• Nenhum resultado encontrado

Multiculturalismo, Constitucionalismo Global e seus impactos nas relações de

2. O MOVIMENTO DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO,

2.3. Multiculturalismo, Constitucionalismo Global e seus impactos nas relações de

Segundo Marcelo Neves, a sociedade moderna surge como uma sociedade mundial, porque sua formação é desvinculada das organizações políticas territoriais, e por seu horizonte das comunicações ultrapassar as fronteiras territoriais do Estado, bem como constituir-se de uma conexão unitária de uma pluralidade de âmbitos de comunicação em relações de concorrência, e, simultaneamente, de complementaridade.132

Logo, num Estado Constitucional, a democracia enfrenta a problemática de atender aos anseios e interesses de uma sociedade plural, como é aquela encontrada no Brasil e, geralmente, no mundo ocidental.

Alejandro Herrera sintetiza a mencionada problemática com os principais pontos de conflito do constitucionalismo numa sociedade plural:

Los puntos convergentes del pluralismo son el ataque al monopólio del poder del Estado, el temor a Ia concentración de poder en un solo miembro o institución, Ia necesidad de garantizar Ia participación de intereses diversos y el papel del individuo como centro de Ia actuación política. La complejidad de intereses es fundamental en el enfoque pluralista.

(...) Precisamente, Ia democracia busca darle cabida a Ia heterogeneidad de intereses y maximizarlos. En este sentido, una democracia se limita a garantizar Ia expresión de los diversos intereses.133

132

NEVES, p. 26.

133

ELSTER, Jon; SLAGSTAD, Rune. Constitucionalismo y democracia: estudio introductorio de Alejandro Herrera M. Traducción de Mónica Utrilla de Neira. México: Fondo de cultura Econômica, 1999, p. 20.

A sociedade plural, portanto, exige do Estado um tratamento multicultural, que garanta a preservação da dignidade humana em todos os grupos e, como dito acima, a expressão dos interesses mais diversos.

Antes de questionar a postura do Estado é necessário, entretanto, definir o que seria então multiculturalismo.

Multiculturalismo tem conotação positiva, significando a coexistência pacífica de diferentes grupos.

Com o mesmo entendimento Renata Francisco Baldanza e Nelsio Rodrigues de Abreu definem que multiculturalismo:

[...] refere-se à coexistência enriquecedora de diversos pontos de vista, interpretações, visões, atitudes, provenientes de diferentes bagagens culturais. O termo serve de etiqueta para uma posição intelectual aberta e flexível, baseada no respeito desta diversidade e na rejeição de todo preconceito ou hierarquia.134

Nesse sentido, o constitucionalismo global surge para permitir esse diálogo entre as culturas, de maneira que grupos, tanto aqueles compostos pela maioria quanto pelas minorias, sejam representados no Estado Democrático de Direito, que é plural.

No campo do direito do consumidor, consoante Ardyllis Alves Soares, o multiculturalismo das relações de consumo advém da questão da produção massificada, uma vez que as mudanças decorrentes desta refletem sobre o comportamento de afronta ao padrão único pelas ideias da identidade cultural e do diálogo das fontes.135

O multiculturalismo, todavia, surge como o grande tema, para o Direito e para a Política, com o fim da Era Moderna, que foi um dos períodos de forte transformação política e econômica, tendo como ponto de referência histórico a Revolução Francesa.

Na época da Revolução Francesa, a ideia de igualdade entre os cidadãos substituiu o predomínio do clero e da nobreza e propiciou o pensamento de

134BALDANZA, Renata Francisco; ABREU, Nelsio Rodrigues de. Comunidades virtuais: reflexões

sobre multiculturalismo e cosmopolitismo na rede. Trabalho apresentado no II ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado de 03 a 05 de maio de 2006, na Faculdade de

Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. Disponível em:

<http://www.cult.ufba.br/enecul2006/renata_francisco_baldanza.pdf>. Acesso em 10 jun. 2013.

134

SOARES, Ardylles Alves. O multiculturalismo nas relações de consumo. In: OLIVEIRA JUNIOR, Alcebíades de (org). Direitos Fundamentais e Contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012, p. 107.

isonomia, com ascensão da relação e da liberdade contratuais e do fomento à livre circulação de riquezas, conforme pensamento da burguesia.

Contudo, como narra Ardyllis Soares, não tardou para que a referida igualdade entre todos se mostrasse verossímil apenas no âmbito ideológico, como também houve o reconhecimento de que a sociedade era plural, com características, comportamentos, culturas e demandas diferentes. 136

De fato, em diversas ocasiões em que variados grupos vivem sob um mesmo contexto geográfico, suas diferenças culturais foram e continuam sendo utilizadas como fundamentos para desarmonias e conflitos.

Tal desarmonia é classificada por vezes como a crise da democracia, da cidadania.

Segundo Ardyllis Soares, o maior desafio no contexto pós-moderno é justamente harmonizar todos os interesses destes diversos grupos, passando por várias formas de respeito às culturas, até tratamentos legislativos diferenciados para casos em que a especificidade da situação requer regramento diferenciado em razão da complexidade do contexto pós-moderno da civilização e pela necessidade de reconhecimento de diferenças culturais.137.

Tais diferenças culturais são expressivas no mundo globalizado, em que diferentes grupos convivem nas mesmas fronteiras e fora delas, diante do avanço tecnológico que diminui as distâncias.

No contexto da União Europeia e da questão da imigração, Dieter Grimm analisa a problemática do multiculturalismo com o Direito. Segundo ele:

Los conflictos que surgen del encuentro de culturas diferentes desembocan con no poca frecuencia en controvérsia jurídicas. Por lo común, la cuestión se plantea entonces no en todo su alcance, sino específicamente como colisión entre mandatos o prohibiciones del Derecho local y ciertos comportamentos exigidos por la religión o determinadas costumbres inherentes a la cultura del país de origen. Colisiones de este tipo no pueden ser solucionadas optando de antemano por el ordenamiento jurídico vigente con carácter general, porque los inmigrantes pueden invocar en favor de sus valores y formas de vida derechos fundamentales que, por más que al consagrarlos aún no se pensara en el conflicto entre culturas diferentes o incluso enfrentadas, mediante su formulación general establecen criterios igualmente aplicables en ese contexto.138

136

SOARES, Ardyllis, ibidem, p. 101-102.

137

Idem, ibidem, p. 103.

138

DENNINGER, Erhard; GRIMM, Dieter. Derecho constitucional para la sociedad multicultural. Edición y traducción de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Editoral Trotta, 2007, p. 53-55.

Assim, Grimm acena como resposta uma solução constitucional para os conflitos culturais através da investigação dos direitos fundamentais nas relações sociais.

Os exemplos desses conflitos citados por Grimm reportam-se em sua maioria à questão da religiosidade, a exemplo da proibição de turbantes em escolas públicas europeias, a liberação ou não dessas alunas das aulas de educação física, o fornecimento ou não de comida kosher, ou seja, a que segue a tradição de preparo e ingredientes da alimentação judia, para presos, a liberação ou não dos mulçumanos para rezarem ou comemorarem dias santos no horário de trabalho, a transfusão de sague em religiões que não a permitem, como testemunhas de Jeová, o ensino religioso na escola versus o ensino laico, a permissão da poligamia ou não, etc.139

Inúmeros outros problemas podem ser citados e muitos deles podem ser encontrados no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, que é Laico, mas que devido à sua formação histórica de país colonizado e receptor de alto fluxo imigratório, é constituído por uma população multicultural.

Como se depreende, nesses casos, há um conflito que se reporta à liberdade do indivíduo, seja ela religiosa ou sobre outro enfoque cultural e que afeta a sua dignidade enquanto cidadão e membro de dada comunidade, família, escola ou ambiente de trabalho.

Assim, é possível definir o multiculturalismo como uma questão de política do Estado, que quando analisada sob o enfoque de um Estado Democrático de Direito, liga-se imediatamente ao Estado Constitucional, o qual guarda e harmoniza os direitos fundamentais, através do reconhecimento das diferenças.

Nesse sentido, Charles Taylor comenta:

Alguns aspectos da politica actual estimulam a necessidade, ou, por vezes, a exigência, de reconhecimento. Pode-se dizer que a necessidade é, no âmbito da política, uma das forças motrizes dos movimentos nacionalistas. E a exigência faz-se sentir, na política de hoje, de determinadas formas, em nome dos grupos “minoritários” ou “subalternos”, em algumas manifestações de feminismo e naquilo que agora, na politica, se designa por “multiculturalismo”.140

Levando a discussão às relações de consumo, Ardyllis Soares aponta como outro ponto marcante do surgimento do multiculturalismo, a época da Revolução

139

DENNIGE; GRIMM, p. 55.

Industrial, que aumentou exponencialmente a produção, trazendo um acúmulo excedente, fazendo com que os fornecedores criassem artifícios para aumentar a demanda de modo que esta não ficasse limitada a atendimento de necessidades básicas ou mínimas. Consoante ele, é “deste momento que surge a necessidade de instigar o consumidor a adquirir produtos além de sua necessidade básica ou que sequer tenha necessidade, sendo por mero impulso, ostentação ou hedonismo.”141

Num primeiro momento, a produção era padronizada, com pouca ou nenhuma possibilidade de adaptação ou personalização de produtos, pois o que importava, naquele contexto, era exclusivamente o aumento de produção.

Logo, era o fornecedor que impunha o padrão, cabendo aos consumidores se adequar ao produto ou refutá-lo totalmente142.

Posteriormente, a necessidade de atender prazeres instantâneos e efêmeros se tornou cada vez maior, causando um novo fenômeno: as relações de consumo, que traz um consumidor exigindo dos fornecedores atendimento às suas mais variadas demandas143.

Em outras palavras, o contexto, agora, era de “atendimento de demandas” de como o produto deverá ser feito e ofertado, sejam estas adaptações por questões culturais, religiosas ou uma mera preferência local, sob o ônus de o produto ser ignorado pelo público consumidor, deixando espaço para a entrada de concorrentes. É desse quadro, expõe Ardyllis Soares, que surge o multiculturalismo nas relações de consumo, em que os gigantes do mercado mundial ficam subservientes aos hábitos ou costumes de consumo dos mais variados.144

No meio virtual, o multiculturalismo ganha outros contornos.

Segundo Renata Francisco Baldanza e Nelsio Rodrigues de Abreu, com o surgimento da internet, uma nova forma de organização comunitária emerge: as comunidades virtuais. Explicam sobre as comunidades virtuais:

Elas envolvem indivíduos num espaço onde as diversas culturas se misturam, uma vez que seus participantes podem ser de locais distintos. A partir desse contato e trânsito de seus membros por vários ambientes virtuais e principalmente de sua interação com pessoas de locais e culturas diferentes é que se podem vislumbrar as comunidades virtuais como potencializadoras de uma nova forma de cosmopolitismo.145

141 SOARES, Ardyllis, p. 103. 142 Idem, ibidem, p. 104. 143 Idem. 144 SOARES, Ardyllis, p. 105. 145

BALDANZA, Renata Francisco; ABREU, Nelsio Rodrigues de. Comunidades virtuais: reflexões sobre multiculturalismo e cosmopolitismo na rede. Trabalho apresentado no II ENECULT - Encontro

A comunidade virtual global, nesse diapasão, representa a forma mais extrema de multiculturalismo social, mas que, conforme reflete os autores, é possível dela extrair um cosmopolitismo no sentido de que cada indivíduo pode interagir e expressar sua cultura e individualidade.

Segundo Ardyllis Soares, o cosmopolitismo das relações de consumo pode ser compreendido através da teoria da pós-modernidade com base na doutrina de Erik Jayme, que explica as características desta sociedade multicultural encontrada no mundo globalizado. Salienta ele que, com relação ao indivíduo, o multiculturalismo tem afinidade extrema com a possibilidade de cada um poder exercer a sua individualidade da forma que desejar, uma vez que a diferença é algo inerente ao ser humano diante da multiplicidade de crenças religiosas, culturas, origens, hábitos, etc., que criam uma pluralidade de povos com demandas variadas e até em alguns casos incompatíveis com outros grupos.146

Como primeiro postulado da teoria, apresenta-se o pluralismo contratual, em que variados são os contratantes, os contratados e em que a própria relação contratual não é mais uma, com regramento normativo também diversificado.147

Como segundo postulado enumera a comunicação, que tem relação com a necessidade de ofertar ao outro todas as informações necessárias para uma escolha adequada.148

Logo, fica clara a necessidade de tratar o outro como parceiro contratual “e não como um mero meio para o aumento do lucro da empresa”, proporcionando uma relação contratual mais harmônica diante da possibilidade do contratante de refletir sobre a oferta.149

O terceiro postulado seria a narração, que tem como fundamento a necessidade de que “contratos e regras jurídicas não devem ter somente o condão de criar, extinguir ou modificar direitos”. Para Ardyllis Soares, narração não obriga, mas descreve valores, consoante apreende da teoria de Jayme.150

Dos postulados da Comunicação e da Narração, destaca-se com relevância o direito à informação no âmbito das relações de consumo, uma vez que a relação

de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado de 03 a 05 de maio de 2006, na Faculdade de

Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. Disponível em:

<http://www.cult.ufba.br/enecul2006/renata_francisco_baldanza.pdf>. Acesso em 10 jun. 2013.

146 SOARES, Ardyllis, p. 107. 147 Idem, ibidem, p.106-107. 148 Idem. 149 Idem, ibidem, p. 108. 150 Idem, ibidem, p. 109.

jurídica só não será eivada de vício se for dado ao contratante as informações que permitam a este uma decisão clara.151

O último postulado consiste no “retour de sentiments”, que se caracteriza pela exteriorização dos sentimentos, em suas mais variadas vertentes, referindo-se ao predomínio da emoção sobre a razão, que podem até levar os homens a prejuízos, a exemplo dos casos de aumento do turismo, do superendividamento, crescimento da prática de esportes radicais, que denotam a busca por sensações como fugas da normalidade. Tais sentimentos teriam aspectos negativos, que se reportam aos sentimentos de aversão ou ódio, perseguições a grupos minoritários, e aspectos positivos que se ligam a necessidade de reconhecimento de demandas específicas desses grupos minoritários. Para o autor, essa sentimentalidade denota o fato de que o homem pós-moderno toma decisões com relativa inconsciência, sendo fortemente influenciado por vontades externas de desejo ou aversão.152

Assim, a sociedade pós-moderna, diante desses postulados, com relações de consumo que ultrapassam o nível supranacional e/ou inclusive virtual, exige o atendimento das vontades e dos interesses de cada cultura e cada indivíduo a partir de um modelo de constitucionalismo mais universal.

Nesse sentido Marcelo Neves apregoa:

Proponho que os direitos humanos sejam definidos primariamente como expectativas normativas de inclusão jurídica de toda e qualquer pessoa na sociedade (mundial) e, portanto, de acesso universal ao direito enquanto subsistema social.153

Corroborando tal entendimento, Eduardo Ribeiro Moreira ensina que este modelo é representado pelo constitucionalismo global que “passa a ser entendido como um desdobramento das diversas experiências constitucionais para lidar com problemas globais não resolvidos”.154

Nessa perspectiva, aqueles direitos fundamentais considerados nucleares à dignidade humana de todas as constituições no mundo seriam respeitados e reconhecidos em qualquer parte e momento, inclusive no âmbito das relações de consumo do comércio eletrônico.

Desse modo, o modelo de comércio eletrônico que mais se coaduna com a perspectiva do multiculturalismo e, consequentemente, com o constitucionalismo

151 SOARES, Ardyllis,.p. 109. 152 Idem, ibidem,, p. 109-111. 153 NEVES, p. 252-253. 154 MOREIRA, 2012, p. 358.

global, é aquele pautado pela ponderação ou sopesamento de princípios proposto por Robert Alexy, com o intuito de articular os interesses dos consumidores e dos fornecedores para se chegar a uma solução que a ambos satisfaça.

Sobre o caráter principiológico dos direitos fundamentais, saliente-se que Alexy pondera ser a distinção entre regras e princípios uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais. Segundo ele, a distinção não é nova e sofre com a falta de clareza e polêmica, sendo que o critério mais utilizado é o da generalidade, segundo o qual princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto que o grau de generalidade das regras é relativamente baixo.155

Na verdade, a conclusão a que Alexy chega é de que entre princípio e regra, não existe apenas uma diferença gradual, mas sim qualitativa, e que o ponto decisivo na distinção é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, sendo, portanto, mandamentos de otimização, podendo ser satisfeitos em graus variados, e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. As regras, por seu turno, são normas que contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, ou seja, são sempre satisfeitas ou não satisfeitas.156

Em outras palavras, conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto que entre princípios ocorrem na dimensão de peso.

Adverte Alexy que uma norma de direito fundamental, como no caso da dignidade da pessoal humana, da tutela do consumidor ou da liberdade de comércio, é ao mesmo tempo princípio e regra, à qual se podem subsumir os elementos do caso concreto, como se fosse uma regra positiva. Diante desse raciocínio, deduz que, como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais, pode ser formulada uma norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido.157

Assim, mesmo que todas as normas de direitos fundamentais diretamente estabelecidas tivessem a estrutura de princípios, o que, segundo Alexy, não ocorre,

155 ALEXY, p. 85-87. 156 Idem, ibidem, p. 89-91. 157 Idem, ibidem, 102.

ainda haveria normas de direitos fundamentais com a estrutura de princípios e normas de direitos fundamentais com a estrutura de regras.158

Destarte, conclui-se pelo modelo de regras e princípios, que dá o caráter duplo às disposições de direitos fundamentais. Todavia, o fato de haver o caráter duplo das disposições de direitos fundamentais não significa que as normas de direitos fundamentais também compartilhem do mesmo caráter duplo. Estas só adquirem tal caráter se forem construídas de forma que ambos os níveis sejam nelas reunidos, ou seja, quando na formulação da norma constitucional é incluída uma cláusula restritiva com a estrutura de princípios, isto é, que um direito fundamental apresente colisão em face de outro, o que, por isso, está sujeita a sopesamentos.

Impende reconhecer, portanto, de acordo com Alexy, que compreender normas de direitos fundamentais apenas como regras ou apenas como princípios não é suficiente, sendo que um modelo adequado é obtido somente quando, às disposições de direitos fundamentais, são atribuídos tanto regras quanto princípios, ou seja, ambos são reunidos em uma norma constitucional de caráter duplo, que será avaliado no caso concreto pelo intérprete.159

Saliente-se que o modelo de sopesamento de Alexy segue a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação (capacidade de atingir os objetivos no caso concreto), da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (proporção adequada entre os meios utilizados e os fins desejados), o qual prescreve que a medida permitida de não-satisfação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro.160

Tal modelo fundamentado deixa claro que este não é um procedimento por meio do qual um interesse é realizado à custa de outro de forma precipitada, de uma questão de tudo ou nada, mas uma tarefa de otimização.

O sopesamento dos direitos fundamentais mostra-se mais adequado no tocante ao comércio eletrônico, pois é evidente que a atividade legislativa que intenta regular as relações jurídicas lá realizadas será sempre defasada em relação à velocidade das transformações que a Sociedade da Informação proporciona.

158

ALEXY, p. 102.

159 Idem, ibidem, 144. 160 Idem, ibidem, p. 145-147.

Constata Pierre Lévy, a “dificuldade de analisar concretamente as implicações sociais e culturais da informática ou da multimídia é multiplicada pela ausência radical de estabelecimento neste domínio.”161

Constança Marcondes César pontua que “as mutações introduzidas pelos recursos da mídia e da informática (...) renovam as questões deontológicas, tornando problemático o caráter da democracia, a moralização da vida política e exigindo que as decisões políticas sejam fundadas na ética.”162

Portanto, a Sociedade da Informação requer uma forma de proteção dos direitos fundamentais diferenciada, pautada pela ética, que possa realmente atender aos reclames dos grupos culturais hipossuficientes, a exemplo das crianças, dos idosos, dos analfabetos e, no nosso caso, dos consumidores, que ficam mais expostos a abusos e desrespeitos na Internet, bem como os excluídos do consumo virtual, ou seja, a grande massa que sequer tem acesso a um computador, mas que é explorado em condição análoga à escravidão em fábricas de produtos eletrônicos