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2. O MOVIMENTO DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO,

2.2. Conceito de constitucionalização do direito

A expressão Constitucionalização do Direito117 ou Neoconstitucionalismo possui múltiplos sentidos, os quais podem ser classificados como: a) Constituição e Supremacia; b) Incorporação formal na Constituição do direito infraconstitucional e c) Efeito expansivo das normas constitucionais com força normativa a todo o sistema.118

Luís Roberto Barroso descarta os dois primeiros sentidos da seguinte maneira:

117

A nomenclatura NEOCONSTITUCIONALISMO é utilizada para designar o Constitucionalismo Contemporâneo. Vide BARROSO, In: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. (b).

[...] Por ela se poderia pretender caracterizar, por exemplo, qualquer ordenamento jurídico no qual vigorasse uma Constituição dotada de supremacia. Como este é um traço comum de grande número de sistemas jurídicos contemporâneos, faltaria especificidade à expressão. Não é, portanto nesse sentido que está aqui empregada. Poderia ela servir para identificar, ademais, o fato de a Constituição formal incorporar em seu texto inúmeros temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito. Embora seja essa uma situação dotada de características próprias, não é dela, tampouco, que será cuidando.119

Desse modo, o termo constitucionalismo do Direito assume a ideia vinculada a um efeito expansivo das normas constitucionais, fruto de sua força normativa, trazendo um conteúdo que se irradia por todo o direito infraconstitucional. A constitucionalização do Direito, consequentemente, reflete-se no âmbito dos três Poderes, nas relações destes com os cidadãos e nestes próprios.

Para o Legislativo, o mencionado fenômeno limita sua discricionariedade quando da edição de leis, pois tem que atuar conforme preceituam as normas constitucionais, sejam elas prescritivas ou programáticas; para o Poder Executivo, além da limitação à discricionariedade e a imposição de deveres, proporciona-lhe a aplicação direta de atos que estejam devidamente fundamentados na Constituição, independentemente da interferência de leis infraconstitucionais.

Para o Judiciário, além de parâmetro para o controle de constitucionalidade, a Constituição consiste na fonte de interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico.

Para os particulares, finalmente, a constitucionalização do Direito subordina- os em sua autonomia da vontade, como bem aduz Barroso, aos valores constitucionais e ao respeito aos direitos fundamentais.120

Nesse sentido, o autor ensina que constitucionalização expressa a irradiação dos valores constitucionais pelo sistema jurídico. Todavia, este não é o único fenômeno da expansão da jurisdição constitucional.121

De fato, com a Constituição de 1988 houve um aumento da demanda por justiça na sociedade brasileira pela redescoberta da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos.122

119 BARROSO, p. 351. (b) 120

Idem, ibidem. 352. (b)

121

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, (c) p. 406.

Observou-se, com isso, no Brasil, a ascensão institucional do Poder Judiciário, que passou a desempenhar papel político, modificando sua relação com a sociedade, bem como impondo reformas estruturais e suscitando questões complexas sobre a extensão de seus poderes.

Por esses motivos, Barroso acusa a verificação, no país, de uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final.

Como exemplo desse movimento cita o autor alguns temas debatidos no STF e outros tribunais como a questão das políticas públicas – reforma previdenciária e reforma do judiciário, as relações entre poderes – atuação das CPIs e papel do Ministério Público na investigação criminal, direitos fundamentais – aborto de anencéfalo e pesquisa com células troncos, e questões do dia a dia das pessoas – assinatura telefônica, passagens de transporte coletivo, mensalidade de plano de saúde. 123

A conclusão a que Barroso e a doutrina constitucionalista brasileira chegaram é a de que os métodos de atuação e de argumentação dos órgãos judiciais são jurídicos, mas a sua função é inegavelmente política.

Barroso coloca, assim, como pontos polêmicos sobre tal fenômeno, a questão da legitimidade democrática da função judicial e o controle das políticas públicas.

Tais problemas transparecem porque não existem fronteiras fixas e rígidas entre Direito e Política.

Nesse raciocínio, haveria duas linhas de justificação para as cortes constitucionais.

Na primeira, a Constituição é expressão maior da vontade do povo e deve prevalecer sobre as leis, que são manifestações das maiorias parlamentares. Na segunda, é reconhecido o papel do intérprete na atribuição de sentido à norma e busca-se a preservação das condições essenciais ao funcionamento do Estado democrático, cabendo ao juiz constitucional assegurar valores substantivos determinados e observar os procedimentos adequados de participação e deliberação.124

123BARROSO, p. 408-409, (c). 124Idem, ibidem, p. 409-410. (c).

Aplica o autor o mesmo raciocínio à questão das políticas públicas, que a seu ver aponta para o desenvolvimento de parâmetros objetivos de controle. Segundo ele, tais questionamentos refletem os embates travados no campo da filosofia constitucional contemporânea, dos quais cita ativismo versus contenção judicial, interpretativismo versus não interpretativismo, constitucionalismo popular versus supremacia judicial.125

De fato, tal debate segue a história do constitucionalismo norte-americano e representa em sua essência a tensão entre constitucionalismo e democracia.

No Brasil, só mais recentemente se começam a produzir estudos acerca do ponto de equilíbrio entre supremacia da Constituição, interpretação constitucional pelo Judiciário e processo político majoritário. O texto prolixo da Constituição, a disfuncionalidade do Judiciário e a crise de legitimidade que envolve o Executivo e o Legislativo tornam a tarefa complexa.126

Diante desse quadro, Barroso emite seu juízo acerca da distinção entre direito e política, a qual ele considera como essencial no Estado constitucional democrático.

Em outras palavras, na política, vigoram a soberania popular e o principio majoritário e, no direito, vigora o primado da lei e do respeito aos direitos fundamentais.

Contudo, no plano da criação do direito, não é possível separar direito da política, uma vez que, nessa etapa, o direito é produto da vontade da maioria.

Para Barroso, o momento ideal para empreender tal separação é na aplicação do direito, que se torna não somente possível como também desejável, através de mecanismos destinados a evitar a interferência do poder político sobre a atuação judicial, incluindo limitações ao legislador que não pode editar leis retroativas, destinadas a situações concretas. Em realidade, a Constituição é o primeiro e principal elemento na interface entre política e direito.127

A Constituição, então, reserva ao Poder Judiciário atribuições tidas como fundamentalmente técnicas, pois os juízes não são eleitos, mas ingressam nesse Poder por meio de concurso público, na esfera de primeiro grau.

125

BARROSO, p. 411. (c)

126Idem, ibidem, p. 417. (c) 127Idem, p. 416. (c)

Somente nos tribunais superiores é que há uma maior influência política, mas, ainda com sujeição a parâmetros constitucionais. Sua atribuição típica é aplicar o direito a situações de litígio entre as partes segundo solução abstratamente prevista em lei, ou seja, não há criação, apenas declaração de resultado já previsto.

Nessa perspectiva de Barroso, fala-se da pretensão de autonomia do Judiciário e do direito em relação à política, através da independência daquele em relação aos órgãos políticos de governo e a vinculação ao direito, determinada pela Constituição e pelas leis.

Assim, as questões de princípios devem ser decididas por cortes constitucionais com base em argumentos de razão pública.

Barroso entende que direito é diferente da política, mas que a linha divisória entre ambos nem sempre é nítida ou fixa. Assim, a supremacia judicial, das cortes constitucionais e, consequentemente, do Poder Judiciário, acerca do dizer o que é o direito envolve, consoante o autor, o exercício de um múnus político, que tem suas implicações para a legitimidade democrática.128

Destarte, traz a lei e sua interpretação como ato de vontade, uma vez que, para ele, tanto a criação quanto a aplicação do direito dependem da atuação de um sujeito, seja ele o legislador ou o intérprete.

Argumenta Barroso que “na interpretação de normas cuja linguagem é aberta e elástica, o direito perde muito da sua objetividade e abre espaço para valorações do intérprete”.129

Haveria ainda um desacordo moral razoável, pelo fato de haver uma sociedade pluralista e diversificada, em razão de pessoas que pensam de maneira radicalmente contrária.130

Diante desse quadro, trata-se da colisão de normas constitucionais, cuja solução não é encontrável “pré-pronta”, pois necessita ser desenvolvida justificadamente pelo intérprete.131

No âmbito do direito do consumidor, encontramos a colisão entre os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência do fornecedor em face da proteção do consumidor, que como vimos, também é um direito fundamental, o qual não se restringe apenas a um indivíduo, mas que por ser também difuso, pode afetar

128 BARROSO, p. 422. (c) 129 Idem, p. 423. (c) 130Idem, ibidem.(c) 131Idem p. 424. (c)

diferentes grupos, classes, culturas e, inclusive, toda a humanidade que se encontra numa relação de consumo ou que por esta é afetada, seja nas relações jurídicas tradicionais ou cibernéticas.

Daí vem a interpretação constitucional, seus métodos e sua adaptação ao multiculturalismo e ao constitucionalismo global que permeiam as relações de consumo no meio virtual, os quais servem de instrumento para que o intérprete possa compreender e melhor resolver os conflitos desse fenômeno. Este tema será abordado a seguir.

2.3. Multiculturalismo, Constitucionalismo Global e seus impactos nas