILVA NETO, p. 587-588. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 50-51. 23 Idem, p. 73-74. 24 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02.06. 2013. 22.

(24) 24. 1.2. Conteúdo dos Direitos Fundamentais e a proteção ao consumidor. Quando Alexy fala de normas fundamentais estabelecidas pelo texto constitucionais e normas de direitos fundamentais atribuídas, infere-se que a percepção da diferença entre os dois tipos de normas se reporta à materialidade das normas de direitos fundamentais, que é contraposta à ideia de direitos fundamentais formais. No mesmo raciocínio, Cunha Junior argumenta que é necessário estabelecer critérios para definir um conceito constitucionalmente adequado para os direitos fundamentais, partindo do pressuposto de que estes não passam de direitos humanos positivados nas Constituições estatais, ou seja, os direitos humanos positivados em nível interno, em oposição aos direitos humanos que se referem aos direitos previstos das declarações convenções internacionais.25 De fato, os direitos fundamentais, apesar de se radicarem no direito natural, a este não se restringem, uma vez o legislador positivo pode criar outros direitos que se coadunem com as opções de seu respectivo Estado. O primeiro critério proposto por Cunha Júnior é a dignidade da pessoa humana que constitui o critério basilar e vetor de identificação de todos os direitos fundamentais que àquela se reportam, em maior ou menor grau. Ocorre que este critério não é absoluto, nem exclusivo, pois as pessoas jurídicas também possuem certos direitos fundamentais.26 De acordo com este critério da dignidade humana, os direitos fundamentais seriam: “posições jurídicas que intitulam o homem de um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis para uma existência digna, livre, igual e fraterna de todas as pessoas”.27 Em suma, seriam aqueles direitos essenciais aos homens em sua convivência com outros homens e com o próprio Estado. Uma vez eleita a dignidade humana como núcleo essencial dos direitos fundamentais, Cunha Junior revela que estes, consequentemente, possuem duas dimensões, a subjetiva, que proporciona as pessoas de bens e posições jurídicas favoráveis e invocáveis diante do Estado e de terceiros, e a objetiva, que serve 25. CUNHA JÚNIOR, p. 537.538. Idem, p. 538. 27 Idem, ibidem, p. 538. 26.

(25) 25. como parâmetro conformador do modelo do Estado, buscando resguardar o homem na sua liberdade, nas suas necessidades e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e solidariedade).28. Ricardo Maurício Freire Soares também percebe tais dimensões, mas sob o ângulo de modalidades de eficácia do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, recomendando o reconhecimento de sua dúplice dimensão eficacial: a subjetiva e a objetiva.29 Soares explana que, em relação à dimensão subjetiva, a dignidade da pessoa humana corresponderia ao direito da pessoa de resistir à intervenção estatal na sua esfera de liberdade individual, bem como aparece quando pressupõe a ação estatal para implementar uma condição mínima de subsistência aos seus cidadãos. Na dimensão objetiva, a dignidade da pessoa humana basear-se-ia na percepção de que os direitos fundamentais independem dos seus titulares e constituem um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos de ação positiva dos poderes públicos.30 Contudo, a distinção mais usual é aquela empreendida entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material. Em outras palavras, procura-se destacar que os direitos fundamentais assim o são não apenas por sua previsão no documento escrito da Constituição, mas também em razão do seu conteúdo e importância, de modo que a própria Constituição de 1988 admite a existência de outros direitos fundamentais, como os direitos implícitos e os decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil faça parte, conforme autoriza o seu art. 5º, parágrafo 2º: TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I – Dos Direitos individuais e Coletivos Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos. 28. CUNHA JUNIOR, p.539. SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca de um direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 134. 30 Idem, ibidem, p. 134-135.. 29.

(26) 26. tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.31. Diante desta proposição, Cunha Junior escolhe unir os dois sentidos, formal. e material, para conceituar os direitos fundamentais e explica que estes consistem em normas-princípios, já que expressam mandados de otimização, constituindo-se em “princípios jurídico-constitucionais especiais que conferem densidade semântica” à dignidade da pessoa humana, realizando em última instância, a felicidade humana.32 Nesse diapasão, sustenta o referido autor o direito fundamental à efetivação da constituição através da emanação de atos legislativos, administrativos e judiciais de concretização da Constituição.33 O Código de Defesa do Consumidor constitui, portanto, a concretização do direito fundamental da defesa do consumidor. Tanto Robert Alexy quanto Dirley da Cunha Júnior trabalham com a teoria de quatro status de Georg Jellinek, a qual diferencia os direitos fundamentais em múltiplas funções: o status passivo ou subjectionis, o status negativo ou libertatis, o status positivo ou civitatis e o status ativo ou da cidadania ativa. Status, consoante Jellinek, é concebido como alguma forma de relação entre cidadão e Estado, uma relação que qualifica o indivíduo, significando uma situação, que se diferencia, por isso, de um direito. Seu pressuposto era o ser e não o ter jurídico da pessoa.34 No status passivo, o indivíduo encontra-se, por causa de sua sujeição ao Estado, no âmbito da esfera de obrigações individuais, o que dá ensejo a duas interpretações. Na primeira, significa que existe algum dever ou proibição estatal a qual a pessoa está sujeita ou que poderia legitimamente existir algum dever ou proibição. Na segunda, o status passivo é composto pela totalidade ou pela classe dos deveres e proibições que o Estado lhe impõe ou da totalidade ou da classe dos deveres e proibições para cuja imposição o Estado tem competência.35 Saliente-se que aquilo que é obrigatório ou proibido pode variar tanto quanto objeto da competência ou da sujeição, tornando necessário diferenciar entre o conteúdo do status e o próprio status enquanto tal. Assim, conteúdo de status 31. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02.06. 2013. 32 CUNHA JUNIOR, p. 540. 33 Idem, ibidem, 541. 34 ALEXY, p. 255. 35 Idem, ibidem, p. 256..

(27) 27. passivo é uma abstração acerca de determinadas posições, que podem ser inteiramente descritas com o auxílio das modalidades anteriormente mencionadas e reduzíveis a essas modalidades normativas.36 O status negativo de Jellinek é formado exclusivamente por faculdades, isto é, por liberdades jurídicas não-protegidas.37 O status positivo de Jellinek corresponde exatamente o contrário do negativo, ou seja, o indivíduo passa a exigir, através das instituições estatais, certas prestações positivas que possibilitem a satisfação de certas necessidades. 38 O status ativo, por sua vez, consiste naquela posição jurídica que assegura ao indivíduo a possibilidade de participar ativamente na formação da vontade política estatal, representada pela prescrição dos direitos políticos.39 Sobre a teoria dos status de Jellinek, Alexy aponta-a como o mais formidável exemplo de construção teórica analítica no âmbito dos direitos fundamentais e enumera como ponto fraco as nem sempre claras relações entre as posições elementares e os status, e as também nem sempre claras relações das diferentes posições elementares entre si. Destaca o autor que a grande utilidade prática dessa teoria é demonstrada a partir da constatação de que, nas áreas mais complexas dos direitos fundamentais, quando teorias deixam de lado o formal para se concentrarem apenas no conteúdo, elas não conseguem evitar inúmeras obscuridades e contradições.40 Assim, o principal problema da teoria de status de Jellinek é que ela não adentra no mérito do caráter material dos direitos fundamentais. Em que pese seus pontos negativos, a teoria de Jellinek, sobretudo, reflete o processo de emancipação do homem que começa pela conquista da liberdade frente à condição de objeto do Estado à posição de sujeito do próprio Estado. Desta sorte, para Cunha Junior, a teoria dos status merece ajustamento às exigências do constitucionalismo moderno, que será tratado no próximo capítulo, e defende que o status activus civilitatis deve compreender o status activus. 36. ALEXY, p. 257. Idem, ibidem, p. 259. 38 CUNHA JUNIOR, p. 543. 39 Idem. 40 ALEXY, p. 269-274. 37.

(28) 28. processualis de Peter Härbele, ou seja, a possibilidade do cidadão comum de participar da elaboração das leis.41 É certo, todavia, que os direitos fundamentais exercem uma função de defesa ou de liberdade, que se referem às competências negativas do Estado, pois se manifestam como óbices às intervenções daquele na esfera jurídica do indivíduo, criando posições subjetivas que outorgam a este o poder de exercer positivamente seus próprios direitos (liberdade positiva) e de exigir omissões do Estado para evitar agressões por parte dele mesmo (liberdade negativa).42 O direito de defesa compreende, destarte, os seguintes direitos: o direito ao não impedimento às ações do titular do direito fundamental, o direito à não afetação de propriedades e situações, o direito à não eliminação de posições jurídicas e o direito de este mesmo titular não exercer seu direito fundamental, sem que o Estado imponha o seu desfruto. Saliente-se que a função de defesa dos direitos fundamentais não impede totalmente a ação estatal, mas significa que esta não pode atuar abusivamente, transgredindo os limites constitucionais.43 É neste ponto que se concebe a não-intervenção do Estado na livre iniciativa e na livre concorrência de modo a impedir o saudável desenvolvimento econômico das empresas. O Estado, entretanto, deverá agir quando objetivar resguardar a economia, exercendo a função de prestação. Fala-se que a presença do Estado é exigida, assumindo uma postura ativa para atenuar as desigualdades materiais que debilitam o indivíduo. Desta forma, surgem os direitos fundamentais às prestações estatais, tais como saúde, educação, trabalho, habitação, que concretizam aqueles, e, no caso do presente estudo, a tutela do consumidor, mormente no tocante ao direito à informação. No mesmo sentido, as palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo: O direito à informação, no âmbito exclusivo do direito do consumidor, é direito à prestação positiva oponível a todo aquele que fornece produtos e serviços no mercado de consumo. Assim, não se dirige negativamente ao poder político, mas positivamente ao agente de atividade econômica.44. 41. CUNHA JUNIOR, p. 544. Idem. 43 Idem, ibidem, p. 545. 44 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2216>. Acesso em: 3 jun. 2013.. 42.

(29) 29. Nessa esteira, a prestação positiva do Estado pode ser jurídica (normativa) ou material, de utilidade concreta, como bens ou serviços. No tocante à prestação material, Cunha Junior aduz que tal direito fundamental corresponde aos direitos sociais, os quais somente podem ser efetivados se houver condições econômicas favoráveis no Estado em questão. O autor, então, pondera que os direitos sociais são efetivados na medida do possível (reserva do possível), em razão de dependerem de recursos econômicos.45 Ressalte-se que a reserva do possível, todavia, não reduz os direitos sociais a um mero apelo ao legislador por se tratarem de imposição constitucional legitimadora de transformações econômicas e sociais necessárias para a efetivação desses direitos. Ademais, havendo recursos, o indivíduo pode exigir a satisfação desses direitos, inclusive judicialmente.46 Cunha Junior menciona que a doutrina classifica certos direitos sociais como direitos self-executing, que carecem de legislação integradora, tornando-se direitos originários a prestações. Se a prestação material já se concretizou, a doutrina passa a falar de direitos derivados a prestações, que seriam posições jurídicas subjetivas deduzidas não diretamente das normais constitucionais definidoras de direitos fundamentais a prestações, mas da concretização destas pelo. legislador. infraconstitucional.47 Dessa forma, com a função prestacional dos direitos sociais, o indivíduo pode exigir não só diretamente a prestação prevista na Constituição, como também a atuação legislativa concretizadora dessas normas, legitimando também a atuação do judiciário em caso de omissão inconstitucional. Os direitos fundamentais também possuem uma função de proteção perante terceiros, em que o Estado deve proteger os titulares de direitos fundamentais mediante medidas positivas e eficientes de eventuais agressões de outros indivíduos.48. 45. CUNHA JUNIOR, p. 545. Idem, ibidem p. 547. 47 Idem. 48 Idem, ibidem, p. 549. 46.

(30) 30. A função de não discriminação dos direitos fundamentais, por seu turno, parte da imposição de que um Estado deve tratar seus cidadãos com absoluta igualdade.49 A teoria das funções e a teoria de status de Jellinek, como já aventado, refletem a concatenação lógica da trajetória dos direitos fundamentais, entre eles a da defesa do consumidor, que, desde a sua origem, foram tratados como os valores mais importantes da convivência humana. Tal trajetória será tratada a seguir.. 1.3. A tutela do consumidor na trajetória e nas dimensões dos Direitos Fundamentais. Paulo Gustavo Gonet Branco relata que os direitos fundamentais concebidos como princípios jurídico-constitucionais especiais, que concretizam a dignidade humana, surgiram a partir dos séculos XVII e XVIII com a criação do Constitucionalismo, em razão do reconhecimento daqueles nas primeiras normas constitucionais.50 Na concepção inicial, encontravam-se os homens no estado da natureza, em que eram livres e iguais e sua única preocupação era com a sobrevivência. Com a socialização, o homem se torna escravo, mas não se retrai por completo e inicia uma história de lutas. Nesse contexto, observa-se que os direitos fundamentais são frutos de um processo histórico. Os direitos fundamentais estavam ligados, pois, ao postulado jusnaturalista, ou seja, são direitos inatos preexistentes, que devem apenas ser conhecidos pelo ordenamento jurídico-positivo. Esse processo de positivação se inicia com as Declarações solenes para, posteriormente, serem previstos nas Constituições de cada Estado.51 Assim, a evolução dos direitos humanos é acompanhada por um fenômeno de crise das liberdades52, ou seja, pelas lutas por novas liberdades em face de 49. CUNHA JÚNIOR, p. 549. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 104-107. 51 CUNHA JUNIOR, p. 551. 52 Idem, ibidem, p. 552.. 50.

(31) 31. velhos poderes, sempre colocando a dignidade humana como fato que torna todos os homens iguais. Haveria, então, uma afirmação progressiva ou gradual dos direitos humanos53, remontando à antiguidade, na democracia de Atenas no século VI a. C., em que o povo se governou a si mesmo. Quanto ao direito do consumidor, ainda que recente na doutrina e na legislação, cujo surgimento, como ramo do Direito, deu-se, principalmente, na metade do século passado, apontam-se indiretamente seus contornos, de forma esparsa, em diversas normas, jurisprudências e costumes dos mais variados países. Saliente-se, porém, que o direito consumerista não era concebido como uma categoria jurídica distinta e que, também, não recebia a denominação que hoje se apresenta. Encontra-se como um dos primeiros instrumentos de que se tem conhecimento em relação à tutela do consumidor, o Código de Hamurabi (2300 a.C.) que protegia o comprador nos casos de serviços deficientes e procurava evitar o enriquecimento sem causa dos vendedores. Também o Código de Manu, vigente na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do século XII a.C., protegia os consumidores indiretamente ao tentar regular as trocas comerciais.54 A Lei das XII Tábuas, por seu turno, já exigia do vendedor uma obrigação de transparência, exigindo que ele definisse as qualidades essenciais dos produtos e proibindo-o de fazer publicidade mentirosa: Tábua VI - Da propriedade e da posse 1. Se alguém empenhar a sua coisa ou vender em presença de testemunhas, o que prometeu terá força de lei. 55 2. Se não cumprir o que prometeu, que seja condenado em dobro.”. Letícia Canut relata que, desde os primórdios, havia manifestações que pretendiam proteger os compradores dos abusos cometidos pelos vendedores56. No. entanto,. todas essas manifestações consistiram em iniciativas. fragmentadas.. 53. CUNHA JUNIOR, p. 553. SOUZA, Déborah, 2008, p. 22. 55 LEI DAS XII TÁBUAS. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm>. Acesso em: 29 out. 2012. 56 CANUT, Letícia. Proteção ao Consumidor no Comércio Eletrônico. 1. ed. Curitiba, Juruá, 2008, p. 77-78. 54.

(32) 32. Voltando para os direitos fundamentais em geral, na época de ouro da República romana, diferentemente da soberania popular ativa da democracia ateniense, o poder político sofria limitações através do sistema de freios e contrapesos entre os órgãos políticos. Quanto à doutrina antiga do cristianismo, esta é indicada como antecedente básico dos direitos humanos, em razão da mensagem cristã de que a dignidade humana pertence a todos os homens sem distinção, por terem sido estes criados à imagem e semelhança de Deus. As teorias contratualistas do século XVII e XVIII são influenciadas por essa ideia de direito natural do homem que limita o Estado.57 Em seguida vem a Reforma protestante que consolida os direitos fundamentais ao reivindicar o reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto. Impende mencionar a época das declarações de direitos, que possuem uma tendência jusnaturalista58 e seguiram três etapas: na primeira, surgem como teorias filosóficas, comunicando tão-somente a expressão de um pensamento individual; na segunda passa-se da teoria para a prática dos direitos fundamentais, mas estes valem somente no âmbito dos Estados que os reconhecem e, por fim, na terceira fase, com a Declaração Universal de 1948, os direitos fundamentais ganham caráter universal e positivo, valendo para todos os homens, até mesmo contra o próprio Estado. Destaque-se que a Carta Magna de 1215, apesar de ser uma carta feudal, a qual pactuava interesses dos barões e homens livres, minorias na Inglaterra à época, foi um importante marco do reconhecimento dos direitos fundamentais e do constitucionalismo, em razão de, pela primeira vez na história, vincular o rei às próprias leis que edita, trazendo, ademais, garantias de judicialidade, de devido processo legal, de proporcionalidade da pena à gravidade da transgressão cometida, etc. De fato, o devido processo legal e a judicialidade previstos na Carta Magna são considerados os primeiros direitos fundamentais pela doutrina. 59. 57. CUNHA JUNIOR, p. 556. Idem, ibidem, p. 556-557. 59 Idem, ibidem, p. 559. 58.

(33) 33. Contudo, os direitos declarados na Magna Carta não ostentavam o caráter de autênticos direitos fundamentais, uma vez que foram prescritos com o cunho estamental, para as castas privilegiadas. Por sua vez, a Petition of Rights de 1628 foi um documento do Parlamento Inglês dirigido ao Rei que previa o reconhecimento de direitos e liberdades para os súditos. Em verdade, rogava a observância pelo Rei dos direitos e liberdades já estabelecidos pela Magna Carta, em troca de recursos financeiros. O Habeas Corpus Act de 1679 foi a mais sólida garantia de liberdade individual, à época, que suprimiu as prisões arbitrárias.60 Na mesma linha do habeas-corpus, surgiu o mandado de segurança no Brasil. O Bill of Rights de 1689, que decorreu da Revolução Gloriosa de 1688, afirmou a supremacia do Parlamento, instituiu a separação dos poderes e criou a monarquia constitucional submetida à soberania popular, eliminando o regime de Estado absolutista, além de fortalecer a instituição do júri e reafirmar os direitos fundamentais de petição e proibição de penas inusitadas ou cruéis.61 O Ato de Sucessão do Trono de 1707 complementou o Bill of Rights, reforçando as limitações à monarquia. Infere-se que as declarações inglesas ajudaram a consolidar os direitos fundamentais, mas, por se limitarem a reduzir o poder do Rei, protegendo o povo de arbitrariedade e fundando a supremacia do Parlamento, não podem ser consideradas como registro de nascimentos desses, porque não vinculavam o Parlamento. A primeira Declaração de Direitos no sentido moderno foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 1776, a qual tinha inspiração profundamente jusnaturalista e acolheu o princípio da soberania popular, a separação das funções legislativa, judicial e executiva, entre outros direitos fundamentais. Tal declaração inspirou o surgimento de outras Declarações das ex-colônias inglesas na América, bem como influenciou a própria Constituição norte-americana de 1787 e suas primeiras dez emendas de 1789.62 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, de cunho pedagógico e jusnaturalista, que foi o marco do constitucionalismo liberal por razão 60. MENDES, COELHO; BRANCO, p. 106. CUNHA JUNIOR, p. 562. 62 Idem, ibidem, p. 563-566. 61.

(34) 34. da universalidade de seus princípios, ainda está em vigor na França e tem três caracteres fundamentais: o intelectualismo, fruto de fundamento filosófico e político; o mundialismo, pois tem conteúdo universal, além-fronteiras, e o individualismo por que só prevê liberdades dos indivíduos, não consagrando as liberdades coletivas63. A doutrina classifica os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem e Direitos do Cidadão, constituindo os primeiros em liberdades (de agir ou não agir independentemente do Estado) e os segundos em poderes (de participar no exercício do poder político). A declaração francesa confirma a existência do Estado como instrumento por meio do qual o homem satisfaz seus direitos e alcança a felicidade. Logo, a sociedade que não assegura o exercício dos direitos fundamentais nem a separação de poderes não tem constituição. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 foi considerada o principal feito no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos, servindo de fonte de inspirações de diversas cartas constitucionais e diversos tratados internacionais de direitos humanos, e consagrando os três valores fundamentais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, através dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, dos deveres da pessoa para com a comunidade e do princípio de interpretação sempre em benefício dos direitos e garantia nela proclamados.64 De tal modo, os direitos humanos passam, com a criação das Nações Unidade de 1945 e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a deixar de ser uma questão interna de Estados nacionais e tornam-se matéria de interesse de toda a comunidade internacional. Com a criação de Cortes Internacionais de Direitos Humanos, a questão da soberania é superada por conta da submissão dos Estados às normas internacionais de Direito humanos. Além disso, com as Declarações acima analisadas, a cidadania ativa e participativa é afirmada, o Estado torna-se o instrumento e o homem o fim, a base do próprio Estado. Como se depreende dos antecedentes históricos dos direitos fundamentais, a doutrina passa a analisar a evolução desses direitos pelas gerações ou dimensões 63 64. CUNHA JUNIOR, p. 566-571. Idem, ibidem, p. 571-578..

(35) 35. dos direitos, em razão do movimento histórico de expansão e afirmação progressiva dos direitos fundamentais, que trazem como consequência fundamental a irreversibilidade. dos. direitos. reconhecidos,. aliada. ao. fenômeno. da. sua. complementaridade, ou seja, trata-se de um processo cumulativo, pois as dimensões daqueles não podem ser examinadas isoladamente, uma vez que a certeza e eficácia de umas dependem da certeza e eficácia das demais. As três dimensões ou gerações dos direitos fundamentais resguardam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, consoante lema da Revolução Francesa. Todavia, hodiernamente, já se fala em quarta geração ou dimensão. Sobre a expressão geração de direitos, parte da doutrina entende que a mesma é equívoca, sob o argumento de que geração implica a ideia de superação ou substituição gradativa de uma geração por outra. Comenta Sarlet: [...] Ressalte-se, todavia, que a discordância reside essencialmente na esfera terminológica, havendo, em princípio, consenso no que diz com o 65 conteúdo das respectivas dimensões e “gerações” de direitos.. Para Cunha Júnior, o termo dimensões é mais adequado, não pelo motivo acima delineado, mas porque os direitos reconhecidos em uma geração assumem outra dimensão quando em relação com novos direitos gerados posteriormente.66 Como os direitos fundamentais de primeira geração ou direitos civis e. políticos foram os primeiros solenemente reconhecidos nas Declarações do século XVIII e nas primeiras constituições escritas, coincidem com a origem do constitucionalismo moderno. Eles expressam as liberdades públicas dos franceses, os direitos civis à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade, posteriormente contemplando os direitos de expressão coletiva como o direito de reunião e os direitos políticos. Na teoria de Jellinek correspondem ao status negativus. Nesse ponto, fala-se do direito à livre inciativa e à livre concorrência. Vislumbra-se que o direito do consumidor, apesar de ser um direito classificado. como. de. terceira. geração,. também abrangeria. características. encontradas no rol dos direitos de primeira dimensão quando aquele se reporta à liberdade de escolha do consumidor em adquirir o produto ou serviço que desejar e de qualquer fornecedor que preferir. 65 66. SARLET, p. 45. CUNHA JUNIOR, p. 581-582..

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